Juramento durante a cerimônia de 'adoubement'. |
Luis Dufaur Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A perfeição do cerimonial de ingresso na cavalaria foi atingida com o adoubement litúrgico, que é um sacramental. Era feito de acordo com uma rubrica do Pontifical Romano, que contém a cerimônia da criação do novo cavaleiro logo depois da cerimônia da bênção e coroação do rei.
Como a Igreja é amiga da tradição, até hoje os Pontificais Romanos imprimem essa rubrica, exatamente como no século X, quando surgiu a maior parte dessas orações.
Começava a cerimônia com a vigília de armas. O rapaz passava a noite na igreja, diante do Santíssimo Sacramento, ajoelhado ou de pé. Não podia sentar-se.
Ali ele rezava, pedindo a graça de que necessitava para cumprir a altíssima missão que lhe ia ser confiada. Na manhã seguinte, na catedral, vinha o bispo, com todo o esplendor e respeito de que se cercava um bispo na Idade Média, e celebrava o pontifical com todo o esplendor da liturgia romana.
Depois, ainda revestido dos paramentos sagrados, ele se sentava no meio do altar, no consistório, e o recipiendário se aproximava. Primeiro ele fazia a bênção da espada, com alguém genuflexo segurando a espada nua.
Sentado, o bispo benze a espada, pronunciando uma oração em que pede que aquele recipiendário seja o defensor da Igreja, das viúvas, dos órfãos e de todos os servidores de Deus, contra a crueldade dos pagãos e hereges, e seja temor e pavor para todos aqueles que lhe armem insídias: “Que esse teu servo calque aos pés os inimigos visíveis”.
Mais adiante o bispo diz:
“Bendito Senhor meu Deus, que ensinais minhas mãos para a luta e meus dedos para a guerra, que permitistes aos homens o uso da espada para coerção da malícia dos réprobos e proteção da justiça, e quisestes instituir a Ordem da Cavalaria para a proteção do povo, concedei a esse vosso servo forças e audácia para a defesa da fé e da justiça, e dai-lhe o aumento da fé, esperança e caridade; dai-lhe o temor e igualmente o amor a Vós, humildade, perseverança, obediência e boa paciência.
“E que não fira ninguém injustamente com essa ou outra espada, e com ela defenda as coisas justas e retas e se revista do homem novo”. A Igreja assim oferece ao barão feudal um ideal de santidade, pois revestir-se do homem novo é expressão consagrada para exprimir a santificação.
Depois, sentado, ele põe a mitra, o recipiendário se ajoelha diante dele e o bispo entrega-lhe a espada:
“Recebe essa espada em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, e usa-a para tua defesa e defesa da Igreja de Deus e para confusão dos inimigos da Cruz de Cristo e da Fé Cristã”.
Cavaleiros sendo cingidos com a espada. |
O cavaleiro então levanta-se e desembainha a espada. A rubrica determina que ele virilmente agite três vezes a espada sobre a cabeça, e depois limpe-a no braço esquerdo.
Até na Igreja ele representa simbolicamente a luta contra os inimigos de Deus, representando os três golpes e limpando a espada no braço, como se ela estivesse tinta de sangue.
Isso é da liturgia romana, e a própria liturgia manda que ele sacuda a espada três vezes e a limpe, como se tivesse sangue.
Depois disso ele recoloca a espada na bainha, e vem então o ósculo da paz. O bispo e o recipiendário trocam o ósculo da paz, e o bispo diz: “A paz seja contigo”.
Depois o bispo toma novamente a espada desembainhada e bate três vezes sobre o ombro do cavaleiro, dizendo uma fórmula simples e maravilhosa: “Sê um cavaleiro pacífico, intrépido, fiel e devotado a Deus”.
Depois ele repõe na bainha a espada e dá uma leve pancada no rosto do recipiendário, dizendo: “Levanta-te do sono da maldade e vela na Fé de Cristo, numa reputação digna de louvor”.
O cavaleiro então se levanta e beija a mão do bispo. O Pontifical termina dizendo: “E vai em paz”. É verdadeiramente uma delicadeza da liturgia, pois acaba de armar um cavaleiro, um militar, e termina dizendo: “Vai em paz”.
Sacerdote da a Comunhão a cavaleiro que vai partir para a guerra, século XV |
Alguns preferiam ir a Roma para se fazerem armar, talvez com a esperança de serem armados pelo próprio Papa. Quando não era o Papa, era o deão de São Pedro.
Era na velha basílica de S. Pedro, a basílica de Constantino, que não havia ainda sido demolida para ser construída a atual por Michelangelo.
E lá, por autoridade dos apóstolos, o jovem era armado cavaleiro com um ritual um pouco diferente. Esse que nós vimos acabou prevalecendo, e por assim dizer é o que está ainda em uso hoje em dia, figurando no Pontifical.
O ritual que se seguia em Roma continha uma oração, que é talvez mais bonita do que essas do Pontifical Romano.
O consagrante dizia:
“Toma esta espada. Exerce com ela o vigor da justiça, abate com ela o poder da injustiça. Com ela defende a Igreja de Deus e seus fiéis. Com ela dispersa os inimigos de Cristo.
O que está por terra, ergue-o; o que tiveres erguido, conserva-o; o que é injusto aqui em baixo, abate-o; e o que é conforme a ordem, fortifica-o. É assim que, cheio de glória pelo triunfo das virtudes, cultor egrégio da justiça, merecerás reinar eternamente com Cristo, de quem levas o tipo”.
É impossível dar a um homem um programa de vida mais esplêndido, mais impressionante. É um ideal de santidade, uma missão nobilíssima, que propriamente é a missão de construir e conservar a civilização cristã.
A Igreja dava aos cavaleiros o mandato de exercer esse apostolado de espada na mão, destruindo o que não prestava e quem não prestava, mantendo e desenvolvendo aquilo que era bom.