Luis Dufaur Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A Idade Média é uma época em que triunfa o rito, em que tudo o que se realiza na consciência deve passar obrigatoriamente a ato.
Isto satisfaz uma necessidade profundamente humana: a do sinal corporal, à falta do qual a realidade fica imperfeita, inacabada, fraca.
O vassalo presta “fidelidade e homenagem” ao seu senhor.
Fica na sua frente de joelhos, com o cinturão desfeito, e coloca a mão na dele — gestos que significam o abandono, a confiança, a fidelidade.
Declara-se seu vassalo e confirma-lhe a dedicação da sua pessoa. Em troca, e para selar o pacto que doravante os liga, o suserano beija o vassalo na boca.
Este gesto implica mais e melhor que uma proteção geral, é um laço de afeição pessoal que deve reger as relações entre os dois homens. Segue-se a cerimônia do juramento, cuja importância não é demais sublinhar.
É preciso entender juramento no seu sentido etimológico de sacramentum, coisa sagrada. Jura-se sobre os Evangelhos, realizando assim um ato sagrado que compromete não só a honra, mas a fé, a pessoa inteira.
O valor do juramento é tão grande, e o perjúrio tão monstruoso, que não se hesita em manter a palavra dada em circunstâncias extremamente graves — por exemplo, para atestar as últimas vontades de um moribundo com o testemunho de uma ou duas pessoa.
Renegar um juramento representa na mentalidade medieval a pior das desonras.
Uma passagem de Joinville manifesta de maneira muito significativa que se trata de um excesso, porque um cavaleiro não pode decidir-se, mesmo que a sua vida esteja em jogo.
Quando do seu cativeiro, os drogomanos do sultão do Egito vieram oferecer a libertação a ele e aos companheiros, e perguntaram-lhe se daria para a sua libertação algum dos castelos que pertencem aos barões de além-mar.
O conde respondeu que não tinha poder, porque eles pertenciam ao imperador da Alemanha, ainda vivo.
Perguntaram se entregaríamos algum dos castelos do Templo ou do Hospital, para a nossa libertação.
E o conde respondeu que não podia ser, pois quando aí se nomeava um castelão, faziam-no jurar pelos santos que não entregaria castelo algum para libertação de corpo de homem.
E eles manifestaram que parecia não termos talento para nos libertarmos, e que se iriam embora e nos enviariam aqueles que nos lançariam espadas, como tinham feito aos outros (isto é, que os massacrariam como aos outros).
A cerimônia completa-se com a investidura solene do feudo, feita pelo senhor ao vassalo.
Confirma-lhe a posse desse feudo por um gesto de traditio, entregando-lhe geralmente uma vara ou um bastonete, símbolo do poder que deve exercer no domínio desse senhor.
É a investidura cum baculo vel virga, para empregar os termos jurídicos em uso na época.
Desse cerimonial, das tradições que ele supõe, decorre a elevada concepção que a Idade Média fazia da dignidade pessoal.
(Autor: Regine Pernoud, “Luz da Idade Média”. Ed. original: “Lumière du Moyen Âge”, Grasset, Paris, 1944)