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Energia industrial para invenções e “gadgets” em plena era medieval

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Catapulta, reconstituição moderna
Catapulta, reconstituição moderna



continuação do post anterior: A Idade Média à procura do Movimento Perpétuo
para resolver o problema da energia




Autor da primeira representação conhecida da serra hidráulica, Villard dá-nos uma nova prova da importância que a Idade Média atribuía à energia utilizada para fins industriais.

Sob um croqui, ele anota: “Por este meio faz-se uma serra serrar por si mesma”.

Essa serra é também a primeira máquina automática a dois tempos: “Ao movimento circular das rodas, criando um movimento alternado capaz de serrar, soma-se a regulagem auto- mática da madeira à serra”.

Sob o desenho dessa serra automática encontra-se o mais antigo esquema de um movimento de relojoaria. Esse mecanismo está ligado por um eixo à estátua de um anjo colocado no telhado de uma grande igreja.

Uma estátua dessas existia em Chartres, antes da sua destruição pelo fogo em 1836. O mecanismo fazia girar a estátua lentamente, acompanhando o curso do Sol no céu.

Villard explica que, “por esse meio pode-se fazer com que um anjo mantenha sempre o seu dedo apontado para o Sol”.

E em outra altura: “O desenho representa uma armação que sustenta um eixo vertical e um fuso horizontal sobre o qual assenta uma roda. Uma corda lastrada com um peso e enrolada em redor de uma polia passa horizontalmente e enrola-se duas vezes em torno do eixo vertical.

Relógio de sol medieval na fachada da catedral de Chartres, o autômato desapareceu num incêndio.
Relógio de sol na fachada da catedral de Chartres,
o autômato desapareceu num incêndio.
“A corda é dirigida para o fuso horizontal e aí se enrola 3 vezes, antes de passar em redor de uma segunda polia. Um segundo peso, inferior ao precedente, está suspenso na ponta da corda. A queda do peso mais pesado deflagra um movimento que faz girar o eixo vertical e o fuso horizontal” (The Sketchbook of Villard de Honnecourt, ed. R. Willis, Londres, 1859, p. 161).

Ainda antes do final do século XIII, os engenheiros medievais teriam aperfeiçoado o mecanismo de escapo e construído o relógio de pesos, destinado a desempenhar um papel tão importante na história das técnicas do mundo ocidental.

Na mesma lâmina do Carnet, no canto situado em baixo e à esquerda, Villard representou uma águia recheada de cordas e polias.

Diz o texto: “Por este meio pode-se fazer girar a cabeça da águia para o diácono durante a leitura do Evangelho”. Esse mecanismo engenhoso nada mais é senão um brinquedo automático ou, para empregar uma palavra em moda, um gadget.

Villard, segundo parece, adorava os gadgets, pelo menos tanto quanto as gerações de americanos nascidos depois da Segunda Guerra Mundial, e concebeu ainda dois mecanismos extremamente curiosos: um é o esquenta-mãos, o outro uma taça:

“Para se fazer um esquenta-mãos, faz-se primeiro uma espécie de bola de cobre, como uma batata, composta de duas metades que se encaixam uma na outra. No interior dessa bola de cobre deverá haver 6 arcos, igualmente em cobre, cada um deles montado sobre 2 pivôs.

“No centro, encontra-se um pequeno braseiro e mais 2 pivôs. Os pivôs serão alternados de modo que o braseiro se mantenha sempre em posição vertical.

“As brasas incandescentes nunca poderão escapar, se forem atentamente seguidas as instruções do desenho. Este mecanismo é bom para um bispo.

“Ele pode assistir sem hesitação à grande missa; enquanto o tiver em suas mãos, não sentirá frio algum durante o tempo em que houver fogo.

“O mecanismo está construído de maneira tal que, gire de que lado girar, o pequeno braseiro estará sempre direito”.

Esse mecanismo, descrito por Villard com tanta precisão, foi adotado para manter horizontais as bússolas marítimas e verticais os barômetros.

O outro objeto é um cálice conhecido pelo nome de taça de Tântalo: um pássaro está pousado no cimo de uma pequena torre, no interior de uma taça de vinho.

O pássaro parece beber quando se despeja vinho na taça. O mecanismo é explicado com a ajuda do desenho.

Mas o desenho, pouco exato, é enganador, porquanto mostra o bico do pássaro demasiado alto em relação à borda da taça.

Esse pássaro mecânico é um brinquedo já conhecido do mundo antigo. Está descrito no Problema XII de A Pneumática de Heron de Alexandria, que viveu no primeiro século da nossa era.

O galo canta ainda três vezes por dia na catedral de Estrasburgo.
O galo canta ainda três vezes por dia na catedral de Estrasburgo.
Os textos que dele nos chegaram são traduções em latim de manuscritos árabes.

A cópia incorreta do mecanismo que Villard fez mostra que ele nunca teve essa taça entre as mãos. Contentou-se em dar livre curso à sua imaginação, servindo-se de um texto latino.

Villard, como outros arquitetos de seu tempo, foi também engenheiro, construtor de máquinas de guerra.

Em seu Carnet, dedicou uma página aos desenhos pormenorizados de uma potente catapulta.

Infelizmente, falta uma página. Mas a página restante está inteiramente coberta com o desenho desse engenho militar.

A legenda explica: “Quem quiser construir o poderoso engenho a que se dá o nome de bodoque, deverá prestar muita atenção ao seguinte.

“Eis a plataforma, tal como assenta em terra. Na parte da frente, as duas molas e a corda frouxa, com a qual se leva novamente a verga, como se pode ver na outra página.

“Há um grande peso a transportar, porque o contrapeso é muito pesado, sendo constituído por uma arca cheia de terra. Ela tem de comprimento dez toesas grandes, nove pés de largo e doze de fundo. Pensai no impulso da flecha e tomai cuidado, pois ela deve ser colocada contra a travessa da frente”.

Villard também teria sido um construtor de pontes e esboçou um mecanismo muito complexo que permitia serrar madeira debaixo de água.

“Por meio deste engenho, serra-se os pilotis na água para assentar uma plataforma sobre eles”.

Uma lenda, sem fundamento histórico, atribui a construção de certas pontes, na França, a um grupo de homens devotos, talvez religiosos, que se deslocavam de uma cidade a outra segundo as necessidades do urbanismo local.



O relógio astronômico da catedral de Estrasburgo:




(Autor: Jean Gimpel, “A revolução Industrial da Idade Média”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977, 222 páginas).

continua no próximo post: Conhecimentos industriais e científicos da Antiguidade cuidadosamente aproveitados



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