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A Batalha de Hastings, marco na história inglesa com imponderável de Cruzada (1)

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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








No Ano do Senhor de 1066, perto da abadia de Hastings, Inglaterra, deu-se um dos acontecimentos que mais marcaram a história medieval. E que ainda continua marcando o presente. Veja fotos da re-encenação da batalha, e ainda mais AQUI.

Guilherme, o Conquistador, duque de Normandia, venceu o príncipe anglo-saxão Haroldo, tornando-se Rei da Inglaterra. Os leões da Normandia são até hoje símbolo da monarquia inglesa.

A luta pela sucessão após a morte do rei Santo Eduardo, o Confessor, fora difícil. Pelo costume inglês da época, o rei agonizante dava a conhecer o nome daquele que deveria lhe suceder. A escolha de Santo Eduardo era indubitável: o duque Guilherme. O rei doente o fez assim saber mais de uma vez.

Porém, Santo Eduardo veio a falecer enquanto Guilherme cuidava de seus feudos na sua Normandia natal, na França, do outro lado do Canal da Mancha.

Prevalecendo-se dessa ausência, o cobiçoso Haroldo declarou que o santo rei agonizante escolhera a ele, aduzindo o falso testemunho de alguns cúmplices.

Para o duque Guilherme a posse do trono inglês só poderia então ser feita pela força. Contudo, a travessia do Canal da Mancha por um exército se apresentava como arriscada demais. E Guilherme hesitou.

Não hesitou, entretanto, o Papa São Gregório VII , que via no duque da Normandia uma esperança para a Cristandade em perigo e uma esperança para comandar as Cruzadas para recuperar Terra Santa. O Santo Padre incitou-o a tomar o trono que lhe pertencia e, em sinal de apoio e legitimação, enviou-lhe o “estandarte de São Pedro”, sinal de que a Igreja estava com o duque normando.

Ficou para sempre gravada a partida de seu exército dos portos da França em navios que mais se assemelhavam aos dos vikings. Especialmente emocionante foi quando o vento enfunou as velas da nau ducal, pintadas com os leões deitados, hoje símbolo da coroa inglesa.

Reconstituição da nave do duque Guilherme. Museu de Bayeux, França.
O desembarque na ilha apresentava-se difícil. Descendo em grupos, os normandos bem poderiam ser aniquilados.

Porém, o acerto do operativo e a incúria dos ingleses permitiram aos guerreiros de Guilherme descer e se organizarem.

Haroldo os aguardava com seus homens e a batalha era tudo ou nada. Na noite anterior os ingleses entregaram-se à bebedeira, segundo velho costume pagão restaurado na decadência do catolicismo local.

Os normandos dedicaram-se à oração, à penitência e à assistência da Santa Missa. Ao amanhecer entoaram a Canção de Rolando e partiram ao combate.

Guilherme de Malmesbury (c. 1095/96 – c. 1143), o grande cronista da época, deixou um relato que é o ponto de referência para se compreender o histórico combate e que reproduzimos a seguir:

Ingleses se preparam para a batalha se embebedando

Os corajosos líderes prepararam-se para a batalha, cada qual segundo o seu costume nacional. Os ingleses passaram a noite em branco, bebendo e cantando, e de manhã lançaram-se sem demora contra o inimigo.

O príncipe Haroldo, Tapeçaria de Bayeux
Todos a pé, armados com machados de guerra, e protegendo-se com seus escudos, formaram um corpo impenetrável. Isso certamente teria garantido sua segurança naquele dia não fosse o fato de que os normandos, fingindo fugir, induziram-nos a abrir suas fileiras, que até aquele momento, segundo seu costume, tinham permanecido firmemente compactas.

O próprio Rei Haroldo ficou de pé com seus irmãos em torno ao estandarte, de maneira que compartilhando todos igual perigo, ninguém pensasse em recuar.

Normandos se preparam rezando e confessando seus pecados

Por outro lado, os normandos passaram toda a noite confessando seus pecados, e de manhã receberam a Comunhão do Corpo do Senhor.

A infantaria, com arcos e flechas, formou a vanguarda, enquanto a cavalaria, dividida em alas, foi colocada na retaguarda.

O duque, com semblante sereno, conclamou às armas declarando em alta voz alta que, como estava com a boa causa, Deus lhe seria favorável, e pediu suas armas.

Quando, devido à pressa, um de seus assistentes colocou sua cota de malha do lado errado, ele corrigiu o erro com um sorriso, dizendo: “O poder do meu ducado será transformado em reino”.

Normandos entoam a Canção de Roland e rezam a Deus

Começaram então a proclamar a Canção de Roland, a fim de que seu exemplo guerreiro estimulasse os soldados; e pedindo a ajuda de Deus, a batalha começou dos dois lados e travou-se com grande ardor, sem que nenhum lado cedesse terreno durante a maior parte do dia.

Vendo isso, Guilherme deu sinal às tropas para que, fingindo fugir, começassem a se retirar do campo. Com esse truque, a sólida falange dos ingleses abriu-se para perseguir o inimigo em fuga. E assim fazendo, condenou-se à repentina destruição.

Guilherme o Conquistador, William I of England.
Dando meia volta, os normandos os atacaram, obrigando-os a fugir. Enganados assim pelo estratagema, encontraram morte honrosa vingando-se contra o inimigo.

Muitas vezes os ingleses resistiam e matavam seus perseguidores nas cabeceiras. Tomando uma saliência do terreno, expulsaram os normandos, que no calor da perseguição lutavam até a encosta na direção do vale abaixo.

Lançando dardos e rolando pedras sobre eles, que se encontravam abaixo, os ingleses facilmente os destruíram.

Além disso, por uma pequena passagem com a qual estavam familiarizados, evitaram uma vala profunda e puseram os pés sobre uma tal multidão de inimigos que as pilhas de corpos nivelaram o desvão com a planície.

Esta alternância de vitórias e derrotas continuou enquanto Haroldo viveu para evitar a retirada. Mas, quando ele sucumbiu, com o cérebro perfurado por uma flecha, os ingleses fugiram sem parar até o cair da noite.

Na batalha, ambos os líderes se destacaram pela bravura

Haroldo, não contente com as funções de general, assumiu ansiosamente o lugar de soldado comum exortando aos outros.

Como estava sempre derrubando de perto o inimigo, ninguém podia aproximar-se dele impunemente, sob pena de serem o cavalo e o cavaleiro abatidos com um único golpe.

Guilherme o Conquistador, estátua equestre em Falaise, Normandia
Assim, foi longa a distância percorrida pela inimiga flecha mortal que o levou à morte.

Tendo um dos soldados ferido Haroldo na coxa enquanto este estava prostrado, Guilherme o verberou por essa vergonhosa ação e o expulsou do exército.

E, com sua voz e sua presença, entrou disposto igualmente a encorajar seus soldados, tendo sido dos primeiros a correr para o front do ataque grosso ao inimigo.

Guilherme estava em toda parte, feroz e furioso. Naquele dia perdeu três cavalos de escol, mortos debaixo dele.

O espírito destemido e o vigor do intrépido general, porém, insistia. Embora muitas vezes chamado de volta pelo protesto de sua guarda, ele persistiu no combate até que a noite se aproximou e o coroou com a vitória completa.

Sem dúvida a mão de Deus o protegeu, pois não obstante tantos dardos terem sido jogados contra ele, o inimigo não pôde derramar o seu sangue.

Este foi um dia decisivo para a Inglaterra.

(Original: William of Malmesbury (+ 1143?); “The Battle of Hastings, 1066”. O texto foi resumido em algumas partes para caber nos posts. Texto completo em: Medieval Sourcebook. From: James Harvey Robinson, ed., Readings in European History, 2 Vols. (Boston: Ginn & Co., 1904-06), Vol. I: From the Breaking up of the Roman Empire to the Protestant Revolt, pp. 224-229. Scanned in and modernized by Dr. Jerome S. Arkenberg, Dept. of History, California State - Fullerton).


continua no post: A Batalha de Hastings, marco na história inglesa com imponderável de Cruzada (2)


Gesta de Guilherme o Conquistador, Tapeçaria de Bayeux





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