Coroação do rei Filipe Augusto da França. Grandes Chroniques de France. Enluminures par Jean Fouquet. Tours, c.1455-1460 |
Os governos medievais — monárquicos, aristocráticos ou democráticos — nascidos sob a bênção da Igreja, tinham auxílio sobrenatural. E ao mesmo tempo, eles tinham uma profunda impronta familiar.
O resultado é que do governo descia uma força vigorosa mas doce e cheia de unção, sobrenatural e muito proporcionada ao homem.
Esse auxílio para governar com justiça e suavidade, apalpava-se no dia a dia, sem que o chefe de Estado tivesse que ser santo de altar.
Muitos episódios medievais de governo encantam pela ingenuidade, mas também manifestam uma sabedoria que lembra fatos do Antigo Testamento.
Eis um exemplo acontecido sob o reinado de Filipe Augusto:
Um bailio do Rei cobiçava a terra deixada por um cavaleiro morto.
Filipe Augusto, rei da França, na batalha de Bouvines. |
Naturalmente, o defunto nem se mexeu. Quem cala, consente. Em seguida, algumas moedas foram postas em suas mãos, e o defunto recolocado em seu caixão.
Com grande espanto, a viúva viu seus domínios usurpados e se dirigiu ao rei. Convocado, o bailio compareceu ladeado por suas duas testemunhas, que atestavam a realidade da venda.
Filipe Augusto percebeu que era trapaça. Levou para um canto um dos carregadores e lhe disse em voz baixa:
— Recita-me no ouvido o Padre-nosso.
Concluída a oração, o rei exclamou em alta voz:
— Muito bem!
O segundo carregador foi também convocado. Ele achou que seu companheiro denunciara a tramóia, e apressou-se a dizer o que sabia.
O bailio foi condenado.
(Fonte: Funck-Brentano, "Ce qu’était un Roi de France")