Croquis da nave central de Cluny antes da demolição revolucionária. Jean-Baptiste Lallemand, 1771-1780. |
Luis Dufaur Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
continuação do post anterior: Abades santos governam Cluny quase 200 anos
Quando se fala de Cluny, entende se esse período de tal forma grandioso, que ofusca todo o resto da história cluniacense.
Não é que Cluny tenha deixado de ser grande. Pelo contrário, por muito mais tempo ainda, não só na Idade Média, mas mesmo no início da Idade Moderna, a Abadia conservou o seu prestígio.
Foi pouco a pouco que ela decaiu. O brilho que manteve ainda depois desses dois séculos deixa se ver nitidamente pela condição social de muitos de seus abades: vários príncipes da casa de Lorena e muitos grandes nobres da França e da Inglaterra.
No fim do século XVI, porém, a Abadia já não era senão uma sombra do que fora. O abaciato caíra sob o fatal regime da comenda.
Mas era tão glorioso o passado de Cluny, que ainda nessas tristes condições Richelieu e Mazarino quiseram ser seus abades, porque o título de Abade de Cluny acrescentava alguma coisa ao prestígio desses homens postos no pináculo de todas as grandezas humanas.
De 910 a 1109, Cluny teve seis abades: o Bem aventurado Bernon (910 926), Santo Odon (926 944), Aymard (944 954), São Maïeul (954 994), Santo Odilon (994 1049) e São Hugo (1049 1109).
Os próprios cluniacenses consideravam Santo Odon como o verdadeiro fundador da Abadia, e realmente foi ele que deu a Cluny a sua fisionomia definitiva. Além disso, logo depois da fundação Santo Odon foi auxiliar direto do Bem aventurado Bernon, e pôde já desde o início trabalhar nessa grande obra.
O terceiro abade, Aymard, governou pouco tempo, porque ficou logo cego e passou a direção efetiva a São Maïeul, seu coadjutor.
Na realidade, nesses duzentos anos Cluny foi governada pelos quatro abades santos: Santo Odon, São Maïeul, Santo Odilon e São Hugo.
Esses prelados eram varões extraordinários. Todos refletiam no exterior a luz peculiar da formação cluniacense.
O homem medieval sabia reconhecer o maravilhoso e ver a Deus em seus eleitos, de modo que a mera presença dos abades de Cluny provocava entusiasmo, conversões súbitas e desejo de colaborar com eles.
São Austremoine, detalhe da urna de Santa Calmina |
Não era só a presença de algum dos abades cluniacenses que provocava movimentos de piedade popular. Muitas vezes o povo queria ao menos ver algo que os tivesse tocado.
Durante uma visita de Santo Odilon a Pavia, onde fora encontrar se com o Imperador, as cidades vizinhas o obrigaram a mandar o seu cavalo percorrê las, para que vissem pelo menos a montaria que ele usava.
Os quatro abades tinham esse fundo comum cluniacense, reconhecido até pelo povo, embora fossem muito diferentes entre si. É esse fundo comum que é o cerne da personalidade de cada um deles.
Foi o que viu muito bem D. Jacques Hourlier em seu estudo sobre Santo Odilon:
“O que há de mais notável na história de Cluny é que sempre revelaram em suas atitudes a permanência de “alguma coisa” própria de Cluny — uma unidade de pensamento, de orientação, de estilo, apesar da evidente diversidade de caracteres e temperamentos, apesar das mais profundas transformações da sociedade” (D. Jacques Hourlier, “Saint Odilon, Abbé de Cluny”, Bibliothèque de l’Université, Louvain, p. 50).
Essa “alguma coisa” pode se encontrar no pensamento, nos princípios que orientaram os quatro santos abades na formação de Cluny. É o que fazem os historiadores, ao pesquisar os poucos documentos que chegaram até nós, sobretudo as obras de Santo Odon e Santo Odilon.
Resumindo as conclusões a que chegaram, acreditamos poder dar aos nossos leitores uma idéia clara de quais foram os princípios que nortearam os quatro abades que construíram Cluny.
(Autor: Prof. Fernando Furquim de Almeida, “Catolicismo”)