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Channel: Idade Média * Glória da Idade Média
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O simbolismo do leão: Jesus Cristo; e da leoa: Nossa Senhora (1)

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Leão na catedral de Sessa, Itália
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







No site do prof. Ricardo da Costa, Professor Associado I de História e Filosofia Medieval da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e membro de numerosas academias, o leitor encontra artigos e documentos de grande valor para o conhecimento da Idade Média.

Os medievais tinham uma visão ao mesmo tempo muito prática e altamente simbólica da realidade. Eles partiam da observação material e se elevavam facilmente até as culminâncias da metafísica e da teologia como quem sobe e desce pelas ladeiras de uma colina florida.

Eis um exemplo tirado pelo prof. Costa de um Bestiário medieval. Os Bestiários são livros típicos da era medieval que alimentavam essa contemplação da ordem natural.

O exemplo expõe o simbolismo do leão e os ensinamentos que Deus pôs nesse animal visando a elevação do homem até a Sabedoria infinita:

“O que em grego se chama “leão” significa “rei” em francês. O leão, de várias formas, domina muitos animais. Por isso o leão é rei. Escutai agora suas propriedades.

“Tem a expressão ardente, o pescoço grosso e com juba; o peito, na frente, é quadrado, valente e agressivo, os quartos traseiros, delgados; tem um grande rabo e as patas lisas e ágeis próximas aos pés; os pés, grossos e cortados, têm unhas largas e curvadas.

“Quando tem fome, enfurecido, trata os animais como a esse asno que urra e fala. Escutai, pois, com toda a convicção, o significado disso.

Leão, Espanha. Metropolitan Museum of Art, New York
“O leão significa o Filho da Virgem Maria. É, sem dúvida alguma, o rei de todos os homens; por sua própria natureza, tem poder sobre todas as criaturas.

“Com atitude feroz e terrível vingança aparecerá aos judeus quando os julgar, pois eles obraram mal quando o cravaram na cruz, e devido a esta ação perversa não têm rei próprio.


“O peito quadrado representa a força divina; os quartos traseiros muito delgados mostram que Ele foi humano depois de divino; o rabo, a justiça que se fecha sobre nós; mediante a pata, que tem lisa, mostra que Deus é rápido, e que foi conveniente se entregar por nós; o pé, que tem cortado, mostra que Deus rodeará o mundo e o terá no punho; através das unhas, se entende a vingança contra os judeus, e pelo asno entendemos evidentemente aos judeus.


“O asno é estúpido por natureza, como diz a Escritura, e não sairá de seu caminho a menos que o arranquem dali.

“A mesma natureza têm os judeus, que são uns néscios: não creem em Deus, a não ser pela força; não se converterão, a menos que Deus lhes dê essa mercê. Escutai agora outra natureza, segundo o texto sagrado.

“Quando o leão quer caçar e comer uma presa, traça um círculo no solo com seu rabo, como está comprovado; sempre que quer apanhar uma vítima, deixa uma abertura que sirva de entrada aos animais que deseja e que quer converter em sua presa.

“Tal é sua natureza que não haverá besta alguma que possa ultrapassar seu limite, nem ir além. Isto é o que mostra a ilustração [N.T.: remete às iluminuras do bestiário], e tem um sentido figurado.

“O rabo, conforme indica o texto sagrado, é a justiça que pende sobre nós; pelo círculo, temos que entender naturalmente o Paraíso, e a brecha é a entrada disposta para nós, se fazemos o bem e abandonamos o mal; e nós somos representados pelas bestas, naturalmente.

“Quando o leão está enfurecido, golpeia com suas patas, pisoteia a terra quando se encontra desgostoso, e esta propriedade está refletida pelo desenho.

Através do leão entendemos a Jesus Cristo, e nós somos sua terra em figura humana. Então, quando nos castiga com alguma desgraça sem que tenhamos cometido maldade nem tenhamos má vontade, isto significa sua ira, e que o maltratamos de alguma maneira.

Leão de Bestiario medieval.
Quando não se porta com as gentes conforme todos os seus desejos e se veem encarcerados ou com enfermidades, dizem então os infelizes que Deus não os ama em absoluto e que não merecem que os castigue assim; não sabem os afligidos que Deus não os castiga antecipadamente, que Deus põe em dificuldades a quem estaria menos atribulados se pudesse decidir e fazer o que quisesse.

“Mas Deus os acorrenta ao mal para que não cometam maldades.

“Deus ama muito a quem quer castigar; recordai, pois este é o significado.

“Também diz a Escritura que o leão tem a seguinte natureza: quando o homem o persegue, vai com o rabo apagando suas pegadas do solo enquanto foge, para que o caçador não saiba como encontrá-lo. Isto tem um grande sentido, e deveis recordá-lo.

“O leão, ao fugir, vai cobrindo suas pegadas: o rastro do leão representa a Encarnação que Deus quis tomar na terra para conquistar novas almas.

“E certamente o fez secretamente: se colocou nos degraus em que se encontrava cada ordem ‒ profetas, apóstolos ‒ até que chegou ao nosso, se converteu em homem de carne e osso, se fez mortal por nós e assim, segundo uma ordem aceitável, venceu o demônio.


Fonte: Philippe de Thaün. Le Bestiaire (ed. E. Walberg), H. Möller, Paris-Lund, 1900. In: MALAXEVERRÍA, Ignacio. Bestiario Medieval. Madrid: Ediciones Siruela, 2000. Esse é o mais antigo bestiário francês, escrito em versos de seis sílabas (3.194 versos), e segue com bastante fidelidade o texto latino do Physiologus (séc. III-V d.C.). Seu autor, de origem anglo-normanda, dedica sua obra a Aelis de Louvain, segunda esposa de Henrique I da Inglaterra (1100-1135), no manuscrito conservado em Londres; em outro exemplar, guardado em Oxford, a dedicatória é para Eleonor, esposa de Henrique II (1154-1189). Os manuscritos, ilustrados ou com vazios reservados para as iluminuras, contém prólogos em latim e indicações para o artista. Os 38 capítulos deste bestiário, editado por Walberg, estudam os quadrúpedes, as aves e as pedras (um pequeno lapidário), sucessivamente, e Philippe se refere a suas fontes como Physiologus, bestiaire, un livre de grammaire, Ysidre (Isidoro) e escripture. 





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O simbolismo do leão: Jesus Cristo; e da leoa: Nossa Senhora (2)

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Cristo é o Leão de Judá. Cristo em Majestade no Juízo Final.
Beato Angélico (1395 – 1455). Catedral de Orvieto, Itália
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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continuação do post anterior: O simbolismo do leão: Jesus Cristo; e da leoa: Nossa Senhora (2)



O demônio enganou o homem; Deus venceu o homem, que não o reconheceu, e depois ao diabo, mediante sua adequada virtude.

Se o demônio tivesse sabido que aquele homem mortal era Deus, não o havia conduzido à crucificação.

Assim Deus obrou habilmente, sem que o demônio se dessa conta; Deus se ocultou de nosso inimigo, que não soube que Deus era aquele homem até que o comprovou.

Deus se ocultou tanto que os anjos do céu que estavam no Paraíso não o reconheceram.

Por isso, quando voltou o Filho de Deus em majestade para o lugar de onde havia partido quando se encarnou por nós, perguntaram aos anjos que estavam com ele:

“‒ Quem é esse rei de glória que regressa com o triunfo?”

Os que estavam com Deus deram a seguinte resposta:

“‒ Este é o rei de glória que regressa com o triunfo.”

E os anjos que estavam no céu também perguntaram:

“‒ Por que carrega roupas de cor vermelha?”

Os anjos e Nosso Senhor responderam:

“‒ Pelo martírio que temos sofrido na terra para conquistar vossas almas.”

E assim entendemos, através das pegadas do leão, que Deus quis ocultar-se para enganar o demônio.

O leão teme o galo branco e o ruído dos carros em movimento, e tal é sua índole que dorme com os olhos abertos. E isso haveis de entender nas figuras que vês.

O galo branco significa os homens de vida virtuosa que anunciaram sua morte antes que Deus falecesse. Ele muito a temia, pois era homem, e o texto sagrado demonstra que o próprio Deus disse:

“‒ Pai, perdoa-Me pela morte que devo sofrer: que Tua vontade não se detenha por mim.”

Assim mostrou ser homem em sua morte. Tal e como o homem é alma e corpo, Cristo é Deus e homem.

E sabeis que Deus disse a São Pedro o seguinte: que lhe negaria três vezes antes que o galo cantasse. Em sua honra, o galo canta todas as horas, dia e noite, e nós, igualmente, cantamos a prima, a terça e meio-dia, e rezamos dia e noite para o Nosso Criador.

León, British Library, Royal MS 12 C xix, Folio 6r
Por isso, cantam os freires da matinas ao alvorecer: então Deus foi julgado, golpeado e atado; e ao sair o Sol os clérigos cantam a prima, pois então Deus ressuscitou e nos arrancou da morte.

E cantamos a terça, quando é a hora da terça, pois então Deus foi castigado e elevado na cruz.

E às doze, os clérigos cantam a hora do meio-dia: então se produziu a escuridão, quando foi morto na cruz; o Sol se escureceu e não deu luz devido à autêntica luz da dor que Deus sofreu devido à Sua humanidade, não à Sua divindade.

E falamos tudo isso lendo a Paixão; recorde-a, pois tem um profundo sentido.

Cantamos as nonas, porque a essa hora o espírito se retirou, tremeu a terra e se quebraram rochas de diversas formas. Recorde-o, pois tem um profundo sentido. E se cantam as vésperas ao entardecer, porque então Seu corpo autêntico foi encerrado no sepulcro.

Assim, ficam cumpridas as vésperas, que significa que Deus cumpriu tudo ao vencer o demônio; então veio silencium, que chamamos silêncio.

Começa o repouso, e então nos calamos e os diabos se movem, que sempre atuam de noite, quando deixamos de rezar eles se põem a deambular: pela noite, os demônios, que chamamos de negros, têm o poder de obrar, pois são filhos de Neron [N. T.: Satanás].

Por isso, quando chega o dia, eles fogem da luz e nós, com a claridade, louvamos o Criador, nos levantamos com o dia e recitamos nossas preces. Ouvi, graças ao magistério, o que significa o carro.

O carro designa, na verdade, os quatro filhos de Deus: Marcos, Mateus, sem dúvida, Lucas e São João, e o ruído significa a morte do Filho de Maria que eles anunciaram ao mundo, em virtude da qual as gentes ficavam redimidas: Jesus, por ser homem, tinha medo.

Nossa Senhora é a leoa, mãe do Leão de Judá.
Nossa Senhora dos Reis, Sevilha.
E sabeis outra atitude do leão: ele é de tal índole que dorme com os olhos abertos.

Sabeis que isto representa o Filho da Virgem Maria, enquanto velava em Sua morte, quando destruiu a morte mediante a morte, chamou o demônio à morte e disse que seria sua morte, sua destruição e nosso descanso.

E em Sua morte velou, quando encarcerou o demônio; mediante Sua morte, venceu a Satanás, nosso inimigo.

E mercê à morte do Senhor, nos foi dado repouso, e assim entendemos o sonho do leão.

Figuradamente, o leão também tem outra propriedade: no dia em que vê um homem a primeira vez, se põe a tremer; e podeis comprovar isso mirando essas ilustrações.

O temor do leão mostra razoavelmente que Deus se humilhou ao encarnar-Se em um homem, pois teve divindade primeiro que humanidade, assim como o homem é alma e corpo, do mesmo modo foi Deus e homem. E isso é suficiente a esse respeito. Escutai outra questão.

Sabeis que a leoa trás ao mundo seu filhote morto, e quando o tem, chega o leão, que tantas voltas dá em seu redor, rugindo, que no terceiro dia o filhote ressuscita. E esta propriedade mostra o sentido seguinte.

Sabeis que a leoa representa a Virgem Maria e o leãozinho a Cristo, que morreu pelos homens. Durante três dias jazeu na terra para conquistar nossas almas, segundo sua natureza humana, não segundo a divina. Igualmente obrou Jonas, que permaneceu dentro do peixe.


Entendemos pelo rugido do leão a virtude de Deus; mercê a ela, Cristo ressuscitou, arrancado do Inferno. Tal é o significado que não deveis esquecer. Na verdade, isto diz sobre a autoridade do leão.”

Fonte: Philippe de Thaün. Le Bestiaire (ed. E. Walberg), H. Möller, Paris-Lund, 1900. In: MALAXEVERRÍA, Ignacio. Bestiario Medieval. Madrid: Ediciones Siruela, 2000. Esse é o mais antigo bestiário francês, escrito em versos de seis sílabas (3.194 versos), e segue com bastante fidelidade o texto latino do Physiologus (séc. III-V d.C.). Seu autor, de origem anglo-normanda, dedica sua obra a Aelis de Louvain, segunda esposa de Henrique I da Inglaterra (1100-1135), no manuscrito conservado em Londres; em outro exemplar, guardado em Oxford, a dedicatória é para Eleonor, esposa de Henrique II (1154-1189). Os manuscritos, ilustrados ou com vazios reservados para as iluminuras, contém prólogos em latim e indicações para o artista. Os 38 capítulos deste bestiário, editado por Walberg, estudam os quadrúpedes, as aves e as pedras (um pequeno lapidário), sucessivamente, e Philippe se refere a suas fontes como Physiologus, bestiaire, un livre de grammaire, Ysidre (Isidoro) e escripture. 




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O mundo moderno redescobre a paz na Idade Média

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Casamento de Carlos IV e Maria de Luxemburgo. Grandes Chroniques de France. BNF.
Casamento de Carlos IV e Maria de Luxemburgo.
Grandes Chroniques de France. BNF.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Quase todos nós aprendemos na escola que a Idade Média foi uma época de mil anos de trevas e de fanatismo religioso, sem nada digno de ser mencionado nos séculos seguintes.

E não nos damos ao trabalho de estudar as obras, as instituições, a arquitetura, a vida de família e, sobretudo, a profunda religiosidade, que a tornaram insuperável.

Segundo o prestigioso jornal “Economist”, isso começa a mudar:

“Desde os ataques de 11 de setembro, a direita norte-americana desenvolveu um fascínio pela Idade Média e pela Renascença em particular, com a ideia do Ocidente como uma civilização que estava se defendendo de um desafio do Oriente.

“Essa tendência tem sido estimulada pela descoberta do movimento de suas contrapartes europeias que usavam imagens medievais e de cruzados desde o século XIX.”

Para o jornal, alguns exemplos disso são o frequente aparecimento e as ilustrações de cruzados revestidos de capacete e que bradam o grito de guerra Deus vult!

Diz ainda:

“Os jornais e sites contrários ao islamismo se nomeiam segundo o rei franco Charles Martel, que lutou contra exércitos muçulmanos no século VIII, ou a derrota otomana (levemente pós-medieval) em Viena”,

enquanto “milhões de outros [...] são atraídos pela era medieval, de que são testemunhos a popularidade de reconstituições renascentistas ou as fantasias medievais de inspiração, como Game of Thrones”.

Cortejo histórico em Pisa, Itália.
Cortejo histórico em Pisa, Itália.
A esse respeito, o também muito conceituado site do “National Catholic Register” publica uma entrevista com o especialista da Idade Média, Andrew Willard Jones.

Ele é professor de história da Igreja, teologia e doutrina social na Universidade Franciscana de Steubenville, Ohio. Em seu novo livro Diante da Igreja e do Estado: um estudo da ordem social no reino sacramental de São Luís IX, traz considerações acerca de verdades esquecidas e frequentemente negadas sobre a Idade Média, a qual foi chamada de “A doce primavera da Fé” por Montalembert.

Respondendo a uma pergunta sobre o que o levou a escrever seu livro, ele explica:

“Eu estava estudando o papado do século XIII. E fui inspirado pelo que estava lendo.

“Era todo um mundo que não havia sido ainda investigado [...]. Somos abençoados na história medieval.

“Eles [os medievais] tinham se avantajado nas operações de escrita de cartas.

“Havia cartas e manuscritos papais. [...] É um tesouro de registros da Corte, de registros monárquicos e de crônicas”.

Por isso, Jones afirma:

“A Idade Média tem um papel na história do mundo moderno. Nós tendemos a vê-la como um mundo obscuro, de dogma e opressão, pelo que só agora entendemos o que significa liberdade.”

O escritor faz então esta afirmação tantas vezes já repetida:

Castelo Sforza, Milão.
Castelo Sforza, Milão.
“A visão da Idade Média como um período sombrio vem de um ceticismo moderno muito anticatólico.”

Para evitar equívocos, ele esclarece:

“Eu não romantizo excessivamente a Idade Média como uma utopia.”

Mas vê a era medieval como a de uma civilização sacramental e cristianizada. Pelo que afirma:

“Nós somos tendentes a imaginar o catolicismo como vida privada. O catolicismo pede uma civilização da caridade. A Idade Média pode nos ajudar a ver isso de novo.”

Hoje em dia se fala muito em igualdade. É um dogma do mundo moderno. Jones explica:

“A modernidade tem uma noção específica de igualdade. Ela vê a desigualdade [entre as pessoas] como fonte inerente de conflito e competição.

“No cristianismo, as desigualdades levam à paz. Nós vemos diferenças na família: elas se manifestam na busca do bem comum”.

E ainda:

“Eu usei o exemplo de um pai e um filho, dizendo que eles alcançam o bem comum através de diferentes papéis.”

Quer dizer, as diferenças entre ambos os fazem se complementar e completar-se, o que é muito diferente do jargão esquerdista.

Palácio do Tau, onde os futuros reis da França se preparavam para sagração, Reims
Palácio do Tau, onde os futuros reis da França se preparavam para sagração, Reims
Jones afirma:

“No mundo moderno, se entende por paz fazer compromissos, enquanto na Idade Média a paz se obtinha pelo modo de lidar com as diferenças de maneira adequada e caridosa.

“Enquanto os modernos veem [as desigualdades como] uma violação dos direitos, na Idade Média elas consistiam em se restabelecer as diferenças de modo pacífico.

“O mundo moderno é cético. Os medievais não tinham cinismo em relação à doação mútua.

“Por exemplo, há [hoje em dia] conflitos entre pai e filhos, porque não são propriamente diferentes. A mesmice é uma fonte de conflito.

“Somente essa ideia seria proveitosa para a nossa sociedade meditar, quando considerarmos como a cultura popular se tornou infantilizada”.

O autor trata também em seu livro do tão difamado tema da Inquisição, abordando o tema da Inquisição Francesa do século XIII. Jones afirma:

“Há uma visão polêmica e anticatólica da Inquisição. Naquela época havia muito pouco interesse em saber o que as pessoas conservavam em suas mentes.

“O problema era se [na manifestação das ideias] havia rejeição da ordem social e se a heresia se tornava pública.

Pierrefonds sala da Caçada.
Pierrefonds sala da Caçada.
“Uma investigação poderia começar, não havia interesse em pegar ou enganar as pessoas.

“Na maioria das vezes, a penalidade era a correção.

“Temos nossa própria versão da Inquisição e da heresia com os mobs do Twitter”.

E conclui:

“Precisamos ampliar nossa imaginação. A tentativa moderna de um mundo sem Deus vai falhar. Haverá uma concepção cristã de ordem social, mas não o mesmo que a Idade Média [...].

“Meu livro visa afastar os leitores do mundo ao seu redor, e a procurar vê-lo a partir de um ponto de vista mais elevado [como foi o mundo medieval].

“Isso nos salva do desespero. As coisas mudam. A esperança é uma virtude. O bom e o verdadeiro vencerão”.

(Autor: Plinio Maria Solimeo, Blog da Família)




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São Gregório VII: 2ª sentença de excomunhão contra o imperador revoltado Henrique IV

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São Gregório VII
Luis Dufaur
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O imperador Henrique IV levantou-se contra o Papa São Gregório VII. O príncipe pretendia ter poder sobre o Papa com base em sofismas e uma capciosa interpretação das Escrituras.

Pretendia ainda, entre muitas coisas, ter poder para nomear bispos e destituí-los e até de depor o Sumo Pontífice.

São Gregório VII excomungou-o uma primeira vez. Sentido-se abandonado pelos seus, Henrique IV foi pedir a absolvição ao Papa que se encontrava a bom resguardo no castelo da condessa Matilde, na Toscana.

O imperador destituído passou três dias na neve, vestido de saco, implorando o perdão.

Porém, seu coração era falso e São Gregório VII percebia. A Corte pontifícia e até a própria condessa Matilde não perceberam e intercederam por ele. No fim, o santo Papa achou melhor suspender a excomunhão.

De volta, na Alemanha, o imperador recomeçou tudo. Em consequência, São Gregório VII renovou a condenação no Concílio Romano, em 7 de março de 1080.

Foi a segunda excomunhão formulada nos seguintes termos, onde brilha a santidade da Igreja e a heróica força de alma de um digno Vigário de Jesus Cristo:

Henrique IV pidiu perdão em Canosa. Não foi sincero.
“Ó São Pedro, chefe dos Apóstolos, e tu São Paulo, doutor das gentes, suplico-vos que presteis ouvidos e me escuteis com clemência; pois sois amantes discípulos da verdade, assisti-me para que eu Vos diga a verdade, limpa de qualquer mentira que Vós detestais, de maneira que meus irmãos melhor concordem comigo e saibam e compreendam que por confiança em Vós ‒ depois de Deus e de sua Mãe, Maria sempre Virgem ‒ eu resisto aos maus e aos iníquos...

“E posto que me ordenaste subir a um monte excelso para bradar em alta voz e apontar os pecados do povo de Deus as culpas dos filhos da Igreja, começaram a se insurgir contra mim os filhos do demônio, e premeditaram deitar a mão sobre mim até o sangue.

“Opuseram-se, com efeito, o rei da terra e os príncipes seculares e eclesiásticos, e ainda homens de corte e gente comum, uniram-se contra o Senhor e contra Vós, que sois seus ungidos, dizendo: ‘Rompamos seus grilhões e atiremos fora seu jugo’! E de mil maneiras tentaram lançar-se contra mim, para abater-me de vez com a morte ou com o exílio. (...)

“Confiante no juízo e na misericórdia de Deus e de sua Mãe piedosíssima, Maria sempre Virgem, e apoiando-me em vossa autoridade, excomungo e condeno ao anátema o mencionado Henrique, chamado rei, e a todos seus partidários.

Túmulo de São Gregório VII
“Pela segunda vez, nego-lhe, da parte de Deus onipotente e vossa, o reino da Alemanha e da Itália, e tiro-lhe todo poder e dignidade real; nenhum cristão lhe obedeça como a um rei; e desobrigo do juramento todos aqueles que lho fizeram ou lho farão relativamente ao reino. Em nenhum caso o mesmo Henrique com seus partidários possua forças e jamais em vida obtenha vitória. (...)

“Apreendam agora o rei e todos os príncipes temporais quão grande Vós sois, e quanto podeis. E tenham medo de considerar como coisa mesquinha a ordem de vossa Igreja.

“E executai logo a vossa sentença em relação ao dito Henrique, de modo que todos saibam que ele cairá, não por acaso, mas por vosso poder. Seja coberto de confusão até fazer penitência, para que deseje o céu e seu espírito seja salvo no dia do Senhor.”


(Fonte: CASPAR, Epistolae in usum scholarum, Monumenta Germaniae Historica, II, p.483).




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Confrarias de mestres e operários de um mesmo ofício: autonomia, proteção social e fé

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Na Europa, até hoje as antigas confrarias de ofícios e de bairros rememoram suas tradições. Foto em Florença, Itália.
Na Europa, até hoje as antigas confrarias de ofícios e de bairros
rememoram suas tradições. Foto em Florença, Itália.
Luis Dufaur
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A confraria (dos artesões de um ofício definido, p.ex.: alfaiates), que era de origem religiosa e existia mais ou menos por toda parte, era um centro de ajuda mútua.

Figuravam em primeiro plano as pensões concedidas aos mestres idosos ou já enfermos e os socorros aos doentes, durante todo o tempo da doença e da convalescença.

Era um sistema de seguros em que cada caso podia ser conhecido e examinado em particular, o que permitia dar o remédio apropriado a cada situação e ainda evitar os abusos.

Se o filho de um mestre é pobre e quer aprender, os homens de bem devem lhe ensinar por 5 soldos (taxa corporativa) e por suas esmolas — diz o estatuto dos fabricantes de escudos.

A corporação ajudava ainda no caso de seus membros precisarem viajar ou por ocasião do desemprego.

Thomas Deloney conta-nos este episódio interessante: Tom Dsum, sapateiro inglês em viagem, encontra-se com um jovem senhor arruinado, e se dispõe a acompanhá-lo a Londres:

Em Siena, Itália, as "contrade" ou bairros, revivem em esplendorosa festa suas glórias seculares. Os bairros estavam ligados a um artesanato ou profissão manual.
Em Siena, Itália, as "contrade" ou bairros,
revivem em esplendorosa festa suas glórias seculares.
Os bairros estavam ligados a uma profissão manual.
— Sou eu quem paga. Na próxima cidade nos divertiremos bastante.

— Como?! Pensava que você não tivesse mais que um soldo no bolso.

— Se você fosse sapateiro como eu, poderia viajar de um lado a outro da Inglaterra apenas com um penny (tostão) no bolso.

Em cada cidade acharia boa comida, boa cama e boa bebida, sem mesmo gastar seu penny.

Isto porque nenhum sapateiro deixará faltar alguma coisa a um dos seus.

Pelo nosso regulamento, se algum companheiro chegar a uma cidade sem dinheiro e sem pão, basta ele se dar a conhecer, não precisando se ocupar com outra coisa.

Os outros companheiros da cidade não somente o receberão bem, mas lhe fornecerão gratuitamente víveres e acomodações.

Se quiser trabalhar, sua corporação se encarregará de lhe arranjar um patrão, e ele não terá que procurá-lo”.

Esta curta passagem não necessita comentários.

Assim compreendidas, as corporações eram um centro muito vivo de ajuda mútua, honrando seu lema: “Todos por um, um por todos”.

Elas se glorificavam por suas obras de caridade. Os joalheiros obtiveram assim permissão para vender nas festas dos apóstolos, no domingo e nos feriados em geral.

Siena: as autoridades dos bairros
Siena: autoridades dos bairros, 'contrade', julgavam as pendências trabalhistas
Tudo o que o joalheiro ganhasse então era colocado na caixa da confraria, e do dinheiro desta caixa dava-se todo ano, no dia da Páscoa, um jantar aos pobres do Hospital de Paris.

Na maioria dos ofícios, os órfãos da corporação são educados às suas custas.

Tudo se passa numa atmosfera de concórdia e de alegria, da qual o trabalho moderno não pode dar uma idéia.

As corporações e confrarias tinham cada uma suas tradições, suas festas, seus ritos piedosos e cômicos, canções e insígnias.

Ainda segundo Thomas Deloney, para ser adotado como filho do “nobre ofício” um sapateiro deve saber “cantar, soar o corno, tocar flauta, martelar, combater com a espada e cantar seus instrumentos de trabalho em versos”.

Nas festas da cidade e nos cortejos solenes, as corporações expunham seus estandartes e ocupavam lugares de destaque. São pequenos mundos extraordinariamente vivos e ativos, que dão à cidade seu impulso e sua fisionomia original.
Em resumo, não se poderia melhor caracterizar a vida urbana na Idade Média do que citando o grande historiador das cidades medievais, Henri Pirenne:

O ofício dos falcoeiros era respeitado: trazia alimento pelo falcão
e limitava as espécies danosas pelos bons ofícios da ave.
A economia urbana é digna da arquitetura gótica, da qual é contemporânea. Ela criou uma legislação social inteira, mais completa que a de qualquer outra época, inclusive a nossa.

“Suprimindo os intermediários entre vendedor e comprador, ela assegurou aos burgueses o benefício da vida barata.

Impiedosamente perseguiu a fraude, protegeu o trabalhador contra a concorrência e a exploração, regulamentou seu trabalho e seu salário, velou por sua higiene, providenciou a aprendizagem, impediu o trabalho da mulher e da criança, ao mesmo tempo que conseguiu reservar para a cidade o monopólio de prover com produtos os campos circunvizinhos e encontrar ao longe escoadouros para o seu comércio”.

(Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)



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Origens históricas do feudalismo

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Carlos Magno
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No século IX, o grandioso Império Carolíngio ficou reduzido a escombros pelos desacordos entre seus descendentes e nobres.

Sobre essas ruínas lançaram-se em novas e devastadoras incursões os bárbaros, os normandos, os húngaros e os sarracenos.

Não podiam as populações, assim acometidas de todos os lados, resistir a tantas calamidades com o mero recurso ao já muito debilitado poder central dos reis.
 
Voltaram-se, muito naturalmente, para os respectivos proprietários de terras, em demanda de quem as comandasse e as governasse em tão calamitosa circunstância.

Acedendo ao pedido, os proprietários construíram fortificações para si e para os “seus”.

Normandos: re-encenação da batalha de Hastings
Com a designação “seus”, o espírito do tempo, profundamente cristão, incluía, paternalmente, não só os familiares, mas a chamada sociedade heril.

Essa era formada pelos empregados domésticos, trabalhadores manuais e respectivas famílias, que habitavam as terras do proprietário.

Para todos havia guarida, alimento, assistência religiosa e comando militar nessas fortificações.

Essas fortificações, com o tempo, se foram transformando nos altaneiros castelos senhoriais, de que restam hoje tantos exemplares.

E, no recinto desses castelos, cabiam por vezes até os bens móveis e o gado que cada família de camponeses conseguia subtrair assim à cupidez dos invasores.

Na reação militar, o proprietário rural e os seus familiares eram os primeiros combatentes.

O dever deles era comandar, estar na vanguarda, na perigosa direção das ofensivas mais arriscadas, das defensivas mais obstinadas.

À condição de proprietário somou-se assim a de chefe militar e de herói.

Muito naturalmente, todas essas circunstâncias revertiam, nos intervalos de paz, em poder político local sobre as terras circundantes.

Esse poder político fazia do proprietário um senhor, um Dominus no sentido pleno da palavra, com funções de legislador e juiz.

E, enquanto tal, um traço de união com o rei.




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Nobreza: privilégios honoríficos e práticos; ônus pesados e custosos

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Luis Dufaur
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A nobreza é uma classe privilegiada. Seus privilégios são, antes de mais nada, honoríficos: direitos de precedência, etc. Alguns decorrem de encargos que a nobreza possui.

Assim, apenas o nobre tem direito à espora, ao cinturão e ao estandarte, o que lembra que originalmente só os nobres tinham possibilidade de equipar um cavalo de guerra.

Ao lado disso ele goza de exceções, que no princípio eram comuns a todos os homens livres.

Tal é a exceção da “taille” (imposto sobre o vinho) e de certos impostos indiretos, cuja importância, nula na Idade Média, não cessou de crescer no século XVI, e sobretudo no século XVIII.

A nobreza possui direitos precisos e substanciais, que são todos aqueles decorrentes do direito de propriedade: direito de arrecadar as rendas, direito de caça e outros.

Os tributos e as rendas pagos pelos camponeses são apenas o aluguel da terra sobre a qual tiveram a permissão de se instalar, ou que seus ancestrais julgaram bom abandonar a um proprietário mais poderoso que eles mesmos.

Corvéia: trabalho obrigatório
Arrecadando suas rendas, os nobres estavam exatamente na condição de um proprietário de imóveis recebendo seus aluguéis.

A longínqua origem desse direito de propriedade se apagou pouco a pouco, e na época da Revolução Francesa o camponês se julgou o legítimo proprietário de uma terra da qual era locatário desde muitos séculos.

O mesmo aconteceu com relação a esse famoso direito de caça, que comumente é apontado como sendo um dos abusos mais berrantes de uma época de terror e de tirania.

O que de mais legítimo para um homem que aluga um terreno a um outro, do que reservar para si o direito de aí caçar?

Proprietário e arrendatários, ambos sabem a que ponto devem se ater, no momento em que estipulam obrigações recíprocas, e este é um aspecto essencial.

O senhor não deixa de estar sobre sua terra, quando caça perto da habitação de um camponês.

Do "Livro da Caça", de Gaston Phebus, conde de Foix.
Que alguns deles tenham abusado desse direito e “esmigalhado com o casco de seus cavalos colheitas douradas dos camponeses” — para exprimir-nos como os manuais de ensino primário — é coisa possível, ainda que impossível de confirmar.

Mas não se pode conceber que eles o tenham feito sistematicamente, pois boa parte das suas rendas eram resultantes de quotas nas colheitas, e portanto o senhor era diretamente interessado em que as colheitas fossem abundantes.

A questão é idêntica com relação às “banalidades”.

O forno ou a prensa senhorial são, em sua origem, comodidades oferecidas aos camponeses, em troca das quais era normal receber-se uma retribuição.

Tudo como atualmente se faz em certas comunas, ao alugar-se ao camponês uma debulhadeira ou outros instrumentos agrícolas.


(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)



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A vida familiar dominava a vida pública e não o inverso como hoje

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Colonização da Islândia e da Groenlândia
Luis Dufaur
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A importância dada à família traduz-se por uma preponderância, muito marcada na Idade Média, da vida privada sobre a vida pública.

Em Roma, um homem só tem valor enquanto exerce os seus direitos de cidadão, enquanto vota, delibera e participa nos negócios do Estado.

As lutas da plebe para obter o direito de ser representada por um tribuno são, a este nível, bastante significativas.

Na Idade Média, raramente se trata de negócios públicos. Ou melhor, estes tomam logo o aspecto de uma administração familiar, são contas de domínio, regulamentos de rendeiros e de proprietários.

Mesmo quando os burgueses reclamam direitos políticos, no momento da formação das comunas, é para poderem exercer livremente o seu ofício e não serem mais incomodados pelas portagens e pelos direitos de alfândega.

A atividade política, em si, não apresenta interesse para eles.

De resto, a vida rural é então infinitamente mais ativa que a vida urbana, e tanto numa como noutra é a família, não o indivíduo, que prevalece como unidade social.

Tal como se apresenta no século X, a sociedade assim compreendida tem como traço essencial a noção de solidariedade familiar saída dos costumes bárbaros, germânicos ou nórdicos.

A família é considerada como um corpo em cujos membros circula um mesmo sangue, ou como um mundo reduzido, desempenhando cada ser o seu papel com a consciência de fazer parte de um todo.

A união não repousa, como na antiguidade romana, sobre a concepção estatista da autoridade do seu chefe.

Repousa sim sobre esse fato de ordem biológica e moral, de acordo com o qual todos os indivíduos que compõem uma mesma família estão unidos pela carne e pelo sangue, por interesses solidários, e nada é mais respeitável do que a afeição que naturalmente anima uns para com os outros.

Tem-se muito vivo o sentido desse caráter comum dos seres de uma mesma família. Diz um autor do tempo:

Les gentils fils des gentils pères
Des gentils et des bonnes mères
Ils ne font pas de pesants heires [héritiers].

Os gentis filhos dos gentis pais
Das gentis e boas mães
Não se tornam herdeiros pesados.

Aqueles que vivem sob um mesmo teto, que cultivam o mesmo campo e se aquecem no mesmo fogo — ou, para usar a linguagem do tempo, os que participam do mesmo “pão e pote”, [Em português, a expressão correspondente seria “comer da mesma gamela”] “que cortam a mesma côdea” — sabem que podem contar uns com os outros, que o apoio da sua corte não lhes faltará.

O espírito de grupo é, com efeito, mais potente aqui do que poderia ser em qualquer outro agrupamento, já que se funda sobre os laços inegáveis do parentesco pelo sangue e se apóia sobre uma comunidade de interesses não menos visível e evidente.

Étienne de Fougères, o autor de quem foi citado o extrato precedente, protesta no seu Livre des manières [Livro de boas maneiras] contra o nepotismo dos bispos.

Todavia, reconhece que estes fariam bem em rodear-se dos seus parentes, “se estão de boas relações”, pois nunca podemos ter certeza da fidelidade dos estranhos, diz ele, enquanto pelo menos os nossos não nos faltarão.

Partilham-se portanto as alegrias e os sofrimentos. Recolhem-se em casa os filhos daqueles que morreram ou estão em dificuldades, e todas as pessoas de uma mesma casa se agitam para desagravar [O desagravo, no Portugal medieval, é o direito de revindita] a injúria feita a um dos seus membros.

O direito de guerra privada, reconhecido durante grande parte da Idade Média, é apenas a expressão da solidariedade familiar, e correspondia inicialmente a uma necessidade.

Quando da fraqueza do poder central, para o defender-se o indivíduo só podia contar com a ajuda da sua corte, e sem ela ficaria sozinho, entregue durante toda a época das invasões a perigos e misérias de toda espécie.

Para viver, era preciso enfrentar, agrupar-se. E que grupo valeria mais que uma família resolutamente unida?


(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)




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O vínculo feudal: relação pessoal de fidelidade e proteção

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Relações recíprocas entre nobre e vassalos: baseadas na proteção e fidelidade
Luis Dufaur
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Pode-se dizer da sociedade atual que ela se fundamenta sobre o assalariado.

No plano econômico, as relações de homem para homem reduzem-se às relações do capital e do trabalho.

Executar um trabalho determinado, receber em troca uma certa soma, tal é o esquema das relações sociais.

O dinheiro é o nervo essencial delas, pois com raras exceções uma atividade determinada se transforma de início em numerário, antes de se transformar novamente em objeto necessário à vida.

Para compreender a Idade Média, é preciso se afigurar uma sociedade vivendo de modo totalmente diverso, em que a noção de trabalho assalariado, e em parte até mesmo a do dinheiro, são ausentes ou secundárias.

O fundamento das relações de homem a homem é a dupla noção de fidelidade e proteção.

Assegura-se a alguém seu devotamento, e em troca espera-se dele segurança.

Não se contrata sua atividade, tendo em vista um trabalho determinado com remuneração fixa, mas sua pessoa, ou antes sua fidelidade.

Proteção até contra animais perigosos
Em retribuição, se oferece subsistência e proteção, no pleno sentido da palavra.

Tal é a essência do liame feudal.

Durante toda a Idade Média, sem esquecer sua origem territorial, senhorial, a nobreza teve uma conduta sobretudo militar.

É que, de fato, seu dever de proteção comportava de início uma função guerreira: defender seu domínio contra as invasões possíveis.

Apesar dos esforços em reduzir o direito de guerra privada— tais guerras foram mitigadas pela ação da Igreja, mediante a trégua de Deus e a quarentena — ele ainda subsistia, e a solidariedade familiar podia implicar a obrigação de vingar pelas armas as injúrias feitas a um dos seus.

Acrescenta-se ainda uma questão de ordem material. Detendo a principal, senão a única fonte de riqueza, que era a terra, apenas os senhores tinham a possibilidade de equipar um cavalo de guerra e de armar escudeiros e oficiais.

O serviço militar será, pois inseparável do serviço de um feudo, e a fidelidade prestada pelo vassalo nobre supõe auxílio de suas armas, todas as vezes que for necessário.

Casas populares perto do castelo para nele se refugiar
Este é o primeiro encargo da nobreza e um dos mais onerosos: a obrigação de defender o domínio e seus habitantes.

A espada diz:

“É minha justiça e encargo guardar os clérigos da Santa Igreja e aqueles que produzem o alimento”.

Os mais antigos castelos, aqueles que foram construídos nas épocas de turbulência e invasões, trazem a marca visível dessa necessidade.

A aldeia e as habitações dos camponeses estão nos arredores da fortaleza, em cujo recinto toda a população irá se refugiar por ocasião de perigo, e onde ela encontrará auxílio e mantimentos em caso de sítio.


(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)



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Idade Média: era de grandes descobertas geográficas

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Lenda irlandesa conta que São Brendano
e seus monges chegaram a América.
Colombo queria encontrar a "terra de São Brendano".
Luis Dufaur
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No domínio da exploração e dos conhecimentos geográficos, a atividade não foi menor.

É um erro, mais do que uma injustiça, fazer remontar apenas ao Renascimento a época das grandes viagens.

A descoberta da América fez esquecer que a curiosidade dos geógrafos e exploradores da Idade Média em relação ao Oriente não havia sido menor do que a dos seus sucessores em relação ao Ocidente.

Desde os primórdios do século XII, Benjamim de Toledo tinha ido até à Índia. Cerca de cem anos mais tarde, Odéric de Pordenone atingia o Tibete.

As viagens de Marco Polo, bem como outras menos conhecidas — as de Jean du Plan-Carpin, Guillaume de Rubruquis, André de Longjumeau, Jean de Béthencourt — bastam para dar ideia da atividade desenvolvida nessa época para a descoberta da Terra.

A Ásia e a África eram então infinitamente mais bem conhecidas do que o foram a seguir.

São Luís estabeleceu relações com o khan (imperador) dos mongóis e também com o Velho da Montanha, o terrível senhor da seita dos assassinos.

A viagem de Marco Polo (1254 – 1324) ficou célebre.
Desde 1329 era estabelecido em Colombo, no sul da Índia, um bispado que recebeu por titular o dominicano Jourdain Cathala de Séverac.

As cruzadas haviam sido, para o mundo ocidental, ocasião de estabelecer e manter contato com o Oriente Próximo.

Mas, na realidade as relações nunca haviam cessado completamente, alimentadas como eram pelos peregrinos e pelos mercadores.

Em direção à África, as explorações estenderam-se até à Abissínia e às margens do Níger, que foi alcançado no princípio do século XV por Anselmo Ysalguier, um burguês de Toulouse.

Seria certo que a América não foi visitada já desde essa época, se não mesmo “descoberta”?

É um fato certo que os vikings tinham atravessado o Atlântico Norte e estabelecido relações regulares com a Groenlândia.

Capela medieval na Groenlândia (reconstrução histórica)
Aí se estabeleceram islandeses, aí se instituiu um bispado, e em 1327 os groenlandeses respondiam ao apelo do papa João XXII à cruzada, enviando-lhe como participação nas despesas um carregamento de peles de focas e de dentes de morsas.

Não é impossível que a partir dessa época tenham explorado uma parte do Canadá e remontado o rio São Lourenço.

Ali, Jacques Cartier haveria de descobrir com estupor, alguns séculos mais tarde, que os índios faziam o sinal da cruz e declaravam que o tinham aprendido dos seus antepassados.

Nada disto é tão espantoso, se considerarmos que por intermédio dos árabes a Idade Média se encontrava em relações pelo menos indiretas com a Índia e a China, e se beneficiava igualmente dos seus conhecimentos astronômicos e geográficos.

Um planisfério datado de 1413, traçado por Mecia de Viladestet e conservado na Biblioteca Nacional da França, dá a nomenclatura e a situação exata das estradas e dos oásis saarianos, em toda a extensão do deserto e até Tombuctu.

Nesse imenso espaço, que até meados do século XIX iria permanecer em branco nos nossos mapas, um viajante da Idade Média podia preparar com precisão o seu itinerário e saber quais iriam ser as etapas do seu percurso do Atlas ao Níger.

Contato e comércio com culturas e regiões longínquas
Outras tantas causas atuaram diretamente sobre as relações da Europa com o Oriente, e por ricochete sobre as ciências geográficas: os desastres da Guerra dos Cem Anos, o cisma do Oriente, e mais tarde a ruptura com o Islã e as invasões turcas.

É preciso acrescentar que, ao contrário do que se crê, os sábios do Renascimento manifestam um espírito retrógrado em relação aos seus antecessores, ao transferirem a base dos seus estudos para as obras da Antiguidade.

A este respeito, ver o artigo muito pertinente e muito documentado de R.P. Lecler, La Géographie des humanistes, no primeiro número da revista Construire (1940).

Aristóteles e Ptolomeu tinham sido largamente ultrapassados neste domínio, e privar-se das lições da experiência para regressar às suas teorias era privar-se de todo um conjunto de aquisições pouco a pouco reconquistadas pela época moderna, prestando justiça, ainda neste ponto, à ciência medieval.


(autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)



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O imposto do sangue era o mais duro, e só era pago pela nobreza

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Das obrigações militares da nobreza decorre a maior parte dos seus costumes.

O direito de primogenitura vem, em parte, da necessidade de confiar ao mais forte a herança que ele deve garantir, muitas vezes pela espada.

A lei sálica se explica também por isso, pois só um homem pode assegurar a defesa de um castelo (donjon).

Assim pois, quando uma mulher se torna a única herdeira de um feudo, o suserano tem o dever de casá-la.

Eis por que a mulher apenas sucederá após seus filhos mais jovens, e estes após o primogênito.

Estes só receberão apanágios, e ainda assim muitos desastres ocorridos pelo fim da Idade Média tiveram por origem os demasiados apanágios deixados a seus filhos por João, o Bom.

O poder foi para eles uma tentação perpétua, e para todos uma fonte de desordem durante a minoridade de Carlos VI.

Os nobres têm igualmente o dever de fazer justiça a seus vassalos de todas as condições e de administrar o feudo.


Trata-se precisamente do exercício de um dever, e não de um direito, implicando em responsabilidades bastante pesadas, pois cada senhor deve dar contas de seu domínio, não somente à sua linhagem, mas também a seu suserano.

Etienne de Fougères descreve a vida do senhor de um grande domínio como cheia de preocupações e de cansaços:

Cá e lá vai, muitas vezes volta,
Não repousa nem descansa.
Perto dos castelos ou longe deles,
Às vezes alegre, quase sempre triste.
Cá e lá vai, não dorme,
Para que seu caminho não se interrompa.

Longe de ser ilimitado, como geralmente se acreditou, seu poder é bem menor do que o de um industrial ou qualquer proprietário de nossos dias, porque ele jamais tinha a propriedade absoluta de seu domínio.

Dependia sempre de um suserano, e os suseranos, mesmo os mais poderosos, dependiam do rei.

Em nossos dias, segundo a concepção romana, o pagamento de uma terra dá pleno direito sobre ela.

Na Idade Média não era assim. No caso de má administração, o senhor incorria em penas que podiam chegar ao confisco de seus bens.

Assim, ninguém governa com autoridade completa e não escapa ao controle direto daquele de quem ele depende.

Essa repartição da propriedade e da autoridade é um dos traços mais característicos da sociedade medieval.


(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)



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Feudalismo: reciprocidade de fidelidade e serviço

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Homenagem de Eduardo I a Felipe o Belo da França
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As obrigações que ligam o vassalo a seu senhor levam à reciprocidade: “O senhor deve tanta fidelidade e lealdade a seu homem como o homem a seu senhor” — diz Beaumanoir.

Esta noção de dever recíproco, de serviço mútuo, se encontra muitas vezes em textos, tanto literários como jurídicos.

“O senhor deve mais reconhecimento a seu vassalo do que este a seu senhor” — observa Etienne de Fougères no seu “Livre des Manières”.

Philippe de Novare comenta em apoio dessa constatação: 

“Aqueles que recebem serviços e jamais o recompensam bebendo de seus servos o suor, que lhes é veneno mortal ao corpo e à alma”.

De onde vem a máxima: “Ao bem servir convém recompensar”.

Exige-se da nobreza mais compostura e retidão moral que dos outros membros da sociedade.

Por uma mesma falta, a pena aplicada a um nobre será muito superior à de um plebeu.

Carlos de Orleans recebe homenagem de um vasalo
Beaumanoir cita um delito pelo qual a pena de um camponês é de 60 soldos, e a de um nobre de 60 libras, numa desproporção de 1 para 20.

Segundo os Établissements de Saint Louis, a falta pela qual um homem costumeiro — isto é, um plebeu — pagava 50 soldos de multa acarretava para um nobre o confisco de todos os seus bens móveis.

Isto se encontra também nos estatutos de diversas cidades.

Os de Pamier fixam assim a tarifa de multas em caso de roubos: vinte libras para o barão, dez para o cavaleiro, cem soldos para o burguês, vinte soldos para o vilão.


(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)



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A nobreza podia ser adquirida, de preferência por méritos, ou perdida por deméritos

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João II, rei da França, aduba cavaleiros, iluminura século XIV-XV, BNF
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A nobreza é hereditária, mas pode também ser adquirida, seja como retribuição de serviços, seja pela aquisição de um feudo nobre.

Foi o que aconteceu em grande escala pelos fins do século XIII.

Numerosos tinham sido os nobres mortos ou arruinados nas grandes expedições, então muitos tornaram-se nobres, fato que deu origem a uma reação da nobreza.

A cavalaria enobrecia aquele a quem ela era conferida.

E com o correr dos tempos surgiram os títulos de nobreza, que na verdade foram distribuídos muito parcimoniosamente.

Podia-se adquirir a nobreza, mas também podia-se perdê-la por decadência, como decorrência de uma condenação infamante.

A vergonha de uma hora apaga bem quarenta anos de honra — dizia-se.

Ela se extinguia ainda pela derrogação, quando um nobre confessava ter exercido um ofício plebeu ou um tráfico qualquer.

Com efeito, era proibido sair do papel que lhe fora conferido. Ele não devia mais procurar se enriquecer, assumindo cargos que lhe poderiam fazer negligenciar aqueles aos quais dedicou sua vida.

Adubação de um cavaleiro, Roman de Troyes
Entretanto, excetuavam-se dos ofícios plebeus aqueles que, necessitando de recursos importantes, só podiam ser executados pelos nobres. Por exemplo, a vidraria ou a administração de forjas.

O tráfico marítimo era permitido aos nobres porque exige, além de capitais, um espírito de aventura, que não seria conveniente coibir.

No século XVIII Colbert alargará os campos de atividade econômica da nobreza, para dar mais impulso ao comércio e à indústria.


(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)




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O Brasil e os templários no plano da Providência

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Milagre de Ourique
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Portugal nasceu sendo rei D. Afonso Henriques. Na batalha de Ourique, ele estava na indecisão do resultado da luta contra os mouros.

Nosso Senhor apareceu ao heroico rei fundador de Portugal exibindo suas cinco chagas, pregado na Cruz, e incitando-o a que ele não perdesse o ânimo e que continuasse para frente. Porque a Providência queria um Portugal português.

Ele continuou a batalha e ganhou.

E daí as cinco chagas de Nosso Senhor estarem na origem do reino de Portugal, que era antes um condado e que passou a reino no tempo dele.

A origem de Portugal e toda sua vida é, portanto, profundamente embebida de coisas católicas.

Nós dizemos que os reis de Portugal, ou Pedro Alvares Cabral, descobriu o Brasil. Essas coisas são muito controvertidas, e uma delas é flagrantemente errada.

Não foi Portugal que descobriu o Brasil.

Templário (esq.) e Hosplitalário (dir.)
Eram portugueses os marinheiros, os capitães, a escola de navegação de Sagres, em base na qual as naves portuguesas vieram ter aqui, com Pedro Alvares Cabral dirigindo esbarraram no Brasil.

Aqui foi celebrada a Primeira Missa e foi tomada a posse em nome do rei de Portugal, etc.

Mas na realidade, as naus que vinham cá não pertenciam a Portugal. Pertenciam à Ordem de Cristo.

O que era a Ordem de Cristo?

Era uma continuação da Ordem dos Templários, fechada na França por Felipe IV, com um infeliz consentimento da Santa Sé.

A Ordem dos Templários a pedido do rei de Portugal conservou-se em Portugal mudando de nome. E passou a ser a Ordem de Cristo.

Essa ordem possuía os navios com que vieram os descobridores.

De maneira que os navegantes portugueses descobriram o Brasil em navios da Ordem de Cristo.

Por isso as caravelas levavam a Cruz de Cristo, com o formato especial dessa Ordem continuadora dos templários para significar que era a Ordem de Cristo que estava descobrindo.

Como o rei de Portugal era grão-mestre da Ordem de Cristo, essas terras passaram a ser governadas por ele, não enquanto rei de Portugal, mas enquanto grão-mestre da Ordem de Cristo.

O Brasil nasceu de Nosso Senhor Jesus Cristo a dois títulos especiais: nas suas raízes portuguesas nasceu na batalha de Ouriques.

E depois, mais tarde, nasceu de uma missa, quando a Ordem de Cristo tomou conta destas terras em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Essa é a realidade.

O fato é evidente e leva o selo profundamente católico de tudo aquilo que Portugal e a Espanha faziam.

Eles tinham a intenção evidente e declarada de compensar pelos descobrimentos o que a Santa Sé perdia com a apostasia da Alemanha, Suécia, Noruega, Dinamarca, Inglaterra, Escócia, etc.

Era uma espécie de compensação que eles queriam dar. E que enorme, gigantesca compensação!

Se a América espanhola não tivesse perdido o litoral pacífico da América do Norte para os norte-americanos pode-se imaginar o poder que seria. Uma coisa extraordinária!



(Fonte: Plinio Corrêa de Oliveira, 24/3/88. Sem revisão do autor)



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A Igreja medieval não inventou a perseguição aos hereges

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São Domingos de Gusmão queima livros com heresias cátaras.  Pedro Berruguete (1450 - 1504), Museu do Prado, Madri.
São Domingos de Gusmão queima livros com heresias cátaras.
Pedro Berruguete (1450 - 1504), Museu do Prado, Madri.
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Desde os primórdios do Cristianismo houve, da parte de potentados temporais, a aplicação de medidas punitivas contra hereges.(1)

Isso porque, quer no Império Romano cristão do Ocidente, quer no Bizantino, e sobretudo nas nações cristãs que foram compondo a Cristandade Medieval, a Religião Católica, sua moral, suas leis e doutrinas respondiam em muito larga medida pela urbanização e sustentação da ordem civil.(2)

Isto não era novidade. Era um conceito comum em toda a Antiguidade. E nas civilizações pagãs, inclusive as menos decadentes punham em prática esse critério com largas doses de abuso e crueldade.

A heresia afigurava-se, pois, frequentes vezes, como uma séria ameaça à ordem civil estabelecida.

Tanto mais quanto quase todas as heresias, que assolaram a Igreja e a Cristandade naqueles séculos, revestiam-se de um caráter nitidamente anarquista e anti-social.(3)

Foi assim que a iniciativa da perseguição - com o fim de aplicação de penas temporais - aos hereges não partiu da Igreja, mas da sociedade civil.

Alguns dos últimos Imperadores romanos - antes da Idade Média, portanto - desterravam hereges, confiscavam-lhes os bens, mas, via de regra, só aplicavam a pena capital aos culpados de atos de violência contra os cristãos.(4)

A ameaça à ordem civil nas nações cristãs da Idade Média, representada pelas heresias, levou muitos monarcas a tomar a iniciativa de perseguir os hereges. Notadamente as heresias neomaniquéias que se desenvolveram no sul da França, nos séculos XII e XIII - os albigenses que assolaram progressivamente quase toda a Cristandade, puseram em contínuo sobressalto reis e imperadores.(5)

Vemos, pois, um Roberto o Piedoso, Rei da França, que, no século XI, solicita insistentemente ao Papa medidas punitivas contra os hereges.

Temos ainda, no século XII, Henrique, Arcebispo de Reims e irmão do Rei da França, Luiz VII, que, por instâncias deste último, se apressa a perseguir os hereges cátaros.

São os próprios hereges que apelam ao Papa e dão motivo a uma carta de Alexandre III ao Arcebispo de Reims, recomendando-lhe doçura e clemência para com aqueles.

Advogando, junto ao Papa, a causa da punição dos hereges pode ser citado o próprio Rei Luiz VII, encontrando ele, porém, resistências por parte de Alexandre III.(6)

São Domingos de Gusmão preside auto-de-fé da Inquisição.  Pedro Berruguete (1450 - 1504), Museu do Prado, Madri.
São Domingos de Gusmão preside auto-de-fé da Inquisição.
Pedro Berruguete (1450 - 1504), Museu do Prado, Madri.
Até mesmo monarcas temporariamente em oposição à Igreja - como Felipe Augusto, da França - ou francamente hostis e excomungados - como Henrique II, da Inglaterra, responsável pelo martírio de São Tomás Becket - se puseram a perseguir, julgar e punir hereges, com a finalidade de manter a ordem civil em seus respectivos Estados

Dentre os Imperadores alemães, o péssimo Frederico Barbarroxa - que alimentou motins, expulsou o Papa de Roma, zombou das excomunhões e suscitou antipapas - bem como seu neto, Frederico II de Hohenstaufen –– dificilmente igualável em ambição e maldade, ele mesmo excomungado –– foram dos mais aguerridos perseguidores dos hereges.(7)

Foi mesmo este último que, no século XIII, decretou pela primeira vez a morte dos hereges na fogueira.(8)

Compreende-se, pois, perfeitamente, a quantos abusos o exercício desta indispensável tarefa –– qual seja, a preservação da ordem pública –– se prestava quando executada unicamente pelas autoridades civis.(9)

Como poderiam estas últimas, sem a dignidade eclesiástica e os estudos necessários, emitir retamente juízos em matéria de fé e moral?

Em muitos casos, aqueles juízos ocultavam meras vinganças contra inimigos pessoais dos príncipes.

Foi justamente com o fim de coibir semelhantes abusos que a Santa Sé reivindicou para a Igreja a exclusividade do julgamento dos hereges. Nasceram assim os Tribunais da Inquisição.

Primeiramente, a Santa Sé recomendou aos bispos que, diretamente ou através de legados, se incumbissem de tal tarefa, colaborando desta forma com o poder temporal.

Posteriormente a própria Santa Sé assumiu a direção geral da Inquisição, através de legados especiais, inquisidores, por ela nomeados, revestidos de poderes especiais e devendo atuar em íntima colaboração com os ordinários e com as autoridades temporais.

Sucessivos regulamentos foram sendo elaborados por bispos e inquisidores, tendo por objetivo estabelecer procedimentos afins com a justiça e a caridade.

Foi o Papa Gregório IX que, através de uma bula de 20 de abril de 1233, estabeleceu os últimos delineamentos da Inquisição Medieval, confiando-a preferencialmente à Ordem de São Domingos. Posteriormente também à de São Francisco.

Consciente de que sua missão primordial é a salvação das almas, a Igreja, na direção da Inquisição, buscava antes de tudo o arrependimento e a conversão dos hereges.

Ou pelo a cessação de seu proselitismo subversivo, tendo em vista preservar os fiéis dos males da heresia. Nessas condições, nunca o réu era entregue ao poder civil - "braço secular", segundo a expressão corrente - para a execução da pena. A Igreja, maternalmente, os tomava sob sua proteção.

Auto-de-Fé na Plaza Mayor, Madri. Francisco Ricci (1608 - 1685). Museu del Prado, Madri.
Auto-de-Fé na Plaza Mayor, Madri. Francisco Ricci (1608 - 1685). Museu del Prado, Madri.
Apenas os hereges "contumazes" e nocivos à ordem pública eram entregues ao "braço secular". O Estado então executava a sentença, quase sempre de morte na fogueira.

Como se vê, a aplicação da pena capital aos hereges "contumazes" sempre esteve a cargo do poder civil, e disso nunca se ocupou a Igreja.

Histórica e cronologicamente distinta da Inquisição Medieval foi a chamada Inquisição espanhola.

Nesta última, e já nos Tempos Modernos, Frei Tomás de Torquemada atuou como inquisidor para os reinos de Castela e Leão em fins do século XV, sendo nomeado para tal função em fevereiro de 14821.(10)

Ora, a historiografia costuma apresentar como principais marcos históricos, indicativos do fim da era medieval e início da época moderna, a. tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453, ou a invenção da imprensa por Guttenberg em 1445

Um exemplo pouco conhecido: o Tribunal da Inquisição foi o único na História em que à virtude da Justiça veio aliar-se a da misericórdia.

NOTAS
1. Cfr. Jean Guiraud. Inquisition Médievale, Bernard Grasset, Paris. 1923, pp 70 e ss., William Thomas Walsh Personajes de la Inquisición, Espasa Calpe S/A, Madrid, 1948, p.50.
2. Cfr. Lea, A Hislory of lhe bU/uisilioll ill lhe Middle Ages. I. p. 106, aplld. W. T. Walsh, op. cit., p.54-55.
3. Cfr. jean Guiraud, 01'. cit, pr. 72 c S5. 4 crI'. W. T. Walsh. op. cit., p. 50.
5. Cfr. Pe. Rohrbacher. Histoire Universelle de l'Église Calholique. Gaume Frères, Libraries. Paris. 1844. tomo XI, pp. 413-114.
6. Cfr. Jean Guiraud. op. cit., pp. 74-76.
7. Cfr. W. T. Walsh. op. cit, pr. 62-65.
8. Cfr. Bernardino Loca S.J . Manual de Historia Eclesiástica. Editorial Labor, Barcelona, 1942, pp. 418-419; Emanuel Barbier, Histoire Populaire de l'Église. Pe. Lethielleux, Paris, 1922.2ª parte, tomo II,. p. 92.
9. Cfr.. Jean Guiraud. op. cit., pp. 76 e ss.
10. Cfr. W. T. Walsh, op. cit., p. 184.


Original publicado em CATOLICISMO, novembro 1993
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Como era uma "Canção de Cruzada"?

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Batalha das Navas de Tolosa, episódio eminente da Reconquista da Espanha
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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política internacional,
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A Canção de Cruzada traduzida e reproduzida a continuação foi composta para encorajar os cristãos a participar na campanha contra a invasão islâmica da Espanha.

A cruzada resultante deu na grande vitória de Las Navas de Tolosa em 1212.

Foi composta após a derrota de Alarcos (19 de julho de 1195) e do avanço dos almohades de Abu Yusuf na península ibérica. O autor Gavaudan (1195-1215) foi um trovador-soldado das cortes de Tolosa e posteriormente em Castela.

Senhores, por causa dos nossos pecados cresce a força dos sarracenos; Saladino tomou Jerusalém (em 1187) e a cidade ainda não foi recuperada.

O rei de Marrocos fez-nos saber que combaterá contra todos os reis cristãos com seus pérfidos andaluzes e árabes, armados contra a fé de Cristo.

Ele convocou a todos os alcaides (governadores de fortalezas), almofades, mouros, godos e bereberés, e não queda homem forte nem débil que não tenha se reunido a todos eles.

Nunca uma chuva tão torrencial fez tanto dano como quando eles passam e se apossam dos prados. Eles devastam como ovelhas que não deixam nem broto nem raiz.

Seus escolhidos têm tanto orgulho que acham que submeterão o mundo todo. Marroquinos e almorávides instalam-se nos morros e nos vales.

Fanfarreiam entre eles: “¡Francos, afastai-vos! Nossas são a Provença e o Tolosanés e tudo que há até o Puy.”

Nunca se ouviu uma bazófia tão feroz nesses cães falsos, malditos sem fé.

Ouvi vós, imperador (Enrique IV, 1191-1197), rei da França (Felipe Augusto, 1180-1223), com vossos primos, o rei inglês (Ricardo Coração de Leão, 1189-1199), e o conde de Poitiers: socorrei ao rei da Espanha.

Navas de Tolosa. A épica e decisiva carga do rei de Navarra contra a tenda do chefe sarraceno.
Que nunca ninguém pôde ter ficado tão perto de melhor servir a Deus. Com Ele vencereis todos os cães que Maomé enganou e os renegados apóstatas.

Jesus Cristo que veio pregar para que nosso fim seja bom, Ele nos ensina que este é o reto caminho; pois, com a penitência será perdoado o pecado que vem de Adão (bula de Inocêncio III com indulgências de cruzada na campanha que culminou com a grande vitória cristã de Las Navas de Tolosa), e quer nos dar certeza e segurança de que, se cremos n’Ele, Eles nos exaltará por cima dos que estão mais elevados, e será nosso guia contra os felões vis e falsos.

Posto que possuímos a grande Fé, não deixemos nossas herdades a mercê de cães negros ultramarinos. Que cada uno reflita antes de sofrermos prejuízo.

Portugueses, galegos, castelhanos, navarros, aragoneses e da Cerdenha ficaram como barreira mas eles os tem repelido e humilhado.

Quando vejam os barões cruzados: alemães, franceses, de Cambray, ingleses, bretões, angevinos, bearneses e gascões, misturados com nós e os provençais todos numa só multidão, podereis estar certos que, com os hispanos quebraremos o ímpeto da invasão e cortar-lhe-emos a cabeça e as mãos até deixar mortos e aniquilados a todos. Depois, repartir-se-á entre nós todo o ouro.

Gavaudan será profeta de que acontecerá o que eu tenho dito.

Morram os cães! E Deus será honrado e servido onde Bafoma era reverenciado.


Vídeo: Canção de Cruzada: por causa dos nossos pecados






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Distinções e atributos dos Lordes : títulos e coroas

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Escudo do conde de Shrewsbury
Luis Dufaur
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O barão par da Inglaterra porta um diadema com seis pérolas.

A coroa começa no visconde. O visconde porta uma coroa com incontáveis pérolas; o conde, uma coroa de pérolas sobre pontas entremeadas com folhas de groselha, mais baixas; o marquês, pérolas e folhas de igual altura; o duque real, um círculo de cruzes e de flores de lis; o príncipe de Gales, uma coroa semelhante à do rei, mas não fechada.

O duque é ‘muito alto e muito poderoso príncipe’; o marquês e o conde, ‘muito nobre e poderoso senhor’; o visconde, ‘nobre e poderoso senhor’; o barão, ‘verdadeiramente senhor’.

O duque é ‘graça’; os outros pares são ‘senhoria’.

Os lordes são invioláveis.

Os pares são câmara e corte, ‘concilium et curia’, legislatura e justiça.

‘Most honourable’ é mais do que ‘right honourable’.

Os lordes pares são qualificados de ‘lordes de direito’; os lordes não pares são ‘lordes de cortesia’; não há, pois, lordes propriamente a não ser os pares.

Escudo de Beaufort
Escudo de Beaufort
O lorde nunca presta juramento ao rei ou à justiça. Sua palavra basta. Ele diz: ‘por minha honra’.

As comunas, convocadas à barreira dos lordes, apresentam-se humildemente, cabeça descoberta, diante dos pares cobertos.

As comunas enviam aos lordes os ‘bills’ (projetos de lei) por quarenta membros, que apresentam o ‘bill’ com três reverências profundas.

Os lordes enviam às comunas os ‘bills’ por meio de um simples funcionário.

Em caso de conflito, as duas câmaras conferenciam dentro da câmara pintada, os pares sentados e cobertos, as comunas em pé de cabeça descoberta.

Os barões têm o mesmo rango que os bispos.

Para ser barão par, é preciso ser vassalo do rei ‘per baroniam integram’, por baronia inteira.

A sede da baronia, ‘caput baroniae’, é um castelo hereditariamente regido como o é a própria Inglaterra; ou seja, não pode ser transferido às filhas a não ser por falta de descendentes varões, e nesse caso passa para a filha primogênita, ‘caeteris filiabus aliunde satisfactis’ (prover-se-á às outras filhas como se puder.).

Os barões têm a qualidade de ‘lord’, do saxão ‘laford’, do latim culto ‘dominus’ e do baixo latim ‘lordus’.

Os filhos primogênitos e segundos dos viscondes e barões são os primeiros escudeiros do reino.

Os filhos primogênitos dos pares têm a precedência sobre os cavaleiros da Jarreteira; os segundos, não.

O filho primogênito de um visconde vai detrás de todos os barões e na frente de todos os baronetes.

Toda filha de lorde é ‘lady’. As outras senhoritas inglesas são ‘miss’.

Todos os juízes são inferiores aos pares. O oficial de justiça tem um capuz de pele de cordeiro; o juiz tem um capuz de ‘menu vair’ (Pele de coloração cinza claro; algumas vezes branca com partes acinzentadas.), ‘de minuto vario’, numerosas pequenas peles brancas de toda sorte, fora o arminho. O arminho está reservado para os pares e o rei.

Escudo real inglês
Um lorde não pode ser preso. A não ser na Torre de Londres.

Um lorde chamado junto ao rei tem o direito de caçar um gamo ou dois no parque real.

O lorde mantém no seu castelo corte de barão.

É indigno de um lorde andar pelas ruas com um manto seguido de dois lacaios. Ele somente pode ser visto com um grande séqüito de gentilhomens domésticos.

Os pares dirigem-se ao parlamento em carruagens; os comuns, não. Alguns pares vão a Westminster em liteiras. A forma dessas liteiras e carruagens com brasões gravados e coroadas somente é permitida aos lordes e faz parte de sua dignidade.

Um lorde somente pode ser multado por lordes.

Um lorde pode ter em casa seis estrangeiros. Os outros ingleses só podem ter quatro.

Um lorde pode ter oito tonéis de vinho sem pagar impostos.

O lorde é o único isento de se apresentar ante o delegado de sua circunscrição.

O lorde não pode ser convocado para a milícia.

Escudo da familia De Mowbray, barões de Melton
Quando apraz a um lorde, ele recruta um regimento e o dá ao rei; assim fazem Suas Graças o duque de Athol, o duque de Hamilton e o duque de Northumberland.

O lorde somente depende dos lordes. Nos processos de interesse civil, ele pode pedir adiamento da sua causa, se não houver pelo menos um cavaleiro entre os juízes.

O lorde nomeia seus capelães.

Um barão nomeia três capelães; um visconde, quatro; um conde e um marquês, cinco; um duque, seis.

Um duque faz-se acompanhar por um pálio onde quer que o rei não esteja presente; um visconde tem um pálio na sua casa.

Um plebeu que bate num lorde terá o punho cortado.

O lorde é quase rei. O rei é quase divino.

A terra é uma ‘lordship’.

Os ingleses chamam a Deus de ‘milord’.

(Fonte: Victor Hugo, “L’homme qui rit”, Flammarion, Paris, 1982, pp. 58 a 61, Tomo I)



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Crescente interesse pelo estudo da Idade Média em ambientes acadêmicos

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Luis Dufaur
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1. Nas últimas décadas, a Idade Média vem suscitado um interesse crescente.

Desde os anos 50, aproximadamente, os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia, razão pela qual têm sido amplamente divulgados no Brasil; mas essa curiosidade já extrapolou os restritos círculos acadêmicos.

Nos dias de hoje, a Idade Média exerce também uma fascinação irrecusável sobre a imaginação do grande público, conforme testemunham a crescente quantidade de publicações de textos literários medievais e o fato de que recriações das narrativas sobre o rei Artur, o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsáveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas: é o sucesso da Idade Média na sociedade de consumo.

Esse interesse é bem compreensível, pois falar da Idade Média é, de certa forma, falar de nós mesmos.

Ela representa o longo período de gestação no qual foi criado o mundo moderno: as atuais nações europeias, das quais derivamos, juntamente com suas respectivas línguas e literaturas, são parte do legado medieval.

Nosso quotidiano está repleto de inovações surgidas naquela época, como as universidades, os bancos, e ainda a imprensa, o relógio mecânico e os óculos.

De acordo com Hilário Franco Júnior, devemos à Idade Média inclusive a origem dos modernos sistemas de representação política e os fundamentos da mentalidade científica que caracterizam a civilização ocidental(1).

Pode-se afirmar, portanto, que os estudos medievais também auxiliam a compreender a história e a cultura dos países americanos: a própria expansão marítima, que ocasionou a descoberta do Novo Mundo, tem suas raízes solidamente vincadas na Idade Média.

Temas da literatura medieval, como a gesta de Carlos Magno, permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina; além disso, é sabido que diversos escritores brasileiros de nosso século, entre os quais Manuel Bandeira, Guimarães Rosa e Adélia Prado, beberam fartamente de fontes medievais.





(Autor: Raúl Cesar Gouveia Fernandes, M. Sc. Letras FFLCHUSP - Prof. Filosofia FEI, “Reflexões sobre o Estudo da Idade Média”).



Continua no próximo post: A Idade Média: era histórica mal conhecida por causa de preconceitos



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A Idade Média: era histórica mal conhecida por causa de preconceitos

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2. Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Média, ela ainda é muito pouco conhecida, ou — o que é pior — mal conhecida por quem não é especialista.

As noções fragmentadas e contraditórias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos à Idade Média segundo a conveniência de cada um: desde o militante político que apelida a perversa concentração fundiária brasileira de “feudal”, até os novos “magos” de hoje que procuram se revestir de uma aura “medieval” para vender livros de auto-ajuda.

O fato mais grave, no entanto, é que a Idade Média segue sendo vítima de um grande preconceito.

Para muitos, ela ainda representa um período no qual a humanidade, subjugada pela ignorância e flagelada pela peste, viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisição.

Afinal de contas, continua a ser aceito o rótulo de “idade das trevas”, como se no milênio que permeia a queda do Império Romano e a chegada de Colombo à América não houvesse sido criado nada que fosse digno de nota.

Que dizer então do canto gregoriano, da Divina Comédia ou dos avanços arquitetônicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas?

Muitas vezes estes são detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histórico esquemático, segundo o qual deve haver uma época de barbárie que anteceda e justifique o Renascimento do século XVI — e assim equívocos históricos injustificáveis são perpetuados(2).

Foi contra essa “lenda negra” que a medievalista francesa Régine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Média(3).

3. O maior obstáculo ao conhecimento da Idade Média é justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste período.

Estimulado por uma idéia preconcebida, o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histórica à mera seleção de dados que corroborem sua impressão inicial.

Acreditamos, por exemplo, ser este o defeito de O Nome da Rosa, famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do século XIV.

Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval, o resultado é no mínimo parcial: foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do já gasto bordão sobre a Idade Média crédula e obscurantista.

O fato de se tratar de um texto de ficção não muda os dados do problema.

Veja-se a cena do incêndio da biblioteca ao final do romance: é destacada a destruição de livros, mas esqueceu-se de dizer que, se não fosse pela obra anônima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciência beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos, ela não teria chegado até nós(4).

O conhecimento autêntico pressupõe aquela “vontade de nos enriquecermos, de sairmos de nós mesmos” que Henri-Irenée Marrou associava à virtude da docilitas, a humilde demanda da verdade(5).

“Sair de nós mesmos”, neste caso, significa estar disponíveis a ouvir com atenção o que os documentos históricos têm a nos revelar, que é o contrário de projetar sobre eles idéias ou teorias preestabelecidas.

Com efeito, a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura prévia.



(Autor: Raúl Cesar Gouveia Fernandes, M. Sc. Letras FFLCHUSP - Prof. Filosofia FEI, “Reflexões sobre o Estudo da Idade Média”). 


Continua no próximo post: Preconceitos e anacronismos obscurecem a verdade sobre a Idade Média



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Preconceitos e anacronismos obscurecem a verdade sobre a Idade Média

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Continuação do post anterior: A Idade Média: era histórica mal conhecida por causa de preconceitos


5. Até aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissão aos documentos, alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa.

De fato, a realidade histórica sempre se revela mais densa, complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros.

Frisar a exigência de fidelidade às fontes, no entanto, não quer dizer que o ofício do historiador seja meramente passivo ou receptivo.


Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem. Muitas vezes, o material analisado parece bem pouco eloquente; a quantidade e a qualidade das informações que serão extraídas dele dependem da habilidade do historiador ao questioná-lo.

A pesquisa não se resume à compilação de informações que os documentos já fornecem “prontas”: compete ao estudioso abordá-los adequadamente e formular hipóteses explicativas para os dados observados.

Sendo assim, a documentação histórica pode ser considerada uma fonte inesgotável de conhecimentos, pois sempre poderá revelar aspectos até então ignorados se submetida a novas interrogações.

É preciso observar, contudo, que o questionamento das fontes é uma habilidade que deve ser desenvolvida, pois atualmente se cultiva mais a dúvida sistemática (que termina por imobilizar a inteligência) do que a atenção genuína aos porquês últimos da realidade.

É justamente por ter formulado interrogações que ainda não haviam sido feitas, alargando os horizontes da pesquisa histórica, que a obra de certos medievalistas têm conquistado relevância crescente.

Um dos precursores desta renovação foi Johan Huizinga, que — há 70 anos, quando a pesquisa histórica se limitava a temas políticos e econômicos — procurou descrever os ideais, os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval, numa obra que continua estimulante ainda hoje(10).

Prof. Georges Duby
Estava aberto o caminho para a “nova história”, escola à qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby.

6. Se o resultado da análise é condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso, conclui-se que a investigação histórica será sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador.

Os documentos históricos são “testemunhos da experiência de homens do passado”; como tais, solicitam que também a experiência humana de quem os lê entre em jogo para serem compreendidos(11).

Quanto mais atento e curioso for o pesquisador, mais fecunda será portanto sua investigação: “o valor do conhecimento histórico é diretamente função da riqueza interior, da abertura de espírito, da magnanimidade de quem o elaborou. (...) O historiador deve ser também, primeiro que tudo, um homem plenamente homem, aberto a tudo o que é humano”(12).

E não poderia ser de outra forma: o historiador, em particular o medievalista, lida com elementos que, embora cronologicamente distantes, dizem algo a respeito de sua própria pessoa e da sociedade na qual ele vive.

A pesquisa histórica pode ser descrita, portanto, como um encontro. Neste encontro com o outro reconheceremos, para além das diferenças, uma série de afinidades, graças às quais é possível estabelecer um diálogo com o passado.

Com efeito, “é nesta tensão entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existência, num século em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas referências fundamentais”.

Por isso, a história se escreve “apoiando-se ao mesmo tempo na presença da memória do passado e na compreensão da distância que existe entre esse passado e o presente”(13).

Exemplar, neste sentido, é a reflexão de Régine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher, temas que estão no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14).



Continua no próximo post: Retomada dos estudos sobre a Idade Média: vitória da verdade histórica


(Autor: Raúl Cesar Gouveia Fernandes, M. Sc. Letras FFLCHUSP - Prof. Filosofia FEI, “Reflexões sobre o Estudo da Idade Média”). 





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