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Como se entrava na Cavalaria medieval?

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Beato Charles de Blois, duque da Bretanha, igreja Notre-Dame de Bulat-Pestivien
Beato Charles de Blois, duque da Bretanha,
igreja Notre-Dame de Bulat-Pestivien




Baseados no conceito de “cavaleiro”, podemos fazer uma ideia do significado das diversas etapas que se requeriam para ser armado cavaleiro.

Sendo o cavaleiro um homem de armas que possui determinadas virtudes naturais e morais, ele pode adquirir essas virtudes depois de um longo noviciado, como se faz nas Ordens Religiosas.

Ou tornar-se digno da Cavalaria porque, num momento excepcional, ele superou-se a si mesmo, demonstrando com isso um grande valor de alma que abarca, em potência, todas aquelas virtudes requeridas para o ingresso na Cavalaria.

Portanto, os homens de armas podem ser armados cavaleiros de duas maneiras:

a) normalmente, através de um noviciado, que compreende as três etapas de pajem, escudeiro e cavaleiro;

b) excepcionalmente, no campo de batalha ou em outras circunstâncias, quando se lhe confere a Cavalaria sem aquela preparação anterior.

Paul Lacroix afirma que “todo cavaleiro põe seu filho a serviço de outro cavaleiro”. (Paul Lacroix, “Vie Militaire et Religieuse au Moyen Âge et à l’époque de la Renaissance”, Firmin Didot Frères, Fils et Cie., Paris, 1873, p. 150)

Esta afirmação nos leva a pensar que havia entre os cavaleiros uma espécie de contrato, pelo qual era possível realizar o noviciado dos cavaleiros.

Somente os cavaleiros tinham poder de armar cavaleiro um homem de armas. Isso poderia significar também que somente os cavaleiros eram capazes de preparar e educar os homens de armas para a recepção na Cavalaria.

De maneira que o serviço de pajem e escudeiro, enquanto significando um noviciado para a recepção na Cavalaria, provavelmente só se fazia nos castelos de senhores que eram cavaleiros, isto é, membros da Cavalaria.

Isto talvez seja um dado novo, pois nos livros de História não se dá realce a esse fato, e acaba-se interpretando que o serviço de pajem e escudeiro se prestava a qualquer senhor feudal, e que era costume da nobreza enviar seus filhos a senhores mais poderosos para executarem tais serviços.

Robert Bruce, herói da Escócia, estátua em Bannockburn
Robert Bruce, herói da Escócia, estátua em Bannockburn
Uma vez que a Cavalaria é algo inteiramente distinto do feudalismo, aquele serviço de pajem e escudeiro, que todos reconhecem ser uma etapa para a recepção da Cavalaria, provavelmente só se fazia junto aos nobres que eram membros da Cavalaria.

Somente nobres eram capazes de transmitir aos jovens, desejosos de pertencer à Cavalaria, a mentalidade e as virtudes necessárias para adquirir aquela distinção honorífica.

Portanto, o serviço de pajem e escudeiro, enquanto significando uma etapa preparatória para a Cavalaria, deve ser visto como um verdadeiro noviciado, onde o pretendente à Cavalaria adquire, pelo exercício e pelo tempo, as virtudes naturais e morais que o possam tornar digno de ser membro da Cavalaria.

Esse era o meio normal para se ingressar na Cavalaria. Havia também os meios excepcionais, a que já nos referimos.

O que acabamos de dizer acerca do noviciado da Cavalaria talvez lance uma luz sobre o problema do significado da palavra “escudeiro”. Certamente ocorre com essa palavra o mesmo que com a palavra “cavaleiro”.

“Escudeiro” poderia significar uma etapa na formação de um homem de armas para a recepção na Cavalaria, e poderia significar também um tipo de guerreiro de exército feudal, que possuísse um feudo territorial de natureza especial.

Assim, poder-se-ia levantar a hipótese de que a palavra “escudeiro” teria pelo menos dois significados:

a) designava todos os homens de armas que estavam cursando o noviciado da Cavalaria, ou que já o haviam completado, embora ainda não tivessem recebido o “adoubement”;

b) designava os homens de armas do exército feudal que possuíam feudos especiais.

Para compreendermos melhor o sentido da palavra “escudeiro”, enquanto membro da Cavalaria, lembremos que nas Ordens Terceiras existem os noviços e os irmãos terceiros. Os noviços podem ficar noviços durante muito tempo, até serem aceitos como irmãos.

No caso da Cavalaria, existiram os escudeiros e os cavaleiros. Um cavaleiro provavelmente poderia ficar muito tempo escudeiro, até que fosse armado cavaleiro por um outro cavaleiro.

Todavia, embora não fosse armado cavaleiro, enquanto escudeiro ele pertencia à Cavalaria, isto é, participava de alguma dignidade honorífica pelo fato de ser um pretendente à Cavalaria.

Em abono desta hipótese, poder-se-ia aduzir o seguinte trecho do Grand Dictionnaire Universel Larousse:

“O escudeiro não podia usar esporas de ouro nem roupas de veludo; mas calçava esporas de prata e trajava vestimentas de seda”.

Isso parece indicar que o escudeiro tinha roupas especiais, que simbolizavam o seu grau de dignidade dentro da Cavalaria.

Por outro lado, falando sobre o grau de escudeiro, o mesmo dicionário assim se expressa:

“Da situação de pajem, o jovem fidalgo passava à de escudeiro; para receber esse grau, que lhe era conferido numa grande cerimônia religiosa, devia ter pelo menos 14 anos.

“O jovem, recém-saído do estado de pajem, era apresentado diante do altar por seu pai ou sua mãe, que, com uma vela na mão, compareciam ao oferecimento.

“O sacerdote tirava de cima do altar uma espada com seu cinturão, fazendo a seguir várias bênçãos sobre ela e prendendo-a ao lado do jovem candidato, que até então só a podia carregar”.

Essa descrição nos aproxima das cerimônias requeridas para a recepção de candidatos à Cavalaria, e por isso nos faz supor que escudeiro era um grau na cavalaria, que se adquiriria também através de certos rituais, e que se conservaria até que fosse chamado ao grau de cavaleiro.

Quanto à afirmação de que o escudeiro só podia levar a espada, sem poder fazer uso dela, há uma explicação a ser dada. Parece-nos que isso vigorava até que o escudeiro atingisse a idade de 21 anos.

Segundo Larousse, havia escudeiros que combatiam tal como os cavaleiros. Além disso, Lacroix, ao tratar dos escudeiros em sua obra “Vie Militaire et Religieuse au Moyen Âge et à l’époque de la Renaissance”, diz que os escudeiros, depois de um determinado tempo de serviço junto aos senhores feudais, iam correr o mundo com o título de “poursuivants d’armes” (cadetes de armas), onde acabavam de concluir o seu noviciado de Cavalaria, fazendo atos de bravura e aprimorando os seus conhecimentos e sua educação. (Paul Lacroix, idem, ibidem, pp. 150 ss.)

Portanto, é bem provável que os escudeiros usassem da espada para demonstrarem o seu valor militar, e assim tornarem-se dignos de receber o “adoubement” da Cavalaria.

De maneira que, se isso for assim, os escudeiros podiam ser inclusive adultos que ainda não tivessem recebido o “adoubement”, mas que no entanto pertenceriam à Cavalaria, pois estavam no noviciado preparatório para a mesma.

Ou seja, haveria casos em que um escudeiro ficava esperando durante muito tempo, até que chegasse a ocasião em que ele fosse julgado digno de ser armado cavaleiro.

Finalmente, poderíamos também supor que um fidalgo fosse cavaleiro enquanto membro do exército feudal, e no entanto tivesse o título de escudeiro enquanto membro da Cavalaria.

Esse fidalgo, que seria um “cavaleiro de nascimento”, todavia era escudeiro diante dos demais cavaleiros membros da Cavalaria, e devia ceder o seu lugar quando estivesse na presença daqueles.

Talvez houvesse também o caso de serem armados cavaleiros certos homens livres, que ocupassem no exército feudal o posto de escudeiro. Como membros da Cavalaria, estes seriam cavaleiros, e como participantes do exército feudal seriam escudeiros.

Estas últimas hipóteses, parece-nos, abririam novos horizontes na pesquisa do intrincado problema da Cavalaria. E sobretudo facilitariam a investigação do verdadeiro sentido dos termos “cavaleiro” e “escudeiro”, durante a Idade Média.




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