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O caráter familiar da sociedade e da estrutura da Igreja medievais

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Casimiro III, o Grande, rei da Polônia.  Uniu o país e amou seu povo como um pai ama seu filho.
Casimiro III, o Grande, rei da Polônia.
Uniu o país e amou seu povo como um pai ama seu filho.
Todas as relações que constituem a vida da nação – sociais, políticas, culturais, profissionais, trabalhistas, etc. – na Idade Média estavam impregnadas de caráter familiar.

As relações do senhor com o vassalo, ou as relações entre o mestre (patrão) e o aprendiz nas corporações de ofícios, por exemplo, uma nota característica da sociedade medieval foi a existência dos imponderáveis próprios da vida familiar.

Compreendendo o caráter familiar da sociedade medieval é fácil o mais rico da vida de toda aquela época.

O mais pobre, primeiro e elementar dos observadores ou dos sociólogos reconhece que as relações familiares se compõem de relações entre esposo e esposa, de pais com filhos, de irmãos e irmãos. Não há outro conteúdo nas relações familiares.

Ora, na vida medieval, essas relações de esposo e esposa, pai e filho, irmão e irmão, na Idade Média eram também usadas correntemente para descrever o modo de viver de todas as relações medievais.

Isto é completamente diferente do modo que acontecia nas sociedades pagãs, anteriores, e do que acontece nas sociedades modernas.

Por exemplo, o bispo se dizia e agia como esposo de sua diocese, e a diocese era a esposa mística do bispo.

De onde muitos bispos antigos tinham a ideia de que não podiam ser transferidos de sua diocese.

O motivo era que uma vez que o esposo casa com a esposa, deve ser um marido fiel e não se compreende o divórcio.

Os medievais não compreendiam que ele abandonasse sua diocese e fosse transferido para outra.

Por causa dessa noção de desponsório místico do bispo com sua diocese, não vivia apenas como gerente de um patrimônio espiritual, que devia cuidar de fazer render, mas ele era verdadeiramente esposo até a morte.

Dom Jean Tissendier, bispo de Rieux.  Musée des Augustins, Toulouse, França.
Dom Jean Tissendier, bispo de Rieux.
Musée des Augustins, Toulouse, França.
Quer dizer, o bispo passava a ser um mesmo corpo com a diocese. Portanto, tinha uma integração muito maior com ela do que a simples integração de um gerente com aquilo que ele dirige. Isto ia tão longe que chegava em certos casos a um exagero.

Também encontramos muito frequentemente nos tratadistas medievais a noção de que o rei é o esposo do reino e que ele está para o reino como o esposo está para a esposa.

Isto tinha uma expressão simbólica numa das cerimônias mais tocantes da Idade Média – cerimônia que durou até a Revolução Francesa – que era o famoso desponsório do doge de Veneza com o mar.

Veneza era a rainha do Adriático e todos os anos o doge de Veneza celebrava essas núpcias com o mar por esta forma: constituía-se um cortejo brilhante de gôndolas, todas elas enfeitadas e floridas, no esplendor e colorido do mar de Veneza e iam até a entrada da laguna.

Aí o doge, com seus trajes luxuosíssimos, no meio do fausto da aristocracia veneziana, jogava no mar um anel finamente trabalhado que era para ser devorado pelas entranhas do mar.

O gesto simbolizava o casamento de Veneza com o mar, e o casamento do doge com Veneza. Tal vez com alguma reminiscência pagã, mas um gesto muito bonito e muito artístico.

O que há de diferente com um político ou um gerente de um país ou de uma grande empresa.

O gerente da grande empresa se é muito bom, cumpre seu contrato. Ele foi contratado para trabalhar tantas horas por dia, quando acaba, ele fecha seu escritório, toma a chave e vai embora. A ninguém lhe ocorre dizer que ele é esposo da empresa.

Fora das horas de trabalho, ele não pensa nela, não vive para ela, não é dela.

Por que um doge era esposo de Veneza?

É porque ele estava ligado inteiro: Veneza era para ele, ele era para Veneza, não era um funcionário, mas o esposo que dava tudo: a vida, o repouso, a saúde, por ela.

O contrário desse espírito de família é o de mercenário.

Réplica hodierna do 'Bucentauro', nave usada pelos doges de Veneza para o 'desposório' com o mar.
Réplica hodierna do 'Bucentauro', nave usada pelos doges de Veneza para o 'desposório' com o mar.
O bom rei no estilo pagão era, por exemplo, um imperador romano bom que corresponde à boa ordem do direito natural, e de quem os romanos tinham uma boa noção.

Ele dirigia a coisa pública com dedicação e competência. No mais, ele tinha a sua vida particular, que era diferente e onde ele fazia o que bem entendia.

Não era esta a situação de um rei, ou de um nobre, medieval em relação ao seu povo.

Ele se considerava o pai de seus súditos, ele não era um mero funcionário para gerir os negócios dos súditos, mas era um homem que tinha feito a imolação de sua vida a favor deles, como um bom pai se imola pelos filhos.

Seu dever consistia em ser o homem que dirige para fazer bem, para se dedicar, para se sacrificar, não num certo limite, mas num limite que transpõe os limites comuns e chega até o ponto do pai. Não podemos imaginar um pai que não seja assim.

Uma boa empregada, por exemplo, pode chegar até a patroa e dizer:

– “Senhora, acabei meu serviço. O dia hoje é meu”.

A patroa pode dizer:

– “Mas a coitadinha está com dor de garganta”.

– “Isto é com a senhora, meu contrato está pronto”.

Ninguém a teria em conta de empregada infame, mas de mulher sagaz que sabe defender seus direitos.

Porém, uma mãe nunca diria: “meu filho está doente e sozinho em casa, já cumpri minha tabela de horas e eu não tenho por que ficar cuidando dele”.

Seria absurdo, porque a mãe é toda do filho. Não pertence a si mesma. Assim também o rei em relação ao seu reino. Um rei católico tem de ir até o fim, até a dedicação mais completa.

E o súbdito em relação ao rei tinha uma atitude filial, que é a recíproca da imolação paterna. Ele sendo filho, tem dedicação e confiança.

Na França, todo súdito francês estava certo da existência, em Paris, centro de gravidade do reino, de um homem que era pai de todo o mundo e que era o rei. O exemplo de São Luís IX é muito citado nesse sentido

O rei Carlos V da França abraça o imperador Carlos IV  como se fossem irmãos
O rei Carlos V da França abraça o imperador Carlos IV
como se fossem irmãos. Grandes Chroniques de France.
E assim como uma criança está tranquila em casa porque o pai cuida da casa, embora ela não o veja, assim também os franceses de todas as regiões se sentiam seguros porque o rei estava em Paris.

Quando a Revolução Francesa suprimiu a autoridade do rei o francês passou a se sentir como alguém sem pai. Tudo ficou abalado, nada teve mais estabilidade.

O resultado foi uma sensação de orfandade.

Alguns políticos e escritores atuais descreveram a França como um corpo que não tem cabeça, porque a Revolução cortou na guilhotina, e por isso os governos e as formas de República não se estabilizam e caem.

Uma coisa é positiva: nenhum homem moderno pode pensar no seu chefe de Estado e dizer: “Meu pai como ele é bom!”

Um funcionário pode ser ótimo funcionário, mas é um mercenário. O pai é qualquer coisa de completamente diferente.

Aqui está a índole familiar do governo. De onde, aquele adágio tantas vezes mencionado pelos historiadores da França:

“O pai é o rei de seus filhos e o rei é o pai de todos os pais”.

Isso era um resultado da instituição familiar penetrando todas as fibras de uma nação.

Os monarcas do tempo da Cristandade se tratavam de “irmãos”. Os reis de Portugal até tratavam de “meu primo” aos régulos africanos apenas conhecidos pelos navegadores.

Uma carta entre reis católicos começava: “Senhor meu irmão”, e depois o resto. Qual a razão disto?

Exatamente a atmosfera fraterna proveniente das relações de família e impregnando as relações de Estado a Estado.

Cada rei era um pai, todos os povos cristãos eram povos irmãos, os reis eram irmãos entre si.




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