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A vida familiar dominava a vida pública e não o inverso como hoje

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Colonização da Islândia e da Groenlândia
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




A importância dada à família traduz-se por uma preponderância, muito marcada na Idade Média, da vida privada sobre a vida pública.

Em Roma, um homem só tem valor enquanto exerce os seus direitos de cidadão, enquanto vota, delibera e participa nos negócios do Estado.

As lutas da plebe para obter o direito de ser representada por um tribuno são, a este nível, bastante significativas.

Na Idade Média, raramente se trata de negócios públicos. Ou melhor, estes tomam logo o aspecto de uma administração familiar, são contas de domínio, regulamentos de rendeiros e de proprietários.

Mesmo quando os burgueses reclamam direitos políticos, no momento da formação das comunas, é para poderem exercer livremente o seu ofício e não serem mais incomodados pelas portagens e pelos direitos de alfândega.

A atividade política, em si, não apresenta interesse para eles.

De resto, a vida rural é então infinitamente mais ativa que a vida urbana, e tanto numa como noutra é a família, não o indivíduo, que prevalece como unidade social.

Tal como se apresenta no século X, a sociedade assim compreendida tem como traço essencial a noção de solidariedade familiar saída dos costumes bárbaros, germânicos ou nórdicos.

A família é considerada como um corpo em cujos membros circula um mesmo sangue, ou como um mundo reduzido, desempenhando cada ser o seu papel com a consciência de fazer parte de um todo.

A união não repousa, como na antiguidade romana, sobre a concepção estatista da autoridade do seu chefe.

Repousa sim sobre esse fato de ordem biológica e moral, de acordo com o qual todos os indivíduos que compõem uma mesma família estão unidos pela carne e pelo sangue, por interesses solidários, e nada é mais respeitável do que a afeição que naturalmente anima uns para com os outros.

Tem-se muito vivo o sentido desse caráter comum dos seres de uma mesma família. Diz um autor do tempo:

Les gentils fils des gentils pères
Des gentils et des bonnes mères
Ils ne font pas de pesants heires [héritiers].

Os gentis filhos dos gentis pais
Das gentis e boas mães
Não se tornam herdeiros pesados.

Aqueles que vivem sob um mesmo teto, que cultivam o mesmo campo e se aquecem no mesmo fogo — ou, para usar a linguagem do tempo, os que participam do mesmo “pão e pote”, [Em português, a expressão correspondente seria “comer da mesma gamela”] “que cortam a mesma côdea” — sabem que podem contar uns com os outros, que o apoio da sua corte não lhes faltará.

O espírito de grupo é, com efeito, mais potente aqui do que poderia ser em qualquer outro agrupamento, já que se funda sobre os laços inegáveis do parentesco pelo sangue e se apóia sobre uma comunidade de interesses não menos visível e evidente.

Étienne de Fougères, o autor de quem foi citado o extrato precedente, protesta no seu Livre des manières [Livro de boas maneiras] contra o nepotismo dos bispos.

Todavia, reconhece que estes fariam bem em rodear-se dos seus parentes, “se estão de boas relações”, pois nunca podemos ter certeza da fidelidade dos estranhos, diz ele, enquanto pelo menos os nossos não nos faltarão.

Partilham-se portanto as alegrias e os sofrimentos. Recolhem-se em casa os filhos daqueles que morreram ou estão em dificuldades, e todas as pessoas de uma mesma casa se agitam para desagravar [O desagravo, no Portugal medieval, é o direito de revindita] a injúria feita a um dos seus membros.

O direito de guerra privada, reconhecido durante grande parte da Idade Média, é apenas a expressão da solidariedade familiar, e correspondia inicialmente a uma necessidade.

Quando da fraqueza do poder central, para o defender-se o indivíduo só podia contar com a ajuda da sua corte, e sem ela ficaria sozinho, entregue durante toda a época das invasões a perigos e misérias de toda espécie.

Para viver, era preciso enfrentar, agrupar-se. E que grupo valeria mais que uma família resolutamente unida?


(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)




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