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Cavalaria e Cruzadas: defesa da Igreja e da justiça

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“Em todas as suas ações — diz o autor de ‘l’Entrée en Espagne’— o cavaleiro deve se propor um duplo fim: a salvação de sua alma e a honra da Igreja, da qual ele é o guardião”.

Sustentar a Cristandade é um termo que aparece frequentemente em nossos velhos poemas, e que exprime bem o que quer dizer.

Quando o jovem deixa a casa paterna, a última palavra que a mãe lhe dirige é para lembrá-lo deste augusto dever: “Serve a Jesus Cristo e a Santa Igreja”.

Ao mesmo tempo que recebia as armas de cavaleiro, o escudeiro pronunciava, a pedido do celebrante, o juramento de respeitar as leis da Cavalaria e recitava alguma oração no gênero daquela, lindíssima, que se encontra no cerimonial, datado de 1293-1295, do Padre Guilherme Durant, e da qual Marc Bloch nos deu uma excelente transposição:

“Senhor Santíssimo, Pai Todo-Poderoso, Vós que permitistes na terra o uso da espada para combater a perfídia dos maus e defender a justiça, que para a proteção do povo quisestes constituir a Ordem da Cavalaria, fazei com que, dispondo o seu coração ao bem, o vosso servo que aqui está não faça nunca uso desta espada ou de outra para lesar alguém injustamente, mas que se sirva sempre dela para defender a Justiça e o Direito”.


O espírito guerreiro que os animava bem se expressa nesta poesia, habitual entre os cavaleiros medievais:

Si j’avais un pied en Paradis

Et l’autre em mon château,

Je retirerais, pour aller me battre,

Le pied que j’aurais là-haut.

Se eu tivesse um pé no Paraíso

E outro no meu castelo,

Eu retiraria, para ir combater,

O pé que estivesse no Céu. (Léon Gautier, “La Chevalerie”, Arthaud, Paris, 1959, pp. 31-32).

Baudouin de Condé crê que o cavaleiro deve continuar ativo em sua armadura durante todo o tempo que suas forças o permitam.

Até às portas da morte, até o último suspiro, o pensamento e a recordação dos feitos e das batalhas persegue a grande maioria desses homens de armas.

Um deles morre murmurando: “No céu, vou refazer a guerra de espada e de lança”.

Outro moribundo, sem desanimar, pede aos que o estão velando que o ajudem a levantar-se e armar-se, para acertar uma “quintana”. Certo cavaleiro dizia que era preciso haver mouros no paraíso, que lhes dessem ocasião de novos combates.

Numerosos guerreiros, para serem mais garantidamente admitidos na bem-aventurada morada, tomam a precaução de vestir, antes de morrer, hábitos de monge, com os quais serão enterrados.

Vendo-os aparecer em tais vestes, São Pedro não ousará fechar-lhes as portas. Esse uso praticado pela Cavalaria, de se enterrar com hábito de monge, continuou até o fim do século XIV.

Em algumas abadias havia monges especialmente designados para vestir os cavaleiros que exprimissem tal desejo.

Se o cavaleiro morresse em uma batalha, depositava-se sobre a tumba sua bandeira, seu estandarte e o pequeno estandarte de seu elmo. Se ele não tivesse morrido em batalha, era permitido colocar-se apenas duas destas insígnias.

Suvanes, em seu “Tratado sobre a Espada Francesa”, fala do costume de se levar a uma igreja as armas do cavaleiro morto, para serem conservadas no tesouro do templo.

A espada de Santa Joana d’Arc encontra-se na igreja de Santa Catarina de Fierbois. A Santa guerreira considerava um verdadeiro dom celeste a espada que recebera.

Os cruzados que tinham combatido na Terra Santa, ou mesmo aqueles que apenas haviam pronunciado o voto de fazê-lo, eram enterrados com as pernas cruzadas, atitude em que podemos contemplá-los sobre os túmulos, nos claustros dos mosteiros.

O cavaleiro ansiava pelo momento em que pudesse abandonar os torneios e seguir para além-mar, para a Terra Santa. Só assim poderia adquirir a reputação de “batalhador”.

São Luís IX, em sua imensa piedade, não se cansava de dizer que preferia o cognome de “batalhador” ao de “devoto”.

Preguiça e avareza aparecem aos olhos do cavaleiro como inimigos mortais. Por isso, não bastava conquistar um prêmio num torneio ou uma batalha vitoriosa. Ao voltar para casa, ele deveria mostrar-se benevolente para com todos, amável, polido, dar esmolas aos pobres, distribuir suas velhas túnicas aos menestréis.

À valentia, generosidade e cortesia devia juntar-se a modéstia.


Sentimentos religiosos dos cavaleiros


Ir à missa todas as manhãs, sem distinção entre Domingo e dias da semana, era obrigação à qual os cavaleiros se submetiam em consciência.

Durante a leitura do Evangelho, tiravam a espada da bainha e a sustentavam na mão até o fim da leitura, indicando com isto a sua vontade de defender em todas as circunstâncias a Igreja e a Fé.

A oração que parece ter sido a mais divulgada nos séculos XIII a XVI é a seguinte, que se encontra em grande número de livros de horas:

“Alcançai-me o dom desta Graça Divina, que será a protetora e a mestra dos meus cinco sentidos, que me fará cumprir as sete obras de misericórdia, crer nos doze artigos da Fé e praticar os dez mandamentos da Lei, e que enfim me livrará dos sete pecados capitais até o último dia da minha vida”.

Eram orações tradicionais, que nem todos os cavaleiros podiam estar repetindo, se não as decoravam.

Um dos mais renomados cavaleiros franceses era Étienne Vignolles, chamado La Hire, o ativo colaborador de Santa Joana d’Arc. Com o bravo Dunois, ele ia tentar fazer levantar o cerco de Montargis, assaltada pelos ingleses.

Aproxima-se do campo inimigo e suplica a um capelão, tendo em vista os perigos que vai enfrentar, que lhe seja dada a absolvição dos pecados que ele possa ter cometido.

O padre lhe pede que se confesse. Impossível, pela urgência, pois o ataque é iminente. A absolvição pedida é dada, sob a condição de La Hire dizer a Deus uma oração.

Ele junta devotadamente as mãos, e diz em gascão: “Deus, eu te suplico que faças hoje por La Hire o mesmo que Tu gostaríeis que La Hire fizesse por Ti, se ele fosse Deus e Tu fosses La Hire”. E ele estava certo de ter rezado muito bem a Deus.




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