Reconstituição da grande sala de uma casa de camponeses. Museu de Lourdes |
Luis Dufaur Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A solidariedade familiar, exprimindo-se se necessário pelo recurso às armas, resolvia então o difícil problema da segurança pessoal e a do domínio.
Em certas províncias, particularmente no norte da França, a habitação traduz esse sentimento da solidariedade.
O principal compartimento da casa é a sala, que congrega diante da sua vasta lareira a família. Nela se juntam para comer, para festejar os casamentos e os aniversários e para velar os mortos.
Corresponde ao hall dos costumes anglo-saxões, pois a Inglaterra teve na Idade Média costumes semelhantes aos nossos, aos quais permaneceu fiel em muitos pontos.
A esta comunidade de bens e de afeição é necessário um administrador, e naturalmente o pai de família desempenha este papel.
Mas a autoridade que ele desfruta é antes a de um gerente, em lugar de ser a de um chefe, absoluta e pessoal como no direito romano.
Numa casa de burgueses, todos bem alimentados, vestidos e aquecidos |
Proteger os seres fracos — mulheres, crianças, servos — que vivem debaixo do seu teto, assegurar a gestão do patrimônio, tal é o seu encargo, mas não é considerado o chefe definitivo da casa familiar nem o proprietário do domínio.
Embora desfrute os seus bens patrimoniais, tem apenas o seu usufruto. Tal como os recebeu dos antepassados, deve transmiti-los àqueles cujo nascimento designará para lhe sucederem.
O verdadeiro proprietário é a família, não o indivíduo.
Do mesmo modo, embora possua toda a autoridade necessária para as suas funções, o pai de família está longe de ter, sobre a mulher e os filhos, esse poder sem limites que lhe concedia o direito romano.
A mulher colabora na mainbournie, quer dizer, na administração da comunidade e na educação dos filhos.
Ele gere os bens próprios, porque o consideram mais apto do que ela para os fazer prosperar, coisa que não se consegue sem esforço e sem trabalho.
Mas quando ele tem de se ausentar, por uma razão qualquer, a mulher retoma essa gestão sem o mínimo obstáculo e sem autorização prévia.
Na casa dos nobres se privilegiava a cultura e os blasões |
Nenhum contrato pode opor-se a isto, as coisas passam-se naturalmente assim.
Em relação aos filhos, o pai é o guardião, o protetor e o mestre. A sua autoridade paterna cessa na maioridade, que adquirem muito jovens, quase sempre aos quatorze anos entre os plebeus.
Entre os nobres, a idade varia de quatorze a vinte anos, porque têm de fornecer para a defesa do feudo um serviço mais ativo, que exige forças e experiência.
Os reis da França eram considerados maiores com quatorze ou quinze anos, e sabe-se que foi com esta idade que Filipe Augusto atacou à frente de suas tropas.
Uma vez maior, o jovem continua a gozar da proteção dos seus e da solidariedade familiar. Porém, diferentemente do que se passava em Roma, e consequentemente nos países de direito escrito, adquire plena liberdade de iniciativa e pode afastar-se, fundar uma família, administrar os seus próprios bens como entender.
Logo que é capaz de agir por si mesmo, nada entrava a sua atividade e ele torna-se senhor de si próprio, mantendo no entanto o apoio da família de que saiu.
É uma cena clássica dos romances de cavalaria ver os filhos da casa, logo que estão em idade de usar armas e de receber a investidura, deixar a residência paterna para correr o mundo ou ir servir o seu suserano.
(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)