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Emersão de fundo medieval abalou fachada laica-democrática da França

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A sacralização da vida política francesa na Idade Média foi tão profunda que não foi possível apagá-la e até ressurge hoje
A sacralização da vida política francesa na Idade Média foi tão profunda
que não foi possível apagá-la e até ressurge hoje
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





Na última eleição presidencial na França, o catolicismo fez uma irrupção rumorosa num país que se julgava definitivamente ganho pelo laicismo anticlerical da Revolução Francesa.

Todos os candidatos — inclusive o comunista-anarquista Mélenchon — acenaram para esta ou aquela passagem, ainda que remota, por alguma corrente do catolicismo, ou contato com ela.

O que houve? Cientistas sociais e políticos, jornais, acadêmicos, líderes partidários atilados se puseram na ingente tarefa de tentar descodificar o enigma.

Um deles foi Alain Tallon, reitor da Unité de Formation et de Recherche – UFR (outrora mais claramente “Faculdade”) de História da Universidade da Sorbonne, especialista em história religiosa, entrevistado pelo quotidiano parisiense “La Croix”.

Tallon partiu de uma evidência que não era “politicamente correta”: “A dimensão religiosa, e mais especialmente a questão do cristianismo, é essencial em nossa história.

“A própria laicização da sociedade francesa não conseguiu apagar totalmente o fato religioso. (...) A França, ao contrário de seus vizinhos alemães, italianos e espanhóis, foi um país uniformemente católico”, acrescentou, antes de pôr o dedo na chaga:

“Outra peculiaridade: a Revolução Francesa foi feita contra uma França católica. Nós vivemos ainda sob os efeitos desse divórcio entre a França republicana e a França católica”.

O professor Tallon foi sagaz, tentando embaralhar a oposição: o oposto de ‘republicana’ (realidade temporal) não é bem ‘católica’ (realidade religiosa espiritual).

Ele estava se referindo às posições ‘república versus monarquia’ e ‘laicismo versus catolicismo’.

Ou mais concisa e palpavelmente, à posição entre ‘republicano enquanto ateu’ versus ‘monarquista enquanto católico’. Mas isto na França é tema de explosividade atômica.

O jornalista tentou procurar outra via menos perigosa. E levou para um assunto, na verdade, não muito menos coruscante.

Prof. Tallon: a sacralidade da monarquia francesa não teve equivalente
Prof. Tallon: a sacralidade da monarquia francesa não teve equivalente
O professor Tallon foi claro: “Na França, a política sempre tirou, e largamente, seu vocabulário e seus ritos da religião”, leia-se do catolicismo.

E acrescentou: “Isso é verdade desde a Idade Média. A sacralidade da monarquia francesa não teve equivalente na Europa. Os franceses inventaram o rei taumaturgo. [NdT: que faz milagres. Após a sagração dos reis, eles saíam à praça e tocavam os doentes ‘escrofulosos’, dizendo: ‘o rei te toca, Deus te cura’ e muitos saíam dizendo-se curados!].

“Enquanto isso, a monarquia espanhola é profundamente laica desde a Idade Média: o rei não é ungido”.

Na França, os reis eram ungidos com óleo bento numa cerimônia eclesiástica na catedral de Reims. Em virtude dessa unção eles passavam a diáconos da Igreja, com um mundo de privilégios eclesiais e um rango menor no clero.

Esse costume é tão forte que até hoje os presidentes da República são considerados cônegos da catedral de São João de Latrão, com estala reservada. O ex-presidente Sarkozy chegou a ocupar essa sede canônica em sua primeira visita a Roma.

O jornalista, certamente menos letrado que o reitor da Faculdade de História de Paris, procurou outra pista. E acabou ouvindo verdades que arrepiam ao laicismo democrático, igualitário e vulgar inaugurado em 1789.

O reitor Tallon sublinhou que em país algum houve a sacralização do poder como na França. “E essa sacralização sobreviveu após a monarquia, inclusive sob Bonaparte e, em certo sentido, sob Charles de Gaulle”.

Todos esses chefes de Estado tentaram dar ares de monarca ungido pela Igreja. Napoleão se fez coroar pelo Papa Pio VII (de modo muito contestável) e Charles de Gaulle assumiu um ar pessoal de monarca, obviamente sem coroa alguma.

No subconsciente popular, Carlos Magno ainda é o modelo de governante
No subconsciente popular, Carlos Magno ainda é o modelo de governante
“O modelo de Carlos Magno — prosseguiu o professor — fez sonhar todos os soberanos franceses.

“Foi por isso que Henrique IV quis se reconciliar com Roma, em vez de criar uma Igreja nacional como fizera o modelo inglês. (...)

“Ele também compreendeu que se tratava do único meio para ele se tornar rei da França.

“Um rei da França protestante era uma coisa impossível, política ou ideologicamente.

“A sacralização da monarquia atingira tal ponto, que um rei calvinista não teria sido sagrado, não teria curado as escrófulas. Era algo inconcebível. Ele teria rompido com Roma e com o universalismo católico.

“A monarquia francesa se sente herdeira legitima de Roma porque o rei é o primeiro dos cristãos. (...)

“Nós nos sentimos investidos de uma missão pela França desde o fim da Idade Média. Essa foi a ideia constitutiva da criação da ‘nação França’.

“Desde a monarquia carolíngia o tema imperial foi sempre conjugado com Roma e o Papado. Quando houve conflitos opondo o Papa ao Imperador, a monarquia francesa sustentou o Papado.

“O episódio de Joana d’Arc foi um dos elementos. E isso continuou pela Renascença, com um rei como Francisco I se fazendo pintar em 1518 por Jean Clouet representado como São João Batista…

“Os embaixadores ingleses contam que eles foram recebidos pelo rei vestido como se fosse Cristo ! É algo completamente surpreendente…

“A ideia da nacionalidade francesa não foi constituída unicamente pela monarquia, mas também pela Igreja Católica”, concluiu.




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