Bayard defende a ponte sobre o Carigliano. Henri-Félix-Emmanuel Philippoteaux (1815–1884). |
Outro aspecto importante é que a instituição da Cavalaria surgiu como que espontaneamente, organicamente, sem um plano nem decreto, pela ação da graça e do Espírito Santo.
Não é como a vida religiosa, que tem um legislador como São Bento, que dá à instituição uma lei, uma organização, uma estrutura jurídica.
De fato já existia aquele ideal, aquela inspiração, mas um homem, um fundador, dá uma organização para aquilo.
Com a Cavalaria não acontece assim. Não houve um Papa que em determinado momento excogitasse “como seria uma coisa interessante instituir a Cavalaria”, publicasse depois uma encíclica “De militia christiana”, e a partir desse dia começasse a existir a Cavalaria.
Tanto não é assim, que nós não podemos nem saber quando é que começou a Cavalaria. Podemos dizer onde ela floresceu mais perfeitamente, mas não onde que ela começou. Tudo se passou organicamente.
O impulso do Espírito Santo, agindo em toda a Europa por meio da Igreja e dos santos, vai fazendo nascer esse desejo de um ideal e o vai elaborando aos poucos. Não surgiu de uma reunião de pessoas, de um concílio ou de uma universidade para estudar e deliberar sobre o assunto.
Na Idade Média quase tudo se fez assim. É um corpo sadio que vai florescendo e vai dando frutos. Funck-Brentano tem sobre isso uma expressão muito bonita:
“Alguém pode não gostar da civilização medieval, do regime feudal medieval. Mas uma coisa que ninguém pode fazer é criticar aquela sociedade por ter dado aqueles frutos.
Cavaleiro em oração.
Vitral na Universidade de Yale.
“Ela só podia ter dado aqueles frutos. Uma sociedade como aquela tinha que dar nascimento àquelas instituições, tinha que florescer com aquelas instituições.
“A coisa surgia como o fruto nasce da árvore. A pessoa pode não gostar de maçã, mas ninguém pode criticar uma macieira porque dá maçãs”.
A Cavalaria era de fato um ideal de santidade e uma via de santificação. Diante daqueles homens rudes, bárbaros e semi-selvagens, a Igreja teve a linda audácia de não fazer concessões.
Ela tomou um ideal de santidade e o ofereceu a eles.
Analisando o ideal da Cavalaria, vemos que era um altíssimo ideal de santidade. Não era um ideal de levar uma vida bem direitinha, bem honestazinha, mas era propriamente um ideal de santidade.
Quem encarnasse perfeitamente o espírito da Cavalaria ficava santo. E a Cavalaria também era uma via de santificação.
Porque seguindo aquele termo, seguindo aquelas normas da Cavalaria, embebendo-se daquele espírito da Cavalaria o homem se santificava, mais ou menos como se santifica quem segue a regra de uma determinada Ordem religiosa.
Quem se embeber no espírito da Ordem de S. Domingos, por exemplo, não dá para não tornar-se um santo.
Se a Cavalaria era um ideal de perfeição, também era um colégio. Em algumas recepções de cavaleiros, aquele que os recebe diz: “Eu vos recebo com vontade, com satisfação, no colégio da Cavalaria”.
Isso pode dar margem a confusão, pois era colégio enquanto o conjunto de todos aqueles que foram armados cavaleiros. Era uma corporação, um conjunto, ligados todos pelo mesmo ideal.
Pelo fato de terem sido armados cavaleiros através de um rito sensível, também havia uma certa solidariedade entre eles. Mas sem uma estrutura jurídica.
Isso é uma coisa muito bonita também na Cavalaria, porque aqueles homens eram armados cavaleiros, e a todo momento estavam lutando um contra o outro.
Era normal um cavaleiro que vivesse num feudo e depois fosse lutar por outro, mas sempre havia uma certa solidariedade. Eles sempre sentiam no outro uma marca especial, que os levava a ter uma mútua estima.
O rei da França Francisco I é armado cavaleiro por Bayard. Louis Ducis (1775 - 1847) , Museu do castelo de Blois. |
Mas sentiam alguma coisa de comum com ele, embora fosse já uma época de decadência da Cavalaria. Quando ele foi preso, o rei da Inglaterra Henrique VIII o recebeu com uma consideração muito especial.
Trataram-no com toda a cortesia, sentindo uma certa solidariedade com um homem que, como eles, tinha recebido a ordem da Cavalaria, e como eles — ou muito melhor que eles, aliás — servia os ideais da Cavalaria.
Outra coisa característica na Cavalaria é que todos são iguais. Um pequeno fidalgo, como é Bayard na Cavalaria, é igual a um rei.
É por isso que, logo depois da batalha de Marenga, Francisco I, rei de França, se faz armar cavaleiro por ele, que era pequeno fidalgo de uma nobreza muito modesta.
Mas como ele é cavaleiro, pode armar cavaleiro o rei, e não há nisso nada de contrário às leis. Na Cavalaria, os únicos graus que existem são as diferenças de valor.
A Cavalaria teve seu máximo florescimento nos séculos XI e XII. Começou a decair no século XIII, e tal decadência se estendeu por toda a Europa civilizada.