Carlos Magno, alma do renascimento da cultura e introdutor da alfabetização popular |
Continuação da uma Epístola de Carlos Magno endereçada a Baugulgum, abade de Fuldens:
“Está escrito (quer dizer, está escrito no Antigo Testamento ou no Novo Testamento): “Tu serás justificado ou condenado por tuas palavras”. Se bem seja muito melhor agir bem do que ser sábio, entretanto é preciso saber antes de agir.
“Que cada um compreenda tanto mais a vastidão de seus deveres quanto mais a sua língua se entregue sem erro aos louvores de Deus”.
Ele diz que sem dúvida é preciso agir bem, e é melhor agir bem do que saber muitas coisas.
Mas a gente nunca age bem quando previamente não sabe bem as coisas. E a gente sabe melhor as coisas quando foi ensinado por alguém que se exprime bem.
Então, uma razão a mais para que os bispos e os abades ensinem e promovam a cultura. Isso é o fundo do pensamento dele.
“Pois se todos os homens devem evitar o erro voluntário, quanto mais devem evitar esse erro aqueles que estão ao serviço da verdade”.
Quer dizer, aqueles que estão ao serviço da verdade não devem falar palavras erradas, porque então não ensinam a verdade.
“Ah, nós recebemos de vários mosteiros cartas contando que os monges rezam para nós. Mas nessas cartas nós encontramos um senso reto, mas um modo de exprimir-se inculto.
“Aquilo que uma sincera devoção ditava fielmente ao pensamento, uma linguagem inexperiente não podia exprimir para terceiros, por causa da negligência que houve nos estudos nos mosteiros”.
Os senhores estão vendo a mente larga de um Carlos verdadeiramente Magno.
Ele recebe missivas dizendo que estão rezando pelo Imperador tão bem amado, etc., etc., mas num francês pernibambo.
Ele deduz: vocês devem estar com os estudos ruins. E eu não me contento de boas intenções expressas em mau francês. Vocês agora vão aprender francês direito.
É um homem que faz as coisas que tem que fazer.
“E assim nós ficamos com medo não só de que haja vários que saibam mal francês, mas também os vários que interpretam mal as Escrituras”.
É claro. Porque o sujeito que se exprime mal, dá as Escrituras para ele, ele interpreta de modo tonto.
Ora, se os erros de linguagem são perigosos, são muito mais perigosos os modos de entender errados.
Um erro de linguagem vai introduzir o modo de entender errado da Bíblia.
“É por isso que nós nos exortamos não somente a não negligenciar os estudos, mas ainda com uma humilde intenção abençoada de Deus, a rivalizar de zelo uns com os outros para ensiná-los, a fim de que vós possais, por esta forma, penetrar mais facilmente o mistério das Escrituras.
“Ora, como há nos livros Sagrados figuras, e analogias e outros ornatos do mesmo gênero, não é duvidoso para ninguém que cada um lendo-os, apanhe o sentido figurativo tanto melhor quanto ele for um homem culto.
“É preciso acolher para este ministério, homens que tenham vontade, o poder de aprender e o desejo de ensinar os outros. Que isso seja feito, entretanto, só com intenção piedosa, que as nossas ordens inspiram.
“Não negligencieis de enviar cópia dessa carta a todos os bispos vossos sufragâneos e todos os mosteiros que vós quereis gozar de nossa boa graça”.
Quer dizer, se não for mandado, olho severo do Imperador. Agora, tratem de trabalhar.
O pensamento que ele desenvolve aqui é muito bonito. A Escritura tem uma porção de metáforas, diz ele. A pessoa só pode compreender as metáforas se for uma pessoa culta.
Por exemplo, um Salmo diz “eu estou posto num pântano, num limbo profundo, para o qual não há base”.
Se o indivíduo vai entender isso ao pé da letra é um tonto que se deixou arrastar num pantanal.
Mas isso tem alto sentido espiritual. É que os vícios do homem são como que um limo, um pântano, um charco que não tem fundo. O sujeito procura um limite para seu próprio vício e não encontra porque o vício convida sempre a demasias maiores.
Outro diz: “eu me encontro como o pardal solitário abandonado de todos no alto da casa”. Não quer dizer que o salmista estivesse sentado na cumeeira da casa, como um pardal, como interpretaria um pastor protestante.
É, na realidade, uma imagem do justo amado por Deus e abandonado pelos homens.
Ele está fora do convívio humano porque é bom e os ímpios não gostam dele. Então ele pede então o auxílio de Deus.
Essas aplicações supõem um mínimo de cultura, monges bem intencionados que explicam porem se são incultos não podem servir para pregar bem.
De onde, então, o desejo de Carlos Magno. É muito bonito nesta carta uma certa majestade no mandar, que nos dá bem a ideia da grandeza de Carlos Magno.
Quer dizer, é uma dessas grandezas naturais, por onde a ordem partida dele é tão razoável, vem de uma autoridade tão afeita a mandar o bem e tão superior, que é incontrastável.
Então quase não se concebe que ele não seja obedecido com uma obediência cheia de respeito e contentamento.
(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de conferência pronunciada em 6/1/73. Sem revisão do autor)