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Preconceitos e anacronismos obscurecem a verdade sobre a Idade Média

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Catedral de Bristol
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Continuação do post anterior: A Idade Média: era histórica mal conhecida por causa de preconceitos


5. Até aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissão aos documentos, alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa.

De fato, a realidade histórica sempre se revela mais densa, complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros.

Frisar a exigência de fidelidade às fontes, no entanto, não quer dizer que o ofício do historiador seja meramente passivo ou receptivo.


Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem. Muitas vezes, o material analisado parece bem pouco eloquente; a quantidade e a qualidade das informações que serão extraídas dele dependem da habilidade do historiador ao questioná-lo.

A pesquisa não se resume à compilação de informações que os documentos já fornecem “prontas”: compete ao estudioso abordá-los adequadamente e formular hipóteses explicativas para os dados observados.

Sendo assim, a documentação histórica pode ser considerada uma fonte inesgotável de conhecimentos, pois sempre poderá revelar aspectos até então ignorados se submetida a novas interrogações.

É preciso observar, contudo, que o questionamento das fontes é uma habilidade que deve ser desenvolvida, pois atualmente se cultiva mais a dúvida sistemática (que termina por imobilizar a inteligência) do que a atenção genuína aos porquês últimos da realidade.

É justamente por ter formulado interrogações que ainda não haviam sido feitas, alargando os horizontes da pesquisa histórica, que a obra de certos medievalistas têm conquistado relevância crescente.

Um dos precursores desta renovação foi Johan Huizinga, que — há 70 anos, quando a pesquisa histórica se limitava a temas políticos e econômicos — procurou descrever os ideais, os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval, numa obra que continua estimulante ainda hoje(10).

Prof. Georges Duby
Estava aberto o caminho para a “nova história”, escola à qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby.

6. Se o resultado da análise é condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso, conclui-se que a investigação histórica será sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador.

Os documentos históricos são “testemunhos da experiência de homens do passado”; como tais, solicitam que também a experiência humana de quem os lê entre em jogo para serem compreendidos(11).

Quanto mais atento e curioso for o pesquisador, mais fecunda será portanto sua investigação: “o valor do conhecimento histórico é diretamente função da riqueza interior, da abertura de espírito, da magnanimidade de quem o elaborou. (...) O historiador deve ser também, primeiro que tudo, um homem plenamente homem, aberto a tudo o que é humano”(12).

E não poderia ser de outra forma: o historiador, em particular o medievalista, lida com elementos que, embora cronologicamente distantes, dizem algo a respeito de sua própria pessoa e da sociedade na qual ele vive.

A pesquisa histórica pode ser descrita, portanto, como um encontro. Neste encontro com o outro reconheceremos, para além das diferenças, uma série de afinidades, graças às quais é possível estabelecer um diálogo com o passado.

Com efeito, “é nesta tensão entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existência, num século em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas referências fundamentais”.

Por isso, a história se escreve “apoiando-se ao mesmo tempo na presença da memória do passado e na compreensão da distância que existe entre esse passado e o presente”(13).

Exemplar, neste sentido, é a reflexão de Régine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher, temas que estão no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14).



Continua no próximo post: Retomada dos estudos sobre a Idade Média: vitória da verdade histórica


(Autor: Raúl Cesar Gouveia Fernandes, M. Sc. Letras FFLCHUSP - Prof. Filosofia FEI, “Reflexões sobre o Estudo da Idade Média”). 





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