Santa Joana d'Arco na fogueira, últimos momentos |
continuação do post anterior: Juízes venais, filosoficamente igualitários, condenam a santa
A Donzela na fogueira
Na segunda-feira, 28 de maio, a santa foi imediatamente conduzida ao tribunal, que formalizou sua condenação final. Dois dias depois, por volta das 9 da manhã, ela foi levada ao local da execução: a Praça do Velho Mercado.
Num estrado estavam os chefes do tribunal – D. Pierre Cauchon, bispo de Beauvais, o juiz Fr. Jean Lemaître O.P., Enrique de Beaufort, cardeal da Inglaterra e os bispos de Thérouanne e de Noyon. O escrevente Guillaume Manchon registrou que
“Joana foi conduzida ao suplício por uma grande escolta de soldados, por volta de 80, armados de espadas e varas. Na praça havia uma formação de 700 a 800 soldados. Eles rodeavam tão estreitamente a Joana que ninguém tinha coragem de lhe falar, com exceção de frei Ladvenu [o confessor] e [o escrevente] mestre Jean Massieu. Eu vi como a subiam à pira”.
Ato contínuo foi lido o acórdão final:
“Essa mulher, obstinada em seus erros, jamais desistiu sinceramente de suas temeridades e crimes infames. E, indo ainda muito mais longe, mostrou-se evidentemente mais condenável pela malícia diabólica de sua obstinação, fingindo uma contrição falaciosa e uma penitência e emenda hipócritas com perjúrio do santo nome de Deus e blasfêmia de sua inefável majestade. Posto que ela se mostrou obstinada, incorrigível, herética e relapsa – indigna de todo o perdão e da comunhão que nós lhe tínhamos oferecido misericordiosamente na nossa primeira sentença, tudo isso considerado, por resolução e conselho dos numerosos consultores, nós chegamos a nossa sentença definitiva, nestes termos: [...]
Santa Joana d'Arco levada à fogueira do crime iniquo
“Nós, juízes competentes neste caso, declaramos que tu, Joana, vulgarmente chamada de a Donzela, caíste em diversos erros e crimes de cisma, idolatria, invocação de demônios e muitos outros delitos. [...] nós te declaramos reincidente nas sentenças de excomunhão em que tu primitivamente incorreste, relapsa e herética, e com este acórdão nós te denunciamos e te declaramos membro apodrecido que deve ser amputado e jogado fora do corpo da Igreja para que não infecciones outros membros. Com a Igreja, nós te repelimos, cortamos e abandonamos ao poder secular, rogando a este poder que modere sua sentença sobre ti na hora da morte e da mutilação dos membros...” etc.
A terrível e emocionante execução
Após ouvir pacientemente a condenação, a virgem elevou orações e lamentações tão piedosas que até juízes, bispos e muitos presentes custavam a conter as lágrimas.
Ela encomendou sua alma a Deus, a Nossa Senhora e a todos os santos, pediu perdão pelos juízes e pelos ingleses, pelo rei da França e por todos os príncipes do reino.
Frei Jean Toutmouillé atestou que, voltando-se em direção de D. Cauchon, a santa lhe disse: “Bispo, eu morro por vossa causa”. Ao que, insensível, o prelado revidou: “Joana, tenha paciência, você morre porque não cumpriu o compromisso e você reincidiu em seu primeiro malefício”.– “Eu apelo contra ti na presença de Deus”, foram as últimas palavras desse diálogo.
Santa Joana d'Arco: estatua na casa natal em Domremy-la-Pucelle
A pedido da santa, frei Isambard de la Pierre, O.P. segurava uma cruz, pois ela queria ver o símbolo de Jesus até o último instante de sua vida.
“No meio das chamas, contou o frade, ela não parava de invocar em altas vozes o nome de Jesus, implorando a misericórdia e o auxílio dos santos do Paraíso. Ela afirmava que não era nem herética, nem cismática como dizia o acórdão. Com o fogo ardendo, ela inclinou a cabeça e, antes de render o espírito, pronunciou ainda com força o nome de Jesus. O público chorava”.
O Journal de Paris escreveu na época que quando as roupas daquela santa e puríssima virgem se queimaram inteiramente, o carrasco diminuiu o fogo para que o povo a pudesse ver na sua nudez. E após já morta olharem-na à vontade, o carrasco voltou a atiçar o fogo até reduzir seu corpo a cinzas.
Um soldado inglês que a odiava mortalmente jurou jogar um facho de lenha na sua pira, quando ouviu a voz de Joana clamando por Jesus. Ficou então paralisado, como atingido por um raio, e seus colegas o levaram a uma taverna para acordá-lo.
À tarde, arrependido ele acorreu aos padres dominicanos, dizendo-lhes que havia pecado gravemente, e acrescentando que, na hora da morte da Donzela, ele julgou ter visto uma pomba branca saindo dela e partindo em direção da França.
“No mesmo dia – acrescentou Frei Isambard – o carrasco veio até o convento para procurar a frei Martin Ladvenu e a mim. Ele estava tocado e muito emocionado, com espantoso arrependimento e angustiada contrição. Tomado pelo desespero, ele temia nunca obter o perdão e a indulgência de Deus pelo fato de ter feito isso a uma santa mulher. ‘Eu temo muito estar condenado – dizia para nós – porque eu queimei uma santa’.
“Esse mesmo carrasco dizia e afirmava que não obstante o óleo, o enxofre e o carvão que ele aplicou sobre as entranhas e o coração de Joana, não conseguiu que fossem consumidos e reduzidos a cinzas. Ele estava muito perplexo, como se fosse um evidente milagre”, depôs ainda frei Isambard.
continua no próximo post: O grande retorno da heroína santa