Entre os guerreiros medievais havia muitos que recebiam o nome de “cavaleiros”, embora isso não significasse que eles fossem membros da Cavalaria.
O Pe. Luís F. de Retana, C.SS.R., no livro “San Fernando III y su Época”, falando sobre a sociedade espanhola do século XIII, diz o seguinte:
“Digamos agora algo sobre a contribuição social desta época tão característica, segundo a legislação então vigente. Três classes compunham a sociedade do século XIII: o clero, a nobreza e a classe popular ou estado vulgar.
“Entre a nobreza houve um elemento aristocrático que herdou sua dignidade da nobreza visigótica, e outro que a conquistou por seu esforço pessoal.
“Era função dessa classe: sua cooperação com o rei no governo da nação, na guerra, na defesa e na administração do território, em troca de certos privilégios, cujos princípios eram a isenção de impostos e o domínio senhorial de certas terras.
“Não havia igualdade de classes. Pelo contrário, para efeitos jurídicos, a vida de um nobre valia mais do que a de um plebeu (a do primeiro custava 500 soldos; a do segundo, 300).
“Entre os próprios nobres havia três classes:
– os ‘ricos-homens’, que eram os mais destacados em riquezas, poder e jurisdição, tendo direito a assistir aos conselhos reais, concílios e cortes;
– os ‘infantes’, que eram nobres de nascimento, mas, por não serem primogênitos ou por outro motivo qualquer, não herdavam jurisdição territorial e ocupavam o segundo lugar em relação aos ‘ricos-homens’;
– enfim os ‘cavaleiros’, homens livres ou libertos que, sem haver herdado nobreza ou fidalguia, tinham riquezas para manter cavalo e armas, fazendo da guerra sua profissão.
“Não se devem confundir os simples cavaleiros com os que recebiam a ordem da Cavalaria. ...
“Os régulos de Múrcia e sua terra se entregaram a São Fernando, seu inimigo natural, e não ao Granadino, seu irmão de fé e raça, porque sabiam que aquele, acima dos ódios nacionais, era ‘cavaleiro’ que nunca desrespeitou a palavra dada e nunca alojou em seu coração algum gênero de vilania”. (P. Luís F. de Retana, C.SS.R., “San Fernando III y su Época” - Editorial El Perpetuo Socorro, Madrid, 1941, pp. 242-243).
Por esse texto, vê-se que na Espanha havia o título de “cavaleiro”, que não implicava em fazer parte da Cavalaria. Era um guerreiro que, embora não fizesse parte da Cavalaria, era chamado cavaleiro.
Passamos agora a um novo problema. Não se trata só de saber que o exército feudal é coisa distinta da Cavalaria; trata-se de demonstrar que a palavra cavaleiro se aplica, quer a membros do exército feudal, quer a membros da Cavalaria.
Sobre esse assunto, Paul Lacroix, na obra “Moeurs, Usages et Costumes au Moyen Âge et à l’époque de la Renaissance”, nos fornece os seguintes esclarecimentos:
“Sob os reis da terceira dinastia, o território do reino (de França) compreendia mais ou menos cento e cinquenta domínios, chamados grandes feudos da coroa, e cuja posse estava entregue, por direito hereditário, aos membros da alta nobreza, colocados imediatamente debaixo da suserania ou dependência real.
“Designavam-se geralmente pelo título de barões os vassalos que dependiam diretamente do rei, e cuja maioria possuía castelos fortes.
“Os outros se confundiam sob a denominação de “cavaleiros”, título genérico ao qual se costumava acrescentar o de “bannerets” quando levassem bandeira e pusessem ao serviço do rei uma companhia de homens de armas.
“Os feudos de “haubert” (cota de malhas) deviam fornecer ao suserano cavaleiros cobertos de cotas de malhas e completamente armados.
“Todos os cavaleiros, como o nome indica, serviam a cavalo nas guerras em que tomavam parte.
“Mas é preciso não confundir os “cavaleiros de nascimento” com os que se tornavam cavaleiros depois de um noviciado de armas no castelo de um príncipe ou grande senhor feudal, e menos ainda com os membros das diversas Ordens de Cavalaria que foram sucessivamente criadas, como, por exemplo, os cavaleiros da Estrela, os do Ginete, os do Tosão de Ouro, os do Espírito Santo, os de São João de Jerusalém, etc.” (Paul Lacroix, “Moeurs, Usages et Costumes au Moyen Âge et à l’époque de la Renaissance” - Firmin Didot Frères, Fils et Cie., Paris, 1874, pp. 16-17)
Se aproximarmos este texto do anterior, escrito por Weiss — no qual se lê que “na segunda metade do século XV o número dos cavaleiros propriamente ditos era muito menor do que poderíamos pensar, ao passo que o dos cavaleiros de nascimento era muito maior, e que comumente se confunde a entrega das armas com o armar-se cavaleiro” — chegamos a conclusões muito curiosas.
Com efeito, segundo Paul Lacroix, na França o título de “cavaleiro” era aplicado, quer para certos tipos de possuidores de feudos, quer para os membros da Cavalaria.
Além disso, Lacroix usa a expressão “chevaliers de naissance”, que é exatamente igual a “caballeros de nacimiento”, empregada por Weiss.
Ora, Lacroix utiliza esse termo quando se refere aos possuidores de feudos que não dependiam diretamente do rei, e os separa dos cavaleiros, assim chamados por serem membros da Cavalaria.
Weiss defende que nem todos os “caballeros de nacimiento” eram propriamente cavaleiros, pois não se deve confundir a entrega das armas com o armar cavaleiro.
A conseqüência é que o título de “cavaleiro” serve para designar pelo menos duas coisas:
a) em primeiro lugar, todos os membros da Cavalaria;
b) em segundo lugar, certos tipos de possuidores de feudos.
Podemos portanto afirmar que a palavra cavaleiro tanto se aplica a certos guerreiros do exército feudal quanto a todos os membros da Cavalaria.