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Nas almas das cancões perfeitas de Natal: fé, coragem, ternura

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É a noite de Natal. A Missa de Galo vai começar. Na igrejinha toda coberta de neve, iluminada e bem aquecida, todos entram de depressa.

Ao longe ficaram as casinhas da aldeia, a fumaça sobe das chaminés, a lareira está acesa, as suculentas, deliciosas e apetitosas iguarias da culinária alemã já estão no forno...

É a festa de Natal que segue à festa litúrgica.

O coro canta “Stille Nacht, heilige Nacht” (“Noite Feliz”) (a música está no vídeo embaixo).

“Noite tranqüila, noite silenciosa, noite santa.

“Tudo dorme, só está acordado o nobre e santíssimo Casal!

“O nobilíssimo menino de cabelos cacheados dorme em celestial tranqüilidade.”

A canção manifesta submissão de espírito, reverência e compaixão. Mas também alta cogitação.

Foi num ambiente desses que o povo da bravura e da proeza militar compôs essa canção de Natal universal: o “Stille Nacht, heilige Nacht” (“Noite Feliz”).

Uma outra canção natalina alemã conta que os dois iam juntos: Nossa Senhora, a flor de delicadeza, e o Menino, o tesouro do Universo!

E atravessaram um bosque de espinhos que havia sete anos que não florescia.

Veja vídeo
Vídeo: Noite Feliz: as almas
das canções de Natal perfeitas
Nossa Senhora sozinha, trazia o Menino Jesus amparado junto a seu coração.

Mas, enquanto Nossa Senhora atravessava o bosque, os espinhos transformavam-se em rosas perfumadas para Ela.

E Ela compreendeu: foi um gesto de amabilidade de seu Filho!

Comprazida, Ela olhou maternalmente para o Divino Infante. Ele estava dormindo, mas governava a natureza!

Eis o paradoxo do povo germânico: esse povo dos grandes exércitos impecavelmente ordenados, dos couraceiros com capacetes encimados por águias, na hora da ternura sabe cantar afetuosamente o Natal como nenhum outro.





Video: Noite Feliz: as almas das canções de Natal perfeitas





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O retorno das pombas à catedral de Dijon

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As gárgulas da catedral de Dijon passavam muito frio no Natal
As gárgulas da catedral de Dijon passavam muito frio no Natal


Na Borgonha, as pedras nunca são brancas, por vontade de Deus.

Ao contrário, com o passar dos anos e dos séculos elas ficam bem cinzentas e até pretas.

No alto da catedral, as gárgulas – aquelas esculturas de animais quiméricos colocadas para dar vazão às águas de chuva e qualquer outra sujeira tirada por esta do telhado –, sempre bem alinhadas, estavam mais do que feias.

Pior. Sentiam-se doentes e tristes no seu pétreo silêncio.

Por obra dos entalhadores, elas tinham formas de diabos, monstros e animais horríveis.

O vento, a chuva, as geadas, as fumaças: tudo contribuía para deixá-las mais estragadas, repulsivas e decadentes.

Acontecia também – e ninguém sabia explicar – que as pombas tinham diminuído em número, a ponto de quase desaparecerem.

Só restavam algumas, mas estavam velhas e doentes. Já não se via seu vulto branco no céu e nos galhos das árvores.

A Virgem Negra da catedral de Dijon
A Virgem Negra da catedral de Dijon
Elas não mais arrulhavam como outrora nos jardins.

O Natal foi se aproximando, e com ele o frio, o vento gélido e os nevoeiros do inverno que estragavam as gárgulas.

Uma noite gelou de rachar a pedra, que rachou verdadeiramente numa noite de lua: o gelo fez estourar encanamentos e gárgulas.

Essa tragédia desencadeou uma revolta. Enquanto os homens dormiam, as gárgulas saíram de seu sono pétreo, reuniram-se num conciliábulo noturno e tomaram uma grande decisão.

Dias atrás elas tinham ouvido que na capela da Virgem Negra, na catedral, havia sido montado um grande presépio.

Dizia-se que ali havia velas, luz, calor.

Na véspera, os sinos haviam repicado com maior força e toda a cidade fora visitar o referido presépio.

Mais tarde, as pessoas voltaram felizes às suas casas aquecidas, enquanto as portas da catedral eram fechadas.

Ouviram que o mais belo Menino estava lá
As gárgulas haviam visto aquele espetáculo.

Mais: do alto da catedral, elas contemplavam de um extremo a outro da cidade centenas de janelas iluminadas nos aconchegantes lares.

Ainda ouviram elas que dentro da capela podia-se ver o mais belo bebê que nasceu na Terra.

As gárgulas chegaram a um acordo: embora feitas de pedra estragada pelo frio, elas se refugiariam na capela e falariam com o Menino.

Acabariam com aquele frio e, além do mais, fariam alguma coisa inusual!

Na hora mais pesada da noite, começaram elas a se movimentar, cada uma mais feia do que a outra, mais enegrecida e suja do que a vizinha, mais torta e espantosa do que se podia imaginar.

Agrupadas se pareciam mais com um bando de corvos negros.

Elas eram dezenas e voavam em torno do campanário à procura de alguma entrada. Assim que a descobriram enfiaram-se todas dentro num só e sinistro voo.

Quando o Menino as viu chegar chorou de espanto
Quando o Menino as viu chegar com suas enormes asas pretas e repugnantes bicos pontiagudos, começou a chorar de horror.

Nem sua Mãe conseguia acalmar seu choro de medo.

Apavorados pelo pânico que eles próprios tinham suscitado, os corvos-gárgulas retrocederam.

E se reuniram de lado de fora, numa hora em que a neve começara a cair.

Puseram-se então a discutir o que fazer.

A disputa foi longe e não chegavam a um acordo. Voltar ao teto da catedral? Que horror! Que frio!




Mas fazer chorar um recém-nascido era um crime insuportável!

Finalmente, decidiram voltar à capela, devagarzinho, em boa ordem, calmamente, com silêncio e disciplina.

Quando o Menino os viu, começou a rir. E o fazia a plenos pulmões de gáudio e satisfação.

Os corvos-gárgulas não acreditavam no que viam. Eles, esses monstros alegravam o Menino?

Eles se olharam uns aos outros e atinaram com estupefação que não mais pareciam corvos.
Vendo-as o Menino riu
Vendo-as o Menino riu

A neve que caíra sobre eles do lado de fora os tinha recoberto com seu manto branco.

Vendo-os chegar, a Mãe daquela divina Criança voltou seu olhar com um sorriso apiedado para o tabernáculo, e rogou para que a neve branca e delicada que os cobria nunca mais derretesse.

Se aqueles pássaros não assustaram o Menino era porque sua plumagem tinha ficado suave, sedosa e alva.

Foi assim que numa bela manhã de Natal os habitantes de Dijon viram que as pombas haviam reaparecido voando sobre a catedral.

É por isso também que os guias honestos contam aos turistas que as gárgulas hoje existentes na catedral não são as originais, mas meras cópias.



(Fonte: Sophie e Béatrix Leroy d’Harbonville, “Au rendez-vous de la Légende Bourguignonne”, ed. S.A.E.P., Ingersheim 68000, Colmar, França)




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Santo Natal e Feliz Ano Novo!

Como São Luis IX tratou aos terroristas do “Velho da Montanha”

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São Luís recebe os enviados do chefe da "seita dos Assassinos"
São Luís recebe os enviados do chefe da "seita dos Assassinos".
Nicolas-Guy Brenet (1728 - 1792). Capela da École Militaire. Paris.

A seita do “Velho da Montanha” havia sido fundada por Hassan Ibn el-Sabbah um sacerdote persa zoroastriano que se instalou no Cairo. A seita era conhecida como a dos “Assassinos”, e marcou o Oriente Próximo durante perto de um século.

O terror que ela causava ficou condensado na frase de um poderoso senhor local: “Eu não ouso mais obedecer-lhe nem desobedecer-lhe”.

Um outro senhor que recebeu uma mensagem do “Velho da Montanha” intimando-o a se render, preferiu demolir seu castelo, sabendo estar ameaçado de morte a qualquer momento e ser assassinado em caso de desobediência, tal vez por algum de seus familiares drogado com maconha.

No ano de 1090, os membros da seita ismaelita dos “Assassinos” se apoderaram da fortaleza de Alamut (o “refúgio dos abutres”) nas montanhas da Pérsia.

A partir dali, eles estenderam progressivamente sua influência pela Síria e pela Palestina.

Desde aquele rochedo inexpugnável, logo rebatizado, o “refúgio da riqueza”, os grandes mestres da seita governavam por meio de intermediários.

Pelo fim do século XII, um deles de nome Rachid el-Din el-Sinan, era tão poderoso que negociava de igual a igual com Saladino.

Nunca foi anunciada a morte de algum dos grandes mestres. Visavam assim fazer que os adversários acreditassem que eram imortais.

Os cruzados francos apelidaram o poderoso chefe da seita de “Velho da Montanha”.

Os jovens sem rumo que eram recrutados pela seita dos Assassinos tinham que jurar obediência, ficavam fanatizados e drogados com maconha (haschisch). De ali provinha o nome Haschuschin, que deu o termo “assassino”.

A função do “assassino” consistia em executar todo aquele que se recusasse a pagar tributo ao “Velho da Montanha”.

Para garantir a fidelidade dos “assassinos” o grande mestre mandava drogá-los e conduzi-los a uns jardins maravilhosos ao pé dos muros de sua fortaleza.

Lá, no meio de fontes e flores, mulheres pagas se ofereciam a eles.

Quando “acordavam”, os esbirros garantiam a eles que tinham tido um antegosto do Paraíso de Alá!

Enganados, eles não temiam morrer ou mesmo serem despedaçados, e obedeciam cegamente.

Os “assassinos” eram tão cruéis que seus inimigos ficavam aterrorizados.

Onde eles estavam ativos, ninguém podia se considerar seguro, nem os camponeses árabes, nem os peregrinos francos, nem os poderosos senhores, nem mesmo os reis.

Uma madrugada, um sultão hostil à seita acordou com um punhal cravado na cabeceira da cama.

Horrorizado pela sinistra advertência, ele aceitou logo pagar o tributo e exonerou os “assassinos” de pedágios e impostos em seus domínios.

Quando São Luis IX desembarcou em Oriente, os Assassinos eram uma potência inevitável.

O velho da montanha droga seus discípulos.
Biblioteca Nacional da França, departamento dos Manuscritos, Français 2810, fol 17
Aliás, já na III Cruzada, heróis como Raimundo de Trípoli e Conrado de Montferrato tiveram que entrar em certo acordo com a seita e engajaram conversações.

O Velho da Montanha reinava sobre um vasto território, mas mantinha relações de boa vizinhança com os cristãos.

Ele praticava um Islã cismático aos olhos dos outros muçulmanos. Estava constantemente em guerra com seus correligionários e chegou a se opor violentamente aos sucessores de Saladino.

Quando soube da derrota dos cruzados em Mansourah, em fevereiro de 1250, o Velho da Montanha enviou mensageiros a São Luis IX, para que ele também lhe pagasse tributo.

“Os príncipes que vos precederam – mandou dizer o misterioso chefe da seita – como o rei da Hungria ou o imperador da Alemanha pagaram tributo ao sheik Al-Jabal para tê-lo como amigo, tu que foste vencido deves fazer a mesma coisa”.

E para mostrar o poder de seu mestre, os embaixadores exibiram a faca símbolo de sua força, e o lençol em que enterravam suas vítimas.

O rei da França não só recusou o pagamento, mas exigiu “receber antes de quinze dias cartas e presentes de amizade”.

A firmeza do Santo impressionou o grande mestre dos Assassinos.

Duas semanas depois, ele fez chegar ao rei da França seu anel e sua própria camisa “porque a camisa está mais perto do corpo que qualquer outra peça do vestiário, assim o Velho mestre quer estar mais perto do rei franco do que qualquer outro”.

E para dar mais força à seus sinais de amizade, lhe enviou também suntuosos presentes: um jogo de xadrez feito de âmbar perfumado e um elefante e uma girafa de cristal.

Em troca, São Luis lhe ofereceu joias e legou um embaixador permanente: o frade dominicano Yves Le Breton.

Esse religioso eminente selou uma verdadeira aliança entre seu rei e o grande mestre dos Assassinos.

A história dessa seita penetra o presente.

Só os mongóis de Hulagu conseguiram vencer o Velho da Montanha e se apoderar da fortaleza de Alamut, em 1256.

Desde então, a seita se dispersou pela Síria, Líbano, Irã e Índia.

Porém, a seita ismaelita subsiste, e os descendentes dos grandes mestres ainda são venerados em nossos dias na pessoa do Agha Khan.

(Fonte: Louis IX et le “Vieux de la Montagne”, http://chrisagde.free.fr/capet/l9hommes.php3?page=4)




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Como tratar os terroristas: o exemplo de São Luís e o “Velho da Montanha” (2)

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San Luis recebe em Acre os enviados do Velho da Montanha. Georges Rouget (1783-1869) Palácio de Versailles.
San Luis recebe em Acre os enviados do Velho da Montanha.
Georges Rouget (1783-1869) Palácio de Versailles.

“A História é a mestra da vida”, disse Cícero. No momento em que a França e a Europa discutem como responder à provocação terrorista, é esclarecedora a resposta dada por São Luís aos enviados do “Velho da Montanha”, chefe da seita dos Assassinos.

No post anterior já tratamos deste fato histórico: Como São Luis IX tratou aos terroristas do “Velho da Montanha”

Achamos também a descrição do mesmo fato feita por um eminente historiador que acrescenta novos e elucidativos aspectos. Por isso o transcrevemos aqui.

O historiador Henri Wallon (1812-1904) descreve a recepção, baseado nas Memórias do príncipe de Joinville, companheiro de armas de São Luís IX na Primeira Cruzada e historiador máximo do santo rei:

“Durante seu estágio em São João de Acre, ele recebeu os mensageiros do ‘Velho da Montanha’.

“A cena narrada por Joinville lança intensa luz sobre o terror que esse estranho déspota espalhava no mundo por meio de cegos algozes obedientes às suas ordens, e o ascendente que nossas ordens religiosas e militares haviam inculcado no próprio chefe desses fanáticos, desafiando a morte. São Luís bem que merecia pô-lo também a seus pés.

“Ele recebeu os mensageiros na saída da Missa. Estes se apresentaram nesta ordem: à testa, um emir ricamente vestido; atrás dele um assassino, que levava três facas enfiadas uma na outra: a folha da segunda entrava na bainha da primeira, e a da terceira na segunda. Símbolo de morte inevitável: o primeiro assassino deveria ser sucedido pelo segundo, e este pelo terceiro, até o cumprimento da sentença.

“Ao mesmo tempo era sinal do desafio ao rei, e do destino que ele teria em caso de recusa. Atrás vinha um outro, que trazia um lençol envolto em seu braço, como para enterrar aquele que o punhal de seu companheiro ia atingir.

O rei convidou o emir a falar:

— Meu senhor, disse o emir, encomenda-me perguntar-vos se vós o conheceis?

— Não, respondeu tranquilamente São Luís, porque nunca o vi, mas ouvi falar dele.

Um agente do Velho da Montanha (turbante branco) assassina o vizir Nizam-al-mulk. Museu de Topkapi, Estambul
Um agente do Velho da Montanha (turbante branco em pé)
assassina o vizir Nizam-al-mulk. Museu de Topkapi, Estambul
— Posto que vós ouvistes falar dele, respondeu o emir, espanto-me que não tenhais enviado algo de vossa parte para tê-lo como amigo, como o faziam todos os anos o imperador da Alemanha, o rei da Hungria, o sultão de Babilônia e outros, certos de que só poderiam viver enquanto aprouvesse ao meu senhor. Se vós não quiserdes pagar, liberai-o ao menos do tributo que ele deve ao Hospital e ao Templo.

Esse feroz potentado, diante do qual o mundo tremia, de fato pagava um imposto às Ordens do Hospital e do Templo: o que podia ele sobre os grandes mestres dessas ordens, que tão logo fossem assassinados seriam substituídos por outros? Teria sido em vão enviar seus assassinos.

O rei disse ao emir que voltasse após o jantar.

Quando ele voltou, encontrou São Luís sentado entre o Mestre do Hospital e o Mestre do Templo. E o rei lhe disse então que repetisse o que havia dito pela manhã.

O emir respondeu que só o faria diante daqueles que estiveram com o rei pela manhã. Ao que os dois Grandes Mestres disseram:

— “Nós te ordenamos que fales”.

O emir obedeceu e os dois lhe ordenaram que fosse ter com eles no dia seguinte no Hospital.

Ele foi. Os dois Mestres então lhe disseram que o Velho da Montanha tinha ousado demais fazendo o rei ouvir tais palavras.

— Se não fosse pelo amor ao nosso rei, acrescentaram, nós teríamos feito afogar todos os três nas águas sujas do mar de Acre, a despeito de teu senhor. Nós te ordenamos que voltes junto a ele, e que, dentro de quinze dias, retornes, trazendo da parte de teu senhor cartas de fidelidade e joias tais que satisfaçam o rei”.

Ruínas de Alamut, fortaleza do Velho da Montanha, Irã
Ruínas de Alamut, fortaleza do Velho da Montanha, Irã
Na quinzena, os mensageiros voltaram, trazendo como presente a camisa do Velho da Montanha.

“Como a camisa é a veste mais perto do corpo, assim, disseram eles, o Velho quer ter o rei mais perto de seu amor, mais do que qualquer outro rei”.

O sheik também lhe enviava outros símbolos de sua amizade, junto com mais presentes: um anel de ouro muito fino onde estava escrito seu nome, em sinal de seus desponsórios com o rei, com quem queria ser um só a partir de então; um elefante e uma girafa de cristal, maçãs em diversos tipos de cristais; jogos de xadrez e dominó de âmbar, com o âmbar ligado ao cristal com belas filigranas de ouro fino.

O rei ficou contente com esse ato de submissão e não quis ser superado em generosidade: enviou joias, panos de púrpura, taças de ouro e freios de prata ao Velho da Montanha.

Enviou também o Irmão Yves, um bretão que conhecia a língua do país, o mesmo que mandara como embaixador junto ao sultão de Damasco. Pensava provavelmente converter o chefe dos Assassinos.

Esse bom religioso tentou fazê-lo, mas, como Joinville dá a entender, inutilmente, transmitindo uma imagem da corte do Velho própria a desencorajar quem for.

Quando o Velho cavalgava, diante dele ia um arauto com um machado dinamarquês de cabo comprido todo recoberto de prata e eriçado de facas; e o arauto bradava: “Afastai-vos diante daquele que tem em suas mãos a morte dos reis”.

(Autor: Henri-Alexandre Wallon, Saint Louis et son temps, Hachette, Pais 1878, capítulo XI, p. 221-223)



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A epopeia gloriosa de Santa Joana d’Arcentra pelo III milênioSanta Joana d’Arc – 1

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Santa Joana d'Arc: estátua em Paris, do escultor Frémiet
Estátua em Paris, de Frémiet


Em 6 de janeiro de 2012 comemorou-se o sexto centenário do nascimento de Santa Joana d’Arc na hoje quase esquecida aldeia de Domrémy-la-Pucelle, na França.

Pastorinha chamada por Deus para realizar um feito sem igual no Novo Testamento, ela restaurou a França, país então sem esperança, arruinado pelo caos político-religioso e ocupado em larga medida pelos ingleses.

Reinstalou no trono o rei legitimo e levou à vitória seus desanimados exércitos.

Considerada como profetisa do Novo Testamento, a santa gravou o nome de Jesus na bandeira com que conduzia as tropas ao combate.

Dois séculos e meio depois, o Sagrado Coração viria pedir a Luis XIV, rei da França, mediante aparição à vidente Santa Margarida Maria Alacoque, que gravasse sua imagem nas bandeiras reais.

Aprisionada por ocasião de uma escaramuça, Santa Joana d’Arc foi julgada por um tribunal iníquo que a condenou a ser queimada como bruxa na cidade de Rouen, em 1431.

Hoje, porém, a história da santa, canonizada em 1920, faz vibrar o mundo.

Muitos eclesiásticos e inúmeros de seus devotos estão certos de que sua missão não terminou.



Pelo contrário, que a santa vai continuá-la em nossos dias, comandando do Céu a restauração da Igreja e da sociedade temporal. Ideia que explica a incrível retomada de interesse pela Donzela de Domrémy.

Catedral de Orleans enfeitada pelo 600º aniversário da nascença
Catedral de Orleans enfeitada pelo 600º aniversário da nascença
Quem foi Joana d’Arc e como eram as vozes do Céu que ouvia? Como fez o que parecia impossível?

Leiamos suas palavras, que expõem a proeza que realizou, seu martírio e sua missão póstuma, registrados no processo que a condenou.

Analisemos também os depoimentos de muitos que a viram em pessoa.

Com esses dados reconstituiremos não toda a sua história, mas alguns momentos-chave da odisseia da virgem-guerreira.


Santa Joana d’Arc enfrenta um tribunal ilegítimo

Numa escaramuça junto às muralhas de Compiègne, Santa Joana d’Arc foi aprisionada e vendida aos ingleses que haviam invadido a França.
Orleans comemorou o 600º aniversário da nascença de Santa Joana d'Arc
Orleans comemorou o 600º aniversário da nascença da Santa

Estes queriam condená-la como bruxa para tentar vencer a fabulosa reação que ela inspirou.

Porém, como simples militares, eles não tinham meios para realizar isso. Necessitavam recorrer a maus religiosos do país ocupado.

Promoveram então a instalação de um tribunal composto por mais de 50 eclesiásticos e legistas dirigidos pelo bispo de Beauvais, D. Pierre Cauchon.

Este tribunal, que a condenou em 1431, era destituído de qualquer competência jurídica, civil-criminal ou canônica.

As palavras da santa e de seus injustos interrogadores foram registradas com minúcia pelos escreventes do tribunal.

Anos depois, num processo concluído em 1455 e validamente conduzido, as legítimas autoridades civis e eclesiásticas declararam nulo o processo contra a santa, cuja memória reabilitaram.

(O processo redigido em latim e francês antigo, foi traduzido pelo monge beneditino R. P. Dom H. Leclercq (1906) e reeditado pelas Éditions Saint-Remi (2005). O trabalho inclui os depoimentos escritos de diversas testemunhas apresentados no processo de reabilitação. Texto completo do processo usado para esta série em: http://www.abbaye-saint-benoit.ch/saints/jeanne/index.htm.).

Por fim, um processo de beatificação realizado no século XX constatou a heroicidade de suas virtudes, e Bento XV a canonizou em 1920.

O Bispo Cauchon, chefe do tribunal

O advogado Nicolas de Bouppeville, contemporâneo de Santa Joana d’Arc, depôs da seguinte forma sobre o presidente do tribunal:

“Eu jamais acreditei que o bispo de Beauvais estivesse engajado no processo pelo bem da Fé ou por zelo da Justiça. Ele obedecia simplesmente ao ódio que lhe inspira o devotamento de Joana ao rei da França; longe de capitular diante do medo aos ingleses, ele não fez senão executar sua própria vontade. Eu o vi relatar ao regente [o duque de Bedford] e a Warwick suas negociações para comprar Joana; ele não continha seu contentamento e falava com animação”.

O escrevente Guillaume Manchon registrou:

“Numa sessão, Frei Isambard dirigiu-se a Joana, tentando orientá-la e informá-la sobre o alcance da submissão à Igreja. ‘Calai-vos, em nome do diabo’, interrompeu o bispo aos berros”.

O bispo Cauchon estava tomado de ódio e espírito democrático contra a Santa
O bispo Cauchon: tomado de ódio e filosofia igualitária contra a Santa
Um dos agentes do bispo foi o cônego da catedral de Rouen, Nicolas Loyseleur, que fingia simpatizar com Carlos VII e com a Donzela, a quem dava continuamente péssimos conselhos.

D. Cauchon autorizou a santa a confessar-se somente com ele. Foi um dos signatários da condenação e até propôs que a santa fosse torturada.

Sobre ele, testemunhou o escrivão Guillaume Boisguillaume: “Eu acredito que o bispo de Beauvais estava bem a par da situação; sem ele Loyseleur não teria ousado agir como o fez. Muitos assessores do processo murmuravam isso”.

Jean d’Estivets, promotor no processo, também entrou disfarçado na prisão de Joana, declarou Boisguillaume.

“Esse d’Estivet teve a função de promotor e, no caso, mostrou-se muito apaixonadamente favorável aos ingleses, que ele queria agradar. Ele dirigia injúrias ferozes contra Joana. Acredito que Deus o puniu na hora da morte, pois foi encontrado num brejo às portas de Rouen. Aliás, ouvi dizer, como fato de domínio público, que todos os que condenaram Joana pereceram miseravelmente. Foi o caso do clérigo Nicolas Midi (da Universidade Paris, que pronunciou o sermão na hora de Joana ser queimada), atingido pela lepra poucos dias depois, e do bispo Cauchon, que morreu subitamente enquanto fazia a barba”.

Em 24 de fevereiro, enquanto era interrogada, a Donzela pediu licença para falar e disse ao bispo:

– “Eu vos digo: prestai atenção no que vós tentais, porque vós sois meu juiz e assumis uma pesada carga tentando me inculpar”.

Cauchon: “Chega, eu exijo, jura!”.

Santa Joana: “Eu direi com todo gosto o que eu sei, mas não tudo agora. Eu venho da parte de Deus e não tenho nada a fazer neste tribunal. Eu vos rogo que me mandeis de volta a Deus, de quem eu venho”. E acrescentou:

– “O que eu sei bem, é que hoje, quando acordei, a voz me disse para responder com intrepidez. [E voltando-se para D. Cauchon :] Vós, ó bispo, dizeis que sois meu juiz; prestai atenção naquilo que estais a fazer, pois em verdade eu fui enviada da parte de Deus e vós vos colocais num grande perigo”.

continua no próximo post

Video: Santa Joana d'Arc entra em Orléans
(música dos arqueiros escoceses de Robert Bruce)






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Tribunal tenta enganar a heroína. Santa Joana d’Arc – 2

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Procura de pretextos

O tribunal devia declará-la ré de contatos com o demônio para desmoralizar sua imensa fama. D. Cauchon procurava um pretexto para declará-la herética, tendo-lhe exigido várias vezes: “Fala teu Pai Nosso”. A santa respondia sempre: “Ouvi-me em confissão, eu vo-lo direi com muito gosto”.

Incomodado pelo pedido, respondeu encolerizado o mau eclesiástico: “Joana, você está proibida de sair da prisão sem nossa aprovação, sob pena de ser assimilada a um culpado convicto de heresia”.

– “Eu não aceito essa proibição. Se eu fugir, ninguém terá direito de dizer que violei a palavra dada porque não a engajei a pessoa alguma”.

– “Em meu país [Domrémy, Lorena] me chamam de Joaninha. Na França, desde que cheguei me chamam de Joana. Minha mãe me ensinou o Pai Nosso, a Ave Maria e o Credo. Eu não aprendi minha fé de mais ninguém senão de minha mãe”.

As vozes sobrenaturais que ela ouvia todos os dias desde o início de sua missão foram um dos pretextos para tentar fazê-la cair em erro ou contradição.

– “Quando é que você começou a ouvir as vozes?”

– “Eu tinha 13 anos quando ouvi uma voz de Deus para ajudar-me a conduzir-me bem. Da primeira vez eu tive muito medo. Esta voz vinha ao meio-dia, durante o verão, no jardim de meu pai”.

A casa de Santa Joana d'Arc em Domremy
A casa de Santa Joana d'Arc em Domremy
– “Eu ouvi essa voz proveniente do lado direito, do lado da igreja, e raramente ela chegava até mim sem ser acompanhada de uma grande luminosidade. Tal luminosidade vinha do lado da voz. E desde que cheguei à França, ouço a voz com frequência. Se eu estivesse numa floresta, também ouviria essas vozes”.

– “Como era a voz?”.

– “Era uma voz bem nobre e acredito que era enviada da parte de Deus. Na terceira vez que eu a ouvi, percebi que era a voz de um anjo. Ele sempre me protegeu. Eu era uma pobre menina que não sabia cavalgar nem fazer a guerra”.

– “E você ouve frequentemente a voz?”.

– “Não há dia que não a ouça, e também sinto muito necessidade dela”.

A “Árvore das Fadas” em Domrémy

Não longe de Domrémy havia uma velha e frondosa árvore chamada “Árvore das Fadas”, onde as crianças se reuniam para brincar, A camponesa Hauviette, casada com um homem do povo de nome Gérard, assim descreveu essa árvore:

– “Havia desde tempos antigos na nossa região uma árvore apelidada “Árvore das Damas”. Os anciãos diziam que ela estava assombrada por damas chamadas fadas. Entretanto, jamais ouvi falar de alguém que tivesse visto as fadas. As crianças da aldeia, mocinhas e rapazes, iam até a “Árvore das Damas” levando pães e nozes, e também à fonte das Groselheiras, no domingo de Laetare Jerusalem, que nós denominamos domingo das Fontes. Lembro-me ter ido com Joaninha, que era minha colega, e outras meninas. Nós comíamos, corríamos e brincávamos”.

Fonte junto à "Árvore das Fadas"
Fonte junto à "Árvore das Fadas"
D. Cauchon voltava ao assunto com insistência obsessiva, e a malícia do tribunal aumentava.

Interrogador: “Então, a voz vos proíbe dizer tudo?”.

Santa Joana: “Eu tive revelações relativas ao rei que não vos contarei”.

Interrogador: “Mas essa voz a que você pede conselho tem rosto e olhos?”.

Santa Joana: “Vós não extorquireis de mim o que quereis. Há um ditado das crianças segundo o qual as pessoas acabam enforcadas por terem dito a verdade”.

As vozes ouvidas pela Donzela

Em 27 de fevereiro houve o quarto interrogatório público. O tribunal ocupou-se das aparições de Santa Catarina de Alexandria e Santa Margarida de Antioquia, pelas quais a Donzela tinha grande devoção.

Interrogador: “Como é que você sabe que estas são duas santas? Você distingue bem uma da outra?”.

Santa Joana: “Eu distingo bem uma da outra pela saudação que elas fazem. Elas enunciam seu nome”. E acrescentou:

– “Eu também recebo conforto de São Miguel”.

Interrogador: “Qual foi a voz que você ouviu primeiro?”.

– “Foi a de São Miguel. Vi-o com meus olhos e ele não estava sozinho, mas muito bem acompanhado pelos anjos do Céu”.

Interrogador: “Você viu São Miguel e os anjos como corpos reais?”.

– “Eu os vi com os olhos de meu corpo tão bem quanto eu vos vejo. Quando eles partiram, eu chorei e desejei muito que eles me levassem consigo”.

Interrogador: “Eles estavam nus?”.

– “O Sr. julga que Deus não tem com que vesti-los?”.

Interrogador: “Que efeito produzia sua presença?”.

– “Vendo-os eu sentia uma grande alegria, e ao vê-los parecia que eu não estava em pecado mortal”.

Interrogador: “Você se julga isenta de pecado mortal?”.

– “Se eu estou em estado de pecado mortal é sem sabê-lo”.

São Miguel, Santa Catarina e Santa Margarida falavam à Santa
São Miguel, Santa Catarina e Santa Margarida falavam à Santa
Interrogador: “Mas quando você se confessa, você não acredita estar em pecado mortal?”.

– “Eu não sei se alguma vez estive em estado de pecado mortal. Acredito não ter praticado más obras. Deus queira que jamais eu tenha caído em semelhante estado! Deus não permita que eu faça uma ação que pese sobre a minha alma!”.

Interrogador: “Você sabe se você está em estado de graça?”.

– “Se eu não estou, que Deus me restaure; e se estou, que Deus me mantenha nele! Eu seria a pessoa mais infeliz do mundo se soubesse que não estou na graça de Deus. Mas se eu estivesse em estado de pecado, acredito que a voz não se dirigiria a mim. Eu desejaria que cada um a ouvisse tão bem quanto eu a ouço”.

No dia 1º de março, os interrogadores voltaram ao assunto.

Interrogador: “Desde a última terça-feira você conversou com Santa Catarina e Santa Margarida?”.

– “Ontem e hoje. Não há dia que não as ouça. Eu as vejo sempre da mesma forma e suas cabeças estão muito ricamente coroadas. A voz delas é boa e bela, eu escuto-as muito bem. É uma bela, doce e humilde voz, e exprime-se em francês”.

Interrogador: “Mas, então, Santa Margarida não fala em inglês?”.

– “Mas como ia ela falar inglês, se não é do partido dos ingleses?”. O interrogador mudou de assunto.

Interrogador: “Você tem anéis?”.

– (Dirigindo-se a D. Cauchon): “Vós, senhor bispo, tendes um que é meu; devolvei-mo”.

Interrogador: “Mas você não tem outro?”.

– “Os borguinhões têm outro que é meu. Mas vós, senhor bispo, mostrai meu anel, se vós o tendes”.

O bispo silenciou.

continua no próximo post




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Missão profética da Donzela de OrleansSanta Joana d’Arc – 3

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As vozes e o rei da França

D. Cauchon prometera aos ingleses que faria Joana cair em suas rédeas. Estes, por sua vez, precisavam comprovar que as vozes – que guiaram todo o percurso épico e empolgante da Santa – provinham do demônio.

Essas vozes sobrenaturais levaram a Donzela de início até o pretendente legítimo ao trono da França, o qual se encontrava no castelo de Chinon.

Quando ela entrou para falar com ele, um cavaleiro riu de sua virgindade. O confessor de Joana, Pe. Jean Pasquerel, viu o fato:

“‘Ah! – disse-lhe Joana – em nome de Deus, renega isso, tu que estás tão próximo da morte!’. Menos de uma hora depois, esse homem caiu na água e se afogou”.

É bem conhecido o episódio ocorrido depois: a fim de testar a autenticidade da missão da Pucelle, o rei colocou um cortesão no lugar em que se encontrava e fingiu ser apenas um dos presentes.

A santa não hesitou. Dirigiu-se diretamente a ele, dizendo:

Santa Joana d'Arco, profetisa do Novo Testamento
Santa Joana d'Arco, profetisa do Novo Testamento
“Gentil Delfim, meu nome é Joana, a Donzela. O Rei dos Céus vos manda dizer por meu intermédio que sereis sagrado e coroado em Reims, e tornar-vos-eis o lugar-tenente do Rei dos Céus que é o Rei da França”.
O rei dirigiu-lhe muitas perguntas. No fim, Joana insistiu:

“Eu vos digo da parte de meu Senhor que vós sois o verdadeiro herdeiro da França e filho de rei, e Ele me envia a vós para vos conduzir até Reims a fim de que recebais vossa coroação e sagração, se vós tendes vontade disso”.

A situação de Carlos VII era miserável até do ponto de vista moral.

Ele duvidava até mesmo ser filho de seu pai, devido à vida desregrada da mãe. E pedira a Deus luzes sobre a dúvida.

Após o encontro, o rei confidenciou que Joana lhe falou sobre coisas secretas que ninguém sabia nem podia saber, com exceção de Deus.

O monarca acreditou então na providencialidade da Donzela.

Seu estandarte inspirava coragem e pavor

“Em Blois ela mandou confeccionar um estandarte onde nosso Salvador, como Juiz supremo, estava sentado num trono sobre as nuvens do céu. Havia um anjo em cujas mãos havia uma flor de lis [símbolo da monarquia francesa] que o Salvador abençoava.

“Todos os dias, de manhã e de tarde, Joana reunia os sacerdotes em volta desse estandarte e os mandava cantar antífonas e hinos em honra da bem-aventurada Virgem Maria. Na ocasião, jamais permitia a presença de homens de armas se antes não tivessem se confessado; ela convocava todos eles a se confessarem e virem à reunião, pois os padres estavam dispostos de bom grado a receber todos os penitentes”.

Há diversas descrições da bandeira.

A Santa a descreveu assim:

“Eu empunhava uma bandeira com o campo semeado de flores de lis. Havia a figura do mundo com dois anjos a seus lados. Era de pano branco, do tipo chamado de boucassin. Nela estava escrito Jesus Maria e a bandeira tinha uma franja de seda”.

“Eu mesma levava essa bandeira quando atacava os inimigos, a fim de evitar matar alguém. Jamais matei um homem”, explicou ela ao tribunal.

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Uma donzela que desfez o melhor exército da época Santa Joana d’Arc – 4

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As vozes no campo de batalha

O príncipe Jean de Valois (1409-1476), duque de Alençon, chefe dos exércitos reais, foi uma dos mais importantes testemunhas da condução de Santa Joana d’Arc na guerra. Ele a acompanhou lado a lado nos principais episódios de sua epopeia.

Quando a santa entrou na Guerra dos Cem Anos, o pretendente inglês e seu aliado, o Duque de Borgonha, dominavam grande parte da França.

Carlos VII, o legítimo pretendente à coroa francesa, era apelidado de “reizinho de Bourges”, de tal maneira seu território estava reduzido. Seu exército estava dizimado, desmoralizado, mal vestido e mal alimentado.

A batalha decisiva travava-se em volta de Orleans, sobre o rio Loire. A cidade era fiel a Carlos VII, mas os ingleses construíram bastiões e linhas que impediam levar alimentos e munições aos defensores. Orleans ia cair pela fome.

“Tendo visto depois as fortificações construídas pelos ingleses, posso dizer que os bastiões do inimigo foram tomados mais por milagre do que pela força das armas. Isso é verdadeiro, sobretudo quanto ao forte de Les Tourelles, na extremidade da ponte, e ao forte dos Agostinianos”, declarou o príncipe Jean.

Jean de Orléans (1402–1468), conde de Dunois e Mortain, mais conhecido como ‘Dunois’ ou o ‘bastardo de Orleans’, comandante da cidade sitiada, declarou: “Eu acredito que Joana foi enviada por Deus. Seus feitos e gestos na guerra me parecem proceder não da indústria humana, mas de conselho divino”.

Era urgente levar mantimentos à cidade sitiada. O único caminho possível era pelo rio Loire, mas o vento não era favorável. O comando francês decidiu adiar a expedição. Conta Dunois ter dito a Joana:

“Eu e outros mais sábios que eu convocamos um conselho, acreditando que isso [o adiamento] era o melhor e mais seguro”.

“Em nome de Deus, replicou Joana, o conselho de Nosso Senhor é mais seguro e sábio que o vosso. Vós acreditáveis me enganar, e vós vos enganastes a vós mesmos; pois eu trago um auxílio melhor do que jamais cidade ou cavalheiro algum recebeu no mundo, posto que é o auxílio do Rei dos Céus. Ele vos chega por causa de meu amor por vós, mas procede do próprio Deus que, a pedido de São Luís e de São Carlos Magno, teve pena da cidade de Orleans e não quer que os inimigos se apoderem do corpo do duque e de sua cidade”.

“Imediatamente e como que no mesmo instante, o vento contrário – que tornava muito difícil aos navios de víveres subir o rio na direção de Orleans – virou e ficou favorável”.

Santa Joana fez uma gloriosa entrada em Orleans com o exército francês no dia 29 de abril de 1429.

Dunois ficou pasmo vendo depois a Donzela esmigalhar o cerco inglês com soldados desmoralizados:

“Eu afirmo que até esse momento 200 ingleses punham em fuga 800 ou 1000 dos nossos. Mas nos bastaram 400 ou 500 homens de guerra para lutar contra todo o poder dos ingleses; e impusemos tanto respeito aos sitiantes, que eles não ousavam sair dos bastiões que lhes serviam de refúgio”.

Em 4 de maio de 1429, a santa impulsionou a conquista do bastião de Saint-Loup, vitória que reanimou os abatidos franceses.

Na festa da Ascensão, narra Dunois:

“[A Donzela] dirigiu aos ingleses uma carta impositiva, [...] dizendo-lhes que levantassem o cerco e voltassem para a Inglaterra, porque do contrário ela lançaria um grande assalto e os forçaria a irem embora: ‘Vós, homens da Inglaterra, que não tendes nenhum direito sobre o reino da França, o Rei dos Céus vos manda e ordena por meu intermédio, Joana, a Donzela, que deixeis vossas bastilhas e volteis a vosso país. Se não eu farei de vós uma coisa tão espantosa que ficará para perpétua memória. Eis o que vos escrevo pela terceira e última vez, eu não vos escreverei mais.

“JESUS MARIA, Joana a Donzela’.

“Após escrever, Joana pegou uma flecha, amarrou nela a carta com um fio e ordenou a um arqueiro lançá-la aos ingleses, gritando: ‘Lede, são notícias’”. 

Os ingleses a receberam, leram-na e vociferaram as piores injúrias contra a virgem.

Após a conquista do grande bastião dos agostinianos, restava assaltar o bastião de Les Tourelles, sede do comando inglês.

Dunois declarou:

“Contarei outro fato, no qual vejo igualmente o dedo de Deus. Em 27 de maio iniciamos bem cedo o ataque. Joana foi ferida por uma flecha, que atravessou sua carne entre o pescoço e as costas, saindo mais de 15 centímetros. Joana não se retirou da batalha nem aceitou tratamento da ferida. O assalto durou desde a manhã até as oito horas da noite. Nessas condições não havia nenhuma esperança de vencer naquele dia. Eu opinava pela retirada do exército e pelo retorno a Orleans. A Donzela pediu-me aguardar ainda um pouco. Ao mesmo tempo, ela montou a cavalo e se retirou até um vinhedo, permanecendo sozinha em oração durante meio quarto de hora. Depois voltou, pegou nas mãos seu estandarte e posicionou-se sobre as bordas do fosso, espicaçando o inimigo. Vendo-a os ingleses tremiam, tomados de pavor. Os soldados do rei recuperaram a coragem e correram para a escalada da muralha. O bastião foi tomado sem resistência; os ingleses que ali estavam fugiram, mas pereceram todos”.

“[Sir William] Glasdale e os principais capitães acreditaram poder se retirar na torre da ponte de Orleans. Porém, eles caíram no rio e se afogaram. Esse Glasdale era o homem que se referia à donzela do modo mais injurioso, vilão e ignominioso”. Os ingleses abandonaram o sítio.

Ordens do Céu em Jargeau e Patay

Os ingleses reagruparam-se sob as ordens do duque de Suffolk em Jargeau, a 15 quilômetros de Orleans, aguardando reforços. Seu número era muito grande, mas a santa convenceu os franceses a partirem para a ofensiva.

“Joana nos disse: ‘Não temais, qualquer que seja a multidão deles: não hesiteis em atacar os ingleses, Deus conduz nosso exército”, narrou o duque de Alençon.

Na hora do ataque, a santa disse ao príncipe: “Adiante, gentil duque, ao ataque!”. “Eu achava que procedendo apressadamente na acometida nós nos precipitávamos, mas Joana me disse: ‘Não duvideis. A boa hora é quando Deus quer. É preciso lutar quando Deus quer. Lutai, e Deus lutará por vós’.

“Joana – prossegue o duque de Alençon – partiu ao assalto, e eu com ela. Joana subiu numa escada levando na mão o estandarte. Joana e o estandarte foram atingidos por uma pedra que caiu sobre seu elmo. O impacto a jogou por terra. Ela se levantou e disse aos homens de armas: ‘Amigos, amigos, subi! Subi! Nosso Senhor condenou os ingleses. Nesta hora eles são nossos, tende muita coragem!’

Jargeau foi tomada na hora”.

Conduzidos pela santa, os franceses conquistaram ainda outras cidades. Reforçado por Sir John Fastolf, o exército inglês, vindo de Paris, se concentrou na planície de Patay.

Era o melhor exército da época, excelente em batalhas abertas, dominava a técnica dos arcos, a arma mais temida. Os capitães franceses La Hire e Xantrailles estavam certos de que não os superariam.

“Mas, testemunhou o duque de Alençon, Joana disse: ‘Em nome de Deus, é preciso combatê-los. Ainda que eles estejam em posição tão alta quanto as nuvens nós os derrotaremos, porque Deus nos envia para que os castiguemos.’

Ela afirmava sua certeza da vitória. ‘O gentil rei, dizia, hoje terá a maior vitória que há muito tempo ele não teve’.

De fato, o inimigo foi feito em pedaços sem grande dificuldade. Talbot [comandante inglês], entre outros, foi feito prisioneiro. Houve grande mortandade entre os ingleses”.

continua no próximo post: Sagração do rei em Reims




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Sagração do rei em Reims Santa Joana d’Arc – 5

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Vontade de Deus: sagrar o rei em Reims

O rei Carlos VII encontrava-se em Loches quando lhe chegou a notícia da libertação de Orleans. Em sua companhia encontravam-se vários nobres e bispos. Joana bateu na porta. Dunois narra o fato:

“Quase imediatamente ela entrou e se pôs de joelhos e, enquanto abraçava as pernas do rei, disse: ‘Gentil Delfim, não percais mais tempo em tão intermináveis conselhos, mas vinde a Reims o mais cedo possível para receber a coroa digna de vós’”.

A Corte ficou perplexa e pediu explicações. Joana, segundo Dunois, disse então:

“Concluída minha oração a Deus, ouço uma voz que me diz: ‘Filha de Deus, vai, vai, vai, eu te ajudarei, vai.’ E quando ouço esta voz, sinto uma grande alegria’. E, coisa impressionante, enquanto repetia a linguagem de suas vozes, ela estava num êxtase maravilhoso, fitando o céu.

“Gentil Delfim, ordenai aos vossos sitiar a cidade de Troyes, e não percais mais o tempo em longos conselhos. Pois, em nome de Deus, antes de três dias eu vos farei entrar nessa praça, ou de bom grado e por amor, ou pela força e pela coragem, e grande será o espanto da Borgonha, a falsa”.

Troyes era a grande cidade no percurso até Reims e pertencia ao duque da Borgonha. Vendo chegar o cortejo real, a cidade se aprestou a resistir. Os generais franceses temiam atacar suas muralhas.

Dunois relata que “Joana ergueu sua tenda perto do fosso defensivo e executou diligências tão maravilhosas como não as teriam realizado dois ou três homens de guerra dos mais experientes e famosos. Ela trabalhou de tal modo durante a noite que na manhã seguinte o bispo e os burgueses de Troyes prestaram, cheios de pavor e tremor, vassalagem ao rei. Soube-se depois que, a partir do momento em que Joana disse ao rei para não se retirar diante da cidade, os habitantes perderam toda coragem e não pensaram em outra coisa senão em procurar asilo nas igrejas”.

“Quando alguém lhe dizia: ‘Mas jamais se viu alguém fazer coisas como vós o fazeis; em livro algum se lêem coisas semelhantes’; ela respondia: ‘Meu Senhor tem um livro que jamais clérigo algum leu, nem mesmo os que no clero foram perfeitos’”.

O pretendente chegou a Reims, onde com o nome de Carlos VII foi sagrado rei. A notícia suscitou entusiasmo na França. Era como se Deus em pessoa tivesse decidido a guerra em favor de Carlos VII.

A virgem guerreira no dia-a-dia


O lavrador Colin, morador da cidade natal de Santa Joana, atestou:

“Lembro-me de ter ouvido do nosso antigo pároco daqueles tempos, Pe. Guillaume Fronte, que Joana era boa católica e que jamais ele vira alguém melhor do que ela na paróquia”.

“Joana era pura – conta o duque de Alençon – e odiava muito essas mulheres que acompanham os exércitos. Certo dia, em Saint-Denis, voltando da sagração do rei, eu a vi de espada na mão perseguindo uma jovem prostituta, e até quebrou a espada nessa perseguição.

“Ela fazia questão de vigiar para que as mulheres dissolutas não fizessem parte de seu séquito, pois dizia que Deus permitiria que fôssemos derrotados por causa de seus pecados.

“Ela também se irritava enormemente quando ouvia os soldados blasfemar e os repreendia com veemência. Ela me repreendia especialmente quando eu blasfemava. Quando eu a via, eu parava de blasfemar”, acrescentou o duque.

“Ao anoitecer, Joana – narra Dunois – costumava retirar-se a uma igreja. Mandava tocar os sinos aproximadamente durante meia hora e reunia os religiosos mendicantes que acompanhavam o exército do rei. Então, dedicava-se à oração e fazia cantar pelos frades uma antífona em louvor da Bem-aventurada Virgem, Mãe de Deus”.

“Joana era muito devota de Deus e da bem-aventurada Virgem Maria. Ela se confessava quase todos os dias. [...] Sua grande alegria consistia em comungar com os filhos dos mendigos. Quando se confessava, chorava”, confirmaram diversas testemunhas.

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Juízes venais, filosoficamente igualitários, condenam a santa Santa Joana d’Arc – 6

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Santa Joana d'Arco: o poder vem de Deus  e Deus só o concede aos reis legítimos
Santa Joana d'Arco: o poder vem de Deus
e Deus só o concede aos reis legítimos


continuação do post anterior

A sentença iníqua

Os incríveis sucessos de armas e a sagração do rei em Reims constituíam crimes para os ingleses. Mas esses fatos eram a negação dos erros doutrinários dos legistas reunidos em tribunal sob a égide do bispo Cauchon.

Eles execravam toda ideia de que o poder vem de Deus para os príncipes e defendiam a tese de que ele vem por meio do povo. Santa Joana d’Arc devia ser queimada, concluíam.

Previamente lucubrada, a sentença foi pronunciada em 12 de abril de 1431. Entre outras coisas, dizia:

“Essas aparições e revelações de que ela se ufana e afirma receber de Deus por meio dos anjos e das santas não aconteceram como ela disse, mas constituem decididamente ficções de invenção humana, procedentes do espírito maligno; [...] mentiras fabricadas, inverosimilhanças levianamente admitidas por essa mulher; adivinhações supersticiosas; atos escandalosos e irreligiosos; dizeres temerários, presunçosos e cheios de jactância; blasfêmias contra Deus e os santos; impiedade em relação aos pais, idolatria ou pelo menos ficção errônea; proposições cismáticas contra a autoridade e o poder da Igreja, veementemente suspeitas de heresia e malsoantes [...] ela merece ser considerada suspeita de errar na fé [...] de blasfemar [...]”, etc.

Os juízes um por um aprovaram o acórdão, aduzindo agravantes.

Frei Isambard de la Pierre, O.P., que acompanhou todo o processo, depôs por escrito:

“Os juízes, tanto na condução do processo quanto na elaboração da sentença, procederam mais por malícia e desejo de vingança do que por zelo da justiça”.

No processo foi exigido da virgem guerreira um ato de submissão, ao que ela acedeu. O escrevente Guillaume Manchon perguntou ao bispo Cauchon se devia anotar esse ato. O presidente do tribunal disse que não.
Santa Joana d'Arco: conduzida ao tribunal  presidido pelo bispo Cauchon
Santa Joana d'Arco: conduzida ao tribunal
presidido pelo bispo Cauchon
“Na hora, Joana disse ao bispo: ‘Ah! Vós escreveis bem o que se faz contra mim e vós não quereis escrever o que é por mim’. Acredito que a declaração de Joana não foi registrada e na assembleia se levantou um grande murmúrio”, contou Frei Isambard.

Em parecer favorável à condenação elaborado pela Universidade de Paris, reduto de legistas revolucionários, o tribunal acrescentou uma nova agravante em 23 de maio:

“Por zelo pela salvação de vossa alma e de vosso corpo, eles [os juízes] transmitiram o exame da matéria à Universidade de Paris que é a luz das ciências e a extirpadora das heresias. Após receber as deliberações dessa agremiação, os juízes deliberaram que deveis ser novamente advertida sobre os vossos erros, escândalos e defeitos [...] Não escolhais voluntariamente a via da perdição eterna como os inimigos de Deus que cada dia se esforçam em perturbar os homens, adotando a máscara de Cristo, dos anjos e dos santos, [...] recusai pelo contrário semelhantes imaginações e aceitai a opinião dos doutores da Universidade de Paris e dos outros que conhecem a lei de Deus e as Santas Escrituras”.

Abjuração obtida mediante fraude

No dia seguinte, Santa Joana d’Arc foi conduzida ao cemitério de Saint-Ouen, onde o pregador Guillaume Erard, doutor em teologia, a increpou furiosamente. Depois deblaterou contra Carlos VII:

Cardeal interroga Santa Joana d'Arco na prisão. A sentença fora "arranjada" previamente com os invasores.
Cardeal de Winchester interroga Santa Joana d'Arco na prisão.
A sentença fora "arranjada" previamente com os invasores.
Paul Delaroche, Rouen, Museu des Beaux-Arts
“Carlos, que se diz rei, como herético e cismático que é, ligou-se a uma malfeitora mulher, infame e cheia de toda desonra, e não somente ele, mas todo o clero que lhe obedece”.

Com o dedo em riste contra a santa guerreira, acrescentou: “É a ti, Joana, que eu falo, e eu te digo que teu rei é herético e cismático”.

Ela respondeu: “Pela minha fé, meu senhor, com toda reverência, eu ouso vos dizer e jurar sob pena de minha vida que não há um cristão mais nobre entre todos os cristãos e que melhor ame a Fé e a Igreja, e em nada é o que vós dizeis”.

O pregador voltou-se para Jean Massieu, oficial de justiça, e mandou: “Faça-a calar a boca”.

Por fim, o teólogo apresentou-lhe uma folha com uma fórmula de abjuração. Joana, que não sabia ler, pediu ao mesmo oficial de justiça, Jean Massieu, para que a lesse.

Ele leu e depois garantiu que o texto dizia que a santa não portaria mais armas, nem roupas e cabelos como os homens e outros pontos menores.

O texto tinha no máximo oito linhas. A santa assinou, a execução foi suspensa e ela foi trancada num cárcere.

Porém, os juízes incluíram no processo uma abjuração extensa, na qual Santa Joana se confessava culpada dos crimes hediondos a ela imputados.

O mesmo oficial de Justiça depôs: “[O texto] não era o mesmo mencionado no processo; a fórmula que li e que Joana assinou era diferente da que foi incluída no processo”.

No mesmo dia, uma delegação de juízes foi visitá-la na prisão, insistindo em que não devia usar mais roupas de homem. O golpe já estava urdido.

Violências no cárcere

No domingo da Trindade, segundo depôs o oficial de Justiça Jean Massieu, quando a virgem acordou, “um dos guardas ingleses pegou seus vestidos femininos e jogou uma roupa de homem sobre seu leito, dizendo: ‘Levanta-te’.

Joana se cobriu com o traje de homem e disse: ‘os Srs. sabem que isso me foi proibido. Eu não quero esta roupa’. Mas eles se recusaram a lhe devolver as outras roupas, e o debate durou até meio dia.

Por fim, precisando atender às suas necessidades, ela ficou constrangida de sair fora usando o traje de homem. Quando voltou, eles não quiseram dar-lhe outro, apesar de suas súplicas e solicitações.

Esta retomada das roupas de homem foi a causa de sua condenação como relapsa, uma condenação injusta pelo que eu vi e pelo que eu conhecia de Joana”.
Carcereiros tentam violar a Santa. Fazia parte da manobra arranjada pelos juízes eclesiásticos.
Carcereiros tentam violar a Santa.
Fazia parte da manobra arranjada pelos juízes eclesiásticos.
Frei Isambard de la Pierre O.P. testemunhou que ele e outros ouviram da santa que

“os ingleses a maltratavam e praticavam contra ela violências quando usava roupas femininas. Eu a vi acabrunhada, cheia de lágrimas, desfigurada e mudada, a ponto de ficar com pena dela”. Massieu acrescentou: “Ela me disse que o bispo de Beauvais lhe havia enviado uma carpa, que ela comeu e que ela temia ser essa a causa de seu mal-estar”.

O Pe. Martin Ladvenu O.P. ouviu dela “que após a sua abjuração ela foi torturada na prisão, molestada e surrada, e que um lorde inglês tentou violá-la. Ela dizia publicamente que essa era a causa pela qual retomou o traje de homem”.

O mesmo frade estava na cela quando “entraram o bispo de Beauvais [D. Cauchon] e alguns cônegos de Rouen. Quando ela viu o bispo, disse-lhe: ‘Vós sois a causa de minha morte. Vós prometestes me pôr nas mãos da Igreja e vós me entregastes nas mãos de meus piores inimigos’.

“Na presença de todos, esses eclesiásticos a declararam herética, obstinada e relapsa. Ela disse: ‘Se vós, monsenhores da Igreja, me tivésseis conduzido e guardado em vossas prisões, não teria acontecido isto’”. Na época, existiam cárceres eclesiásticos onde os detentos eram tratados com respeito.

Após a visita, o bispo de Beauvais se dirigiu aos ingleses, que aguardavam do lado de fora:

“’Farewell (adeus); jantem bem, está feito’. Eu mesmo vi e ouvi – continua o Pe. Ladvenu – quando o bispo se regozijava com os ingleses e dizia ao conde de Warwick e a outros diante de todo mundo: ‘Ela foi pega’”.

Tudo acontecera como D. Cauchon desejara.

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A virgem guerreira na fogueira Santa Joana d’Arc – 7

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A Donzela na fogueira

Na segunda-feira, 28 de maio, a santa foi imediatamente conduzida ao tribunal, que formalizou sua condenação final. Dois dias depois, por volta das 9 da manhã, ela foi levada ao local da execução: a Praça do Velho Mercado.

Num estrado estavam os chefes do tribunal – D. Pierre Cauchon, bispo de Beauvais, o juiz Fr. Jean Lemaître O.P., Enrique de Beaufort, cardeal da Inglaterra e os bispos de Thérouanne e de Noyon. O escrevente Guillaume Manchon registrou que

“Joana foi conduzida ao suplício por uma grande escolta de soldados, por volta de 80, armados de espadas e varas. Na praça havia uma formação de 700 a 800 soldados. Eles rodeavam tão estreitamente a Joana que ninguém tinha coragem de lhe falar, com exceção de frei Ladvenu [o confessor] e [o escrevente] mestre Jean Massieu. Eu vi como a subiam à pira”.

Ato contínuo foi lido o acórdão final:
Santa Joana d'Arco levada à fogueira do crime iniquo
Santa Joana d'Arco levada à fogueira do crime iniquo
“Essa mulher, obstinada em seus erros, jamais desistiu sinceramente de suas temeridades e crimes infames. E, indo ainda muito mais longe, mostrou-se evidentemente mais condenável pela malícia diabólica de sua obstinação, fingindo uma contrição falaciosa e uma penitência e emenda hipócritas com perjúrio do santo nome de Deus e blasfêmia de sua inefável majestade. Posto que ela se mostrou obstinada, incorrigível, herética e relapsa – indigna de todo o perdão e da comunhão que nós lhe tínhamos oferecido misericordiosamente na nossa primeira sentença, tudo isso considerado, por resolução e conselho dos numerosos consultores, nós chegamos a nossa sentença definitiva, nestes termos: [...]

“Nós, juízes competentes neste caso, declaramos que tu, Joana, vulgarmente chamada de a Donzela, caíste em diversos erros e crimes de cisma, idolatria, invocação de demônios e muitos outros delitos. [...] nós te declaramos reincidente nas sentenças de excomunhão em que tu primitivamente incorreste, relapsa e herética, e com este acórdão nós te denunciamos e te declaramos membro apodrecido que deve ser amputado e jogado fora do corpo da Igreja para que não infecciones outros membros. Com a Igreja, nós te repelimos, cortamos e abandonamos ao poder secular, rogando a este poder que modere sua sentença sobre ti na hora da morte e da mutilação dos membros...” etc.

A terrível e emocionante execução

Após ouvir pacientemente a condenação, a virgem elevou orações e lamentações tão piedosas que até juízes, bispos e muitos presentes custavam a conter as lágrimas.

Ela encomendou sua alma a Deus, a Nossa Senhora e a todos os santos, pediu perdão pelos juízes e pelos ingleses, pelo rei da França e por todos os príncipes do reino.

Frei Jean Toutmouillé atestou que, voltando-se em direção de D. Cauchon, a santa lhe disse: “Bispo, eu morro por vossa causa”. Ao que, insensível, o prelado revidou: “Joana, tenha paciência, você morre porque não cumpriu o compromisso e você reincidiu em seu primeiro malefício”.

Santa Joana d'Arco: estatua na casa natal em Domremy-la-Pucelle
Santa Joana d'Arco: estatua na casa natal em Domremy-la-Pucelle
– “Eu apelo contra ti na presença de Deus”, foram as últimas palavras desse diálogo.

A pedido da santa, frei Isambard de la Pierre, O.P. segurava uma cruz, pois ela queria ver o símbolo de Jesus até o último instante de sua vida.

“No meio das chamas, contou o frade, ela não parava de invocar em altas vozes o nome de Jesus, implorando a misericórdia e o auxílio dos santos do Paraíso. Ela afirmava que não era nem herética, nem cismática como dizia o acórdão. Com o fogo ardendo, ela inclinou a cabeça e, antes de render o espírito, pronunciou ainda com força o nome de Jesus. O público chorava”.

O Journal de Paris escreveu na época que quando as roupas daquela santa e puríssima virgem se queimaram inteiramente, o carrasco diminuiu o fogo para que o povo a pudesse ver na sua nudez. E após já morta olharem-na à vontade, o carrasco voltou a atiçar o fogo até reduzir seu corpo a cinzas.

Um soldado inglês que a odiava mortalmente jurou jogar um facho de lenha na sua pira, quando ouviu a voz de Joana clamando por Jesus. Ficou então paralisado, como atingido por um raio, e seus colegas o levaram a uma taverna para acordá-lo.

À tarde, arrependido ele acorreu aos padres dominicanos, dizendo-lhes que havia pecado gravemente, e acrescentando que, na hora da morte da Donzela, ele julgou ter visto uma pomba branca saindo dela e partindo em direção da França.

“No mesmo dia – acrescentou Frei Isambard – o carrasco veio até o convento para procurar a frei Martin Ladvenu e a mim. Ele estava tocado e muito emocionado, com espantoso arrependimento e angustiada contrição. Tomado pelo desespero, ele temia nunca obter o perdão e a indulgência de Deus pelo fato de ter feito isso a uma santa mulher. ‘Eu temo muito estar condenado – dizia para nós – porque eu queimei uma santa’.

“Esse mesmo carrasco dizia e afirmava que não obstante o óleo, o enxofre e o carvão que ele aplicou sobre as entranhas e o coração de Joana, não conseguiu que fossem consumidos e reduzidos a cinzas. Ele estava muito perplexo, como se fosse um evidente milagre”, depôs ainda frei Isambard.

continua no próximo post: O grande retorno da heroína santa





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O grande retorno da heroína santa Santa Joana d’Arc – 8

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Segundo uma piedosa tradição o coração de Santa Joana d’Arc ainda palpitava entre as brasas, sendo jogado no rio Sena para fazê-lo desaparecer.

Mas, do fundo das águas, ele continua ainda palpitando e preparando o encerramento da missão da santa profetisa de Domrémy.

Com efeito, Santa Joana d’Arc julgava que sua epopeia não foi senão o sinal de uma grande missão que ela realizaria.

“O sinal que Deus me deu é levantar o sítio dessa cidade e fazer sagrar o rei em Reims” – atestou ter ouvido dela Frei Pierre Seguin O.P. Numa carta aos ingleses, conclamando-os a saírem da França, a heroína escreveu: “Se vós ouvirdes [a Donzela], ainda podereis vir em companhia dela, lá onde os franceses farão a mais bela ação jamais feita pela Cristandade”.

O enigma aumenta ao se considerar uma confidência da santa durante a épica campanha da Ile-de-France: “Quando eu estava sobre os fossos de Melun, me foi dito por minhas vozes que eu seria aprisionada antes da São João”. E após comungar na igreja de Saint-Jacques, ela disse a umas crianças:

“Meus filhinhos, eu fui vendida e traída. Logo serei entregue à morte. Rogai a Deus por mim, pois eu não mais poderei servir ao rei e ao reino de França”.

Teria ficado truncada sua missão? Teriam errado as vozes? A pergunta soa ofensiva contra Deus, fonte última dessas vozes sobrenaturais.

Em seu livro La Mission Posthume de Sainte Jeanne d'Arc (Mgr. Henri Delassus, La mission posthume de Sainte Jeanne d’Arc), Mons. Henri Delassus apresentou uma douta e esclarecedora explicação.

Ele demonstrou que D. Cauchon e os juízes seus cúmplices difundiam os erros e as más tendências revolucionárias enquistados na Universidade de Sorbonne, como aliás se pode ler na condenação acima citada.

Esses erros igualitários e tendências desordenadas eram insuflados por uma verdadeira conspiração anticristã e se desenvolveram através da Revolução protestante, da Revolução Francesa e da Revolução comunista até desembocarem em nossos dias na tentativa de dissolução anárquica da família e da sociedade civil.

O cumprimento de sua missão em nossos dias

Santa Joana d’Arc surgiu como uma profetisa da restauração da Cristandade e, portanto, do movimento contrário ao representado por D. Cauchon e seus cúmplices.

Essa oposição radical a tais erros explica o ódio satânico desse prelado e de seus correligionários, os quais eram por sua vez aliados de ingleses interesseiros embora não tão iniciados na conspiração.

Mons. Delassus explica que a retomada do interesse pela Donzela de Orleans nos últimos tempos e a crescente devoção a ela, hoje venerada no altar, são sinais de que se aproxima a hora do cumprimento final de sua missão.

No moderno santuário de Rouen, construído no local onde Santa Joana d’Arc foi imolada, há um livro de visitas com as mensagens e pedidos dos peregrinos. “Forgive us” (“Perdoai-nos!”) é a expressão em inglês mais frequente.

Desde o dia que o iníquo e ilegal tribunal presidido pelo bispo Cauchon queimou a enviada de Deus, a ilibada Santa Joana d’Arc não mais cavalga pelas verdejantes planícies da França, mas nas profundezas do subconsciente de franceses e ingleses, para não dizer do mundo inteiro.

Um singular exemplo disso: 600 anos após o nascimento de La Pucelle, Nicolas Sarkozy, pouco antes de perder a presidência, dirigiu-se a Domrémy em busca de votos dos admiradores da santa. Singular humilhação para um presidente da República Francesa, herdeira espiritual dos erros e tendências igualitárias do júri que condenou a santa!

O que sucede na cabeça dos franceses e dos homens hoje – indagou com pasmo “The New York Times”– para que uma santa medieval, virgem e profetisa, saída de um conto de fadas, impressione o mundo moderno, laicista e igualitário, do século XXI?

Não adianta fugir da realidade – continua o quotidiano de Nova York: faça-se uma simples busca dos livros sobre ela na maior livraria virtual do mundo e encontrar-se-ão mais de seis mil títulos!

Na perspectiva de Mons. Delassus, a resposta a “The New York Times” não é difícil: cresce cada vez mais a percepção de que, herdeira dos erros condenados pela santa, a sociedade atual ruma para a morte; ou – hipótese previsível – caminha para uma restauração em favor da qual a Donzela está trabalhando eficazmente do Céu e cujos sintomas promissores já parecem ser visíveis.




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Os mitos anticatólicos sobre as Cruzadas não resistem à crítica histórica – 1

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São Bernardo de Claraval, grande propagador da devoção a Nossa Senhora,  foi incansável pregador das Cruzadas. Vicente Berdus Osorio (1671-1673)
São Bernardo de Claraval, grande propagador da devoção a Nossa Senhora,
foi incansável pregador das Cruzadas. Vicente Berdus Osorio (1671-1673)




O historiador Dr. Paul F. Crawford do Departamento de História e Ciências Políticas da Universidade de Pensilvânia (Estados Unidos), é outro dos especialistas que desmentiram os falsos mitos anticatólicos sobre as Cruzadas.

Seu trabalho apareceu originalmente na edição de primavera da 2011 da Intercollegiate Review, sob o título “Four Myths about the Crusades”, e foi divulgado, entre outros por ACIDigital.

Ele denunciou que com frequência “as cruzada são mostradas como um episódio deploravelmente violento no qual libertinos ocidentais, que não tinham sido provocados, assassinavam e roubavam muçulmanos sofisticados e amantes da paz, deixando padrões de opressão escandalosa que se repetiriam na história subsequente”.

“Em muitos lugares da civilização ocidental atual, esta perspectiva é muito comum e demasiado óbvia para ser rebatida”, prossegue.

Prof.Paul F. Crawford do Departamento de História e Ciências Políticas da Universidade de Pensilvânia
Prof.Paul F. Crawford
do Departamento de História
e Ciências Políticas
da Universidade de Pensilvânia
Entretanto, precisa o perito autor do livro “The Templar of Tyre”, a “unanimidade não é garantia de precisão. O que todo mundo ‘sabe’ sobre as cruzadas poderia, de fato, não ser certo”.

Seguidamente rebate, um por um, quatro mitos fundamentais que terminam por mostrar algo que, em realidade, não foram as Cruzadas.

Primeiro mito: “as cruzadas representaram um ataque não provocado de cristãos ocidentais contra o mundo muçulmano”

Crawford assinala que “nada poderia estar mais longe da verdade, e inclusive uma revisão cronológica esclareceria isso.

No ano 632, Egito, Palestina, Síria, Ásia Menor, o norte da África, Espanha, França, Itália e as ilhas da Sicilia, Sardenha e Córsega eram todos territórios cristãos.

Os crimes dos muçulmanos causaram horror no mundo civilizado.  Massacre dos peregrinos de Pedro o Ermitão
Os crimes dos muçulmanos causaram horror no mundo civilizado.
Massacre dos peregrinos de Pedro o Ermitão
Dentro dos limites do Império Romano, que ainda era completamente funcional no Mediterrâneo oriental, o cristianismo ortodoxo era a religião oficial e claramente majoritária”.

Por volta do ano 732, um século depois, os cristãos tinham perdido a maioria desses territórios e “as comunidades cristãs da Arábia foram destruídas completamente em ou pouco tempo depois do ano 633, quando os judeus e os cristãos de igual maneira foram expulsos da península. Aqueles na Pérsia estiveram sob severa pressão. Dois terços do território que tinha sido do mundo cristão eram agora regidos por muçulmanos”.

O que aconteceu, explica o perito, a maioria das pessoas sabem mas só lembra quando “recebem um pouco de precisão”:

“A resposta é o avanço do Islã. Cada uma das regiões mencionadas foi tomada, no transcurso de cem anos, do controle cristão por meio da violência, através de campanhas militares deliberadamente desenhadas para expandir o território muçulmano a custa de seus vizinhos. Mas isto não deu por concluído o programa de conquistas do Islã”.

A invasão das terras cristãs pelos maometanos foi sinônimo de crimes de massa hediondos, incêndios, pilhagens, escravidão e violação generalizada do Direito. Na gravura: Saladino manda incendiar uma cidade
A invasão das terras cristãs pelos maometanos
foi sinônimo de crimes de massa hediondos, incêndios,
pilhagens, escravidão e violação generalizada do Direito.
Na gravura: Saladino manda incendiar uma cidade.
Chroniques de Guilhaume de Tyr, BNF.
Os ataques muçulmanos contra os cristãos seguiram já não só nessa região mas contra a Europa, especialmente Itália e França, durante os séculos IX, X e XI, o que fez que os bizantinos, os cristãos do Império Romano do Oriente, solicitassem ajuda aos Papas.

Foi Urbano II quem enviou as primeiras cruzadas no século XI, depois de muitos anos de ter recebido o primeiro pedido.

Para o Dr. Crawford, “longe de não terem sido provocadas, então, as cruzadas realmente representam o primeiro grande contra-ataque do Ocidente cristão contra os ataques muçulmanos que se deram continuamente desde o início do Islã até o século XI, e que seguiram logo quase sem cessar”.

Quanto a este primeiro mito, o perito faz uma singela afirmação para entender um pouco melhor o assunto: “basta perguntar-se quantas vezes forças cristãs atacaram Meca. A resposta é obvia: nunca”.

Continua no próximo post: Os mitos anticatólicos sobre as Cruzadas não resistem à crítica histórica – 2




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Os mitos anticatólicos sobre as Cruzadas não resistem à crítica histórica – 2

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Os húsares poloneses de Jan Sobieski cobertos de glória na salvação de Viena usavam uma espécie de asas que imitavam os anjos
Os húsares poloneses de Jan Sobieski cobertos de glória na salvação de Viena
usavam uma espécie de asas que imitavam os anjos


Continuação do post anterior: Os mitos anticatólicos sobre as Cruzadas não resistem à crítica histórica – 1




Segundo mito: “os cristãos ocidentais foram às cruzadas porque sua avareza os motivou a saquear os muçulmanos para ficarem ricos”

“Novamente –explica– não é verdade”.

Alguns historiadores como Fred Cazel explicam que “poucos cruzados tinham suficiente dinheiro para pagar suas obrigações em casa e manter-se decentemente nas cruzadas”.

Desde o começo mesmo, recorda o Dr. Paul F. Crawford, “as considerações financeiras foram importantes no planejamento da cruzada. Os primeiros cruzados venderam muitas de suas posses para financiar suas expedições que geraram uma estendida inflação”.

“Embora os seguintes cruzados levaram esta consideração em conta e começaram a economizar muito antes de embarcar nesta empresa, o gasto seguia estando muito perto do proibitivo”, acrescenta.

Depois de recordar que o que alguns estimavam que as Cruzadas iam custar era “uma meta impossível de ser alcançada”, o historiador assinala que “muito poucos se enriqueceram com as cruzadas, e seus números foram diminuídos sobremaneira pelos que empobreceram. Muitos na idade Média eram muito conscientes disso e não consideraram as cruzadas como uma maneira de melhorar sua situação financeira”.

O Beato Papa Urbano II convocou a Primeira Cruzada. acumulou de graças e privilégios espirituais aos cruzados, e afastou os interesses mundanos.
O Beato Papa Urbano II convocou a Primeira Cruzada.
acumulou de graças e privilégios espirituais aos cruzados,
e afastou os interesses mundanos.
Terceiro mito: “os cruzados foram um bloco cínico que em realidade não acreditava nem em sua própria propaganda religiosa, senão que tinham outros motivos mais materiais”

Este, assinala o perito historiador em seu artigo, “foi um argumento muito popular, ao menos desde Voltaire. Parece acreditável e inclusive obrigatório para gente moderna, dominada pela perspectiva do mundo materialista”.

Com uma taxa de mortes que chegava perto de 75 por cento dos que partiam, com uma expectativa de voltar financeiramente quebrado e não poder sobreviver, como foi que a predicação funcionou de tal forma que mais pessoas se unissem?, questiona o historiador.

Crawford responde explicando que “as cruzada eram apelantes precisamente porque era uma tarefa dura e conhecida, e porque empreender uma cruzada pelos motivos corretos era entendido como uma penitência aceitável pelo pecado. Longe de ser uma empresa materialista, a cruzada não era prática em termos mundanos, mas valiosa para a alma”.

“A cruzada era o exemplo quase supremo desse sofrimento complicado, e por isso era uma penitência ideal e muito completa”, acrescenta.

O historiador indica logo que “com o complicado que pode ser para que as pessoas na atualidade acreditem, a evidência sugere fortemente que a maioria dos cruzados estavam motivados pelo desejo de agradar a Deus, expiar seus pecados e colocar suas vidas ao serviço do ‘próximo’, entendido no sentido cristão”.

Saladino. A propaganda anticatólica contra as Cruzadas omite os cruéis crimes praticados pelos muçulmanos.
Saladino. A propaganda anticatólica contra as Cruzadas
omite os cruéis crimes praticados pelos muçulmanos.
Quarto mito: “os cruzados ensinaram aos muçulmanos a odiar e atacar a cristãos”

Outra vez, esclarece Paul Crawford, que nada está mais afastado da verdade.

O historiador assinala que “até muito recentemente, os muçulmanos recordavam as cruzadas como uma instância na que tinham derrotado um insignificante ataque ocidental cristão”.

A primeira história muçulmana sobre as cruzadas não apareceu senão até 1899. Por isso então, o mundo muçulmano estava redescobrindo as cruzadas, “mas o fazia com um giro aprendido dos ocidentais”.

“Ao mesmo tempo, o nacionalismo começou a enraizar-se no mundo muçulmano. Os nacionalistas árabes tomaram emprestada a ideia de uma longa campanha europeia contra eles da escola europeia antiga de pensamento, sem considerar o fato de que constituía realmente uma má representação das cruzadas, e usando este entendimento distorcido como uma forma para gerar apoio para suas próprias agendas”.

Então, precisa o Dr. Crawford, “não foram as cruzadas as que ensinaram o Islã a atacar e odiar os cristãos. Os fatos estão muito longe disso. Essas atividades tinham precedido as cruzadas por muito tempo, e nos conduzem até à origem do Islã. Em vez disso, foi Ocidente quem ensinou o Islã a odiar as Cruzadas. A ironia é grande”.

Bibliografia:
  1. Warren Hollister, J. Sears McGee, and Gale Stokes, The West Transformed: A History of Western Civilization, vol. 1 (New York: Cengage/Wadsworth, 2000), 311.
  2. R. Scott Peoples, Crusade of Kings (Rockville, MD: Wildside, 2009), 7.
  3. Ibid.
  4. The Crusades: Campaign Sourcebook, ed. Allen Varney (Lake Geneva, WI: TSR, 1994), 2.
  5. Sir Steven Runciman, A History of the Crusades: Vol. III, The Kingdom of Acre and the Later Crusades (Cambridge: Cambridge University Press, 1954), 480.
  6. Francesco Gabrieli, The Arabs: A Compact History, trans. Salvator Attanasio (New York: Hawthorn Books, 1963), 47.
  7. Reynald of Châtillon’s abortive expedition into the Red Sea, in 1182–83, cannot be counted, as it was plainly a geopolitical move designed to threaten Saladin’s claim to be the protector of all Islam, and just as plainly had no hope of reaching either city.
  8. “The Version of Baldric of Dol,” in The First Crusade: The Chronicle of Fulcher of Chartres and other source materials, 2nd ed., ed. Edward Peters (Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1998), 32.
  9. Ibid., 220–21.
  10. Fred Cazel, “Financing the Crusades,” in A History of the Crusades, ed. Kenneth Setton, vol. 6 (Madison, WI: University of Wisconsin Press, 1989), 117.
  11. John Porteous, “Crusade Coinage with Greek or Latin Inscriptions,” in A History of the Crusades, 354.
  12. “A memorandum by Fulk of Villaret, master of the Hospitallers, on the crusade to regain the Holy Land, c. 1305,” in Documents on the Later Crusades, 1274–1580, ed. and trans. Norman Housley (New York: St. Martin’s Press, 1996), 42.
  13. Norman Housley, “Costing the Crusade: Budgeting for Crusading Activity in the Fourteenth Century,” in The Experience of Crusading, ed. Marcus Bull and Norman Housley, vol. 1 (Cambridge: Cambridge University Press, 2003), 59.
  14. John France, Victory in the East: A Military History of the First Crusade (Cambridge: Cambridge University Press, 1994), 142. Not all historians agree; Jonathan Riley-Smith thinks it was probably lower, though he does not indicate just how much lower. See Riley-Smith, “Casualties and Knights on the First Crusade,” Crusades 1 (2002), 17–19, suggesting casualties of perhaps 34 percent, higher than those of the Wehrmacht in World War II, which were themselves very high at about 30 percent. By comparison, American losses in World War II in the three major service branches ranged between about 1.5 percent and 3.66 percent.
  15. The ‘Templar of Tyre’: Part III of the ‘Deeds of the Cypriots,’ trans. Paul F. Crawford (Burlington, VT: Ashgate, 2003), §351, 54.
  16. Jonathan Riley-Smith, The Crusades, Christianity, and Islam (New York: Columbia University Press, 2008), 36.
  17. John 15:13.
  18. Jonathan Riley-Smith, “Crusading as an Act of Love,” History 65 (1980), 191–92.
  19. Letter from T. E. Lawrence to Robert Graves, 28 June 1927, in Robert Graves and B. H. Liddell-Hart, T. E. Lawrence to His Biographers (Garden City, NY: Doubleday, 1938), 52, note.
  20. Riley-Smith, The Crusades, Christianity, and Islam, 71.
  21. Jonathan Riley-Smith, “Islam and the Crusades in History,” Crusades 2 (2003), 161.
  22. Carole Hillenbrand, The Crusades: Islamic Perspectives, (New York: Routledge, 2000), 20.
  23. Riley-Smith, Crusading, Christianity, and Islam, 73.
  24. There is some disagreement in the primary sources on the question of who was responsible for the deaths of these refugees; the crusaders knew that a large Egyptian army was on its way to attack them, and there does seem to have been a military decision a day or two later that they simply could not risk leaving potential enemies alive. On the question of the massacre, see Benjamin Kedar, “The Jerusalem Massacre of July 1099 in the Western Historiography of the Crusades,” Crusades 3 (2004), 15–75.
  25. France, Victory in the East, 355–56.
  26. Raymond of Aguilers, in August C. Krey, The First Crusade: The Accounts of Eye-witnesses and Participants (Princeton: Princeton University Press, 1921), 262.
  27. Revelation 14:20.



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Cerimonial de uma ceia real na Inglaterra no início da Guerra dos Cem Anos

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No 25 de setembro de 1338, às cinco horas da tarde menos um quarto, o grande salão do Palácio de Westminster ainda não estava iluminado a não ser por quatro tochas mantidas por braços de ferro selados aos ângulos das paredes e das quais o luar incerto e trêmulo tinha grande dificuldade em dissipar a escuridão provocada pela diminuição dos dias, já tão sensível ao fim do verão e começo do outono.

Entretanto essa luz era suficiente para guiar nos preparativos da ceia a criadagem do castelo que se via, no meio do lusco-fusco, apressar-se em cobrir com iguarias e vinhos, os mais apreciados daquela época, uma longa mesa escalonada em três alturas diversas, a fim de que cada um dos convivas pudesse ai sentar-se no lugar que lhe designava seu nascimento ou seu rango.

Logo que os preparativos foram concluídos, o maître d’hotel entrou gravemente por uma porta lateral, fez com vagar o turno de inspeção dos serviços para certificar-se que cada coisa estava em seu lugar; depois, feita a revisão, parou diante de um lacaio que aguardava suas ordens cerca da grande porta, e disse-lhe com a dignidade de um homem que conhece a importância de suas funções: Tudo está bem; soai a água.

Denominava-se “soar a água” (corner l’eau) o ato de dar o sinal de inicio da ceia, porque os convivas lavavam as mãos antes de sentar-se à mesa.

O lacaio aproximou de seus lábios uma pequena trompa de marfim que levava suspensa a tiracolo, e tirou dela três toques prolongados; em seguida a porta se abriu, cinqüenta lacaios entraram uns detrás dos outros, levando tochas à mão, e, dividindo-se em duas fileiras que se estendiam por toda extensão do salão, dispuseram-se ao longo da parede; cinqüenta pajens os seguiram, levando jarras e bacias de prata e colocaram-se na mesma linha que os lacaios; por fim, detrás deles, dois arautos apareceram, abriram a tapeçaria bordada de brasões que servia como porta, e apostaram-se em cada lado da entrada bradando em alta voz: faça-se lugar ao Senhor nosso Rei e à Senhora nossa Rainha da Inglaterra!'

No mesmo instante, o Rei Eduardo III apareceu, dando a mão à Senhora Philippe de Hainaut, sua esposa.

Eles eram seguidos pelos cavaleiros e damas de maior renome na Corte da Inglaterra, que era naquela época uma das mais ricas do mundo em nobreza, valentia e beleza.

Sob o umbral do salão o Rei e a Rainha separaram-se, passando cada um para um lado da mesa e ganhando a extremidade mais elevada.

Foram seguidos nesta espécie de manobra por todos os convivas que, chegados ao lugar que lhes estava designado, voltaram-se cada um para o pajem a seu serviço; este vertia água da jarra na bacia e a apresentava para lavar as mãos dos cavaleiros e das damas.

Esta cerimônia preparatória concluída, os convivas passaram aos bancos que rodeavam a mesa; os pajens recolocaram a prataria sobre as magníficas credencias de onde haviam-na tomado e voltaram para esperar, de pé e imóveis, as ordens de seus senhores.

(Fonte : Alexandre Dumas, « La Comtesse de Salisbury », Calmann-Lévy, Editeur, Paris, 1878, T.I, pp. 1 ss.)



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O Papa Gregório IX e o estabelecimento da Inquisição

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Gregório IX aprova os Decretais. Rafael, Stanza della Segnatura, Vaticano.



Como evitar o envenenamento espiritual de toda a sociedade sem consentir em injustiças contra os inocentes ou contra os próprios hereges?

Como conduzir a nau em rumo seguro, entre a indiferença desesperadora de muitos Bispos ou sua susceptibilidade à política local, e de outro lado a impetuosidade das massas populares ou dos agentes imperiais?

O grande Papa (Gregório IX) certamente considerou profundamente este problema. Como Pai da Cristandade, não desejava a morte, mas a correção de seus filhos transviados.

Gregório teve entre suas preocupações uma feliz inspiração: por que não se servir das novas ordens mendicantes?

Até mesmo Lea (historiador contrário à Inquisição) lhes reconheceu a utilidade:
“O estabelecimento destas Ordens parece uma intervenção providencial para proporcionar à Igreja de Cristo aquilo que com grande urgência necessitava. À medida que foi se tornando patente a necessidade de tribunais especiais e permanentes, todas as razões favoreciam que elas estivessem acima das invejas e inimizades locais que podem induzir ao prejuízo do inocente, e acima dos favoritismos que podem conspirar a favor da impunidade do culpado.

"Se, além dessa ausência de partidarismos locais, os juizes eram homens especialmente adestrados para a descoberta e conversão dos hereges; se tinham renunciado ao mundo por votos irrevogáveis; se não precisavam de bens materiais e eram surdos aos apelos de prazer, parecia que estavam oferecidas todas as garantias possíveis de que suas importantes obrigações seriam cumpridas dentro da mais estrita justiça.

"E que, enquanto a pureza da Fé era protegida, não haveria desnecessariamente opressões, crueldades ou perseguições ditadas por interesses particulares ou por vinganças pessoais”.
Como Lea supõe, Gregório provavelmente não tinha a intenção de estabelecer um tribunal permanente. Legislou para fazer frente a uma necessidade urgente, e os dominicanos, com seus profundos conhecimentos de teologia, pareciam estar perfeitamente aptos para auxiliar os Bispos.

Naturalmente, isso não seria do agrado de todos. Havia Prelados muito melindrosos em matéria de intervenções exteriores, mesmo de Roma. Levando isso em conta, Gregório escreveu uma diplomática carta aos Bispos do sul da França explicando a situação:

“Vendo-vos envolvidos no torvelinho de inquietações e apenas podendo respirar sob a pressão de sombrias preocupações, cremos oportuno dividir vossa carga para ser levada mais facilmente. Portanto, resolvemos enviar frades pregadores (dominicanos) contra os hereges da França e províncias adjacentes, e vos suplicamos, advertimos e exortamos a que os recebais amavelmente e os trateis bem, dando-lhes favor, conselho e ajuda para que possam cumprir seu mandato”.
Desse modo foram enviados os dominicanos, e em menor proporção os franciscanos, aos lugares onde mais abundavam os hereges. Alguns foram para a Alemanha, mas até 1367 nenhum tribunal sério e permanente ali se estabeleceu.

São Domingos preside auto-da-fé
São Domingos preside auto-da-fé da Inquisição.
Pedro Berruguete (1450-1504), Museu del Prado. Madri
Alberico, um dominicano, foi enviado para a Lombardia com o título de “Inquisitor hereticae pravitatis” (Inquisidor contra a perfídia dos hereges).

Um de seus sucessores morreu nas mãos das hordas. Outro, São Pedro de Verona, também dominicano, filho de pais maniqueus e fundador da Inquisição de Florença, foi assassinado pelos hereges na estrada de Como a Milão, em 1252.

Ser inquisidor era perigoso, pois os hereges freqüentemente possuíam influências, poder, fanatismo e desespero.

Nenhum jovem dominicano aspirava, por prazer, tirar os hereges de suas tocas. Tal era o caso especial do sul da França, onde os cátaros que sobreviveram à Cruzada, lutaram longa e tenazmente contra os novos tribunais monásticos.

Alguns hereges saquearam um convento dominicano em 1234. Oito anos depois o inquisidor Arnaud e vários frades pregadores foram assassinados. Então, os dominicanos rogaram ao Papa (Inocência IV) que os dispensasse de sua missão.

A isto se recusou o Pontífice. Uma força armada de católicos destruiu a resistência dos cátaros, tomando de assalto Montségur, onde se tinham refugiado os assassinos dos dominicanos, e queimou sem julgamento prévio 200 hereges, como os levitas de Moisés mataram os idólatras.

Depois deste fato, a Inquisição foi aceita pelas autoridades seculares. Gregório IX enviou inquisidores à Espanha em 1238. Um deles foi envenenado pelos hereges.

Nas instruções a seus emissários o Papa estabeleceu a diferença entre a Inquisição medieval e as investigações dos Bispos e anteriores tentativas de tratar do problema da heresia. Os monges deveriam ir às cidades onde havia a infecção herética e proclamar publicamente que todos os que fossem culpados de delitos contra a Fé deveriam se apresentar e abjurar de seus erros.

Os que assim o fizessem, seriam perdoados. Deveria ser empreendida uma pesquisa. Se duas testemunhas afirmassem que um indivíduo era herege, deveria ser julgado. Naturalmente, os monges atuariam sempre em colaboração com o Bispo, e com seu prévio consentimento. Nada se indicava então sobre o uso da tortura; não foi utilizada a não ser vinte anos mais tarde.

São Domingos queima livro pestilenciais, Glória da Idade Média
São Domingos e o milagre de Fanjeaux:
livros heréticos cátaros e livros católicos foram jogados nas chamas.
Essas recusaram três vezes queimar os católicos mas devoraram os cátaros.
Pedro Berruguete (1450 - 1504). Museu del Prado, Madri.
Aparentemente, Gregório não tinha a intenção de fundar uma instituição nova. Apenas utilizava as Ordens religiosas para ajudar os Bispos no cumprimento de uma obrigação que sempre tiveram. O Bispo Donais, profundo conhecedor de documentos originais da primeira Inquisição, é de opinião de que (o Papa Gregório IX) também tentava se antecipar às intromissões de Frederico II, o qual já começara a queimar seus inimigos políticos sob o pretexto de defender a Fé.

Gregório estabeleceu que fossem teólogos peritos, e não políticos ou soldados, aqueles que julgassem os que eram católicos verdadeiros e os que não o eram. Uma vez decidido este ponto, a Igreja ficava livre de reconciliar ou excomungar o herege, e (neste último caso) se o Estado o considerasse perigoso, poderia aplicar-lhe a pena costumeira por alta traição.

Como Moisés na Antiguidade, Gregório desejou proteger do erro os filhos de Deus. Como Moisés, ordenou que se fizesse com toda diligência uma investigação ou inquisição, e exigiu ao menos o depoimento de duas testemunhas. Insistiu, como Moisés, para que os crimes contra Deus não ficassem impunes. Até aqui o paralelo é exato, mas não vai além.

Moisés, sob a antiga Revelação, e em tempos primitivos, não cuidou em distinguir o penitente do empedernido, o enganado do enganador: o culpado era lapidado até à morte. O desejo principal de Gregório era atrair novamente os hereges transviados à graça de Deus. Somente caso insistisse em continuar sendo inimigo de Deus (e inimigo, portanto, da sociedade) deveria ser expulso da igreja, e abandonado à parcimoniosa misericórdia do Estado.

Foi preciso tempo e não pouco esforço para conseguir o funcionamento da nova organização de modo a se realizarem os desejos do Papa.

Hoje está reconhecido que os Juizes (da Inquisição) eram muito superiores a seus contemporâneos dos tribunais seculares.


Autor: William Thomas Walsh, “Personajes de la Inquisición”, Espasa-Calpe, S.A., Madrid, 1948, pp. 71 a 74.
 


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O equilíbrio: ponto de partida da alegria e da calma da Idade da Luz

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Muralhas da cidade de Ávila, Espanha
Muralhas da cidade de Ávila, Espanha




Nas muralhas dos castelos, ou das catedrais, ou das cidades da Idade Média, algo fala de batalhas e lutas.

Mas, ao mesmo tempo, algo fala de equilíbrio, de harmonia e, portanto, de contentamento de alma.

As famosas muralhas de Ávila foram construídas para repelir as invasões mouras. Aquelas muralhas retas, com aquelas torres, falam de dias de tragédia.

Algum daqueles locais no alto a muralha pode ter sido o primeiro lugar de onde viram, na poeira da distância, a cavalaria de um exército árabe que chegava. Era a desventura de uma luta, de um assédio contra a cidade com os perigos que trazia consigo.

Podiam perder a cidade e serem reduzidos a escravos.

Podiam ser levados escravos, por exemplo, esposo e esposa.

Muralhas da cidade de Ávila, Espanha
Muralhas da cidade de Ávila, Espanha
A esposa vendida num mercado, o esposo noutro, perderem-se de vista completamente.

Os filhos mortos na presença deles, e sobretudo privados dos Sacramentos.

Numa civilização lasciva e imoral como a muçulmana as ocasiões de pecado eram inúmeras.

A pessoa corria o risco de morrer sem contrição e ir para o inferno. Portanto, na hora da batalha a boca do inferno se abria para aqueles heróis.

Mas, de outro lado, naquelas muralhas há equilíbrio de alma, a dignidade dos que enfrentavam tudo com Fe. E a tranqüilidade e a dignidade, numa bonita tarde, da alegria das pedras resplandecendo à luz do sol.

Coisas equilibradas!

Equilíbrio entre a esfera temporal e espiritual: bispos abençoam o rei
Equilíbrio entre a esfera temporal e espiritual: bispos abençoam o rei
O equilíbrio foi o ponto de partida da alegria da Idade Média.

Nela todas as disposições lícitas de alma se equilibravam umas com as outras e se davam a mão.

Então, a alma sentia aprumo, segurança, tranqüilidade, distância-psíquica para considerar as coisas mais belas e para subir até Nossa Senhora e até Deus.

I. é, para o ponto de partida de todas as grandes alegrias, de todos os heroísmos e de todas as santidades.

É este equilíbrio, portanto, o que mais do que tudo o católico deve procurar. Procuremos esse equilíbrio e teremos a alegria da Idade Média, da Santa Igreja Católica.


(Autor: Plinio Correa de Oliveira, 21/8/90, texto sem revisão do autor.)




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A Cavalaria e a ciência aliadas com a Fé

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Reis e cavaleiros na catedral de York, Inglaterra
Reis e cavaleiros na catedral de York, Inglaterra




Tal é o fundamento de todas estas ideias: a nobreza é chamada a proteger e purificar o mundo por meio do cumprimento do ideal cavalheiresco.

A vida reta e a reta virtude da nobreza são os meios de salvação para os maus tempos: o bem e a paz da Igreja e da Monarquia, o império da justiça, dependem dela.

Duas coisas há - isso se diz na vida de Boucicaut, um dos mais puros representantes do ideal cavalheiresco da última Idade Média - postas no mundo como dois pilares pela vontade de Deus, para sustentar a ordem das leis divinas e humanas; sem elas, o mundo seria só confusão; tais coisas são a cavalaria e a ciência,“chevalerie et science, que moult bien conviennent ensemble”.

“Science, Foy et Chevalerie” são os três lírios do “Chapel des Fleurs de Lys” de Philippe de Vitri. Representam três estados.

A nobreza é chamada a proteger e amparar os outros dois.

Foulques V de Anjou (1091-1143) rei de Jerusalém.
Estátua em Angers, França.
A equiparação da nobreza e da ciência, que se revela também na inclinação a reconhecer no titulo de Doutor os mesmos direitos que no titulo de Cavaleiro, atestam o alto valor moral do ideal cavalheiresco.

Há nele a veneração de uma vontade e arrojo superiores, junto à de uma ciência e capacidade superiores.

Sente-se a necessidade de ver os homens elevados a uma potência superior, e trata-se de dar a esta necessidade a expressão de duas formas fixas e equivalentes de consagrar-se a uma tarefa vital superior.

Mas destas duas formas tinha o ideal cavalheiresco uma influência muito mais geral e poderosa, porque nele se uniam com o elemento ético tantos elementos estéticos que tornava-se compreensível para todo o espírito.



(Fonte: Johan Huizinga, “El Otoño de la Edad Media”, Revista de Occidente, Madrid, 1965, 6ª. Edición.)



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Função e simbolismos da música

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Partitura iluminada de Iste Sanctus. Music Library MS0797
Partitura iluminada de Iste Sanctus. Music Library MS0797




Os pensadores medievais insistiam em que há dois modos de degustar a música.

Uma é a forma vulgar que fica no sensível, no prazer imediato da orelha afagada pelos sons doces.

A outra forma é intelectual: ela eleva a beleza sonora até o mundo das proporções inteligíveis, até o próprio Deus.

Na primeira forma os compositores se comprazem na simples audição e compõem segundo seu capricho.

Na segunda forma, compõem segundo as regras.

Os primeiros são como bêbados que voltam para casa sem conhecer o caminho.

Os outros são sábios que sabem o que fazem e como o fazem.

Para os sábios, a música é uma atividade intelectual e contemplativa. Ouvindo-a com inteligência penetra-se no mundo dos mistérios sublimes, das regras da harmonia, dos números eternos.

Anjos músicos. Hans Memling,
Anjos músicos. Hans Memling,
Assim faziam os Antigos, ensina Casiodoro, mas os cristãos sobem mais alto e chegam até a unidade, i. é, até a fonte de todas as harmonias, o Criador de todas as belezas, a Felicidade absoluta.

Então, a música se dilata num êxtase místico.

A catedral de pedra é símbolo do mundo invisível, ela lembra a sociedade perfeita do Céu. Assim também é a música.

A cítara nos lembra a Sagrada Escritura: sua caixa é o símbolo da história, suas cordas esticadas fazem aparecer o sentido místico dos acontecimentos.

O duplo tetracórdio é símbolo de Cristo.

O primeiro tetracórdio representa sua Humanidade santíssima: pelos sons graves nos fala de sua vida oculta, pelos sons agudos nos fala de sua Paixão e Morte.

Antífona Franciscus. Morte de São Francisco de Assis. MS 1.
Antífona Franciscus. Morte de São Francisco de Assis. MS 1.
O segundo tetracórdio é a imagem da harmonia divina realizada na Ressurreição e na glória eterna.

A sinfonia é a imagem do Universo unificado em Deus.

Guilherme de Auvergne vê nas notas mais altas a harmonia das criaturas mais sublimes. Para ele os sons graves são signo dos seres materiais.

Todo concerto é o símbolo da harmonia cósmica, da fabulosa unidade do universo estruturado com hierarquia e proporção.

(Fonte: excertos de Edgar de Bruyne, “Études d’esthétique médiévale”, tomo 2, Albin Michel, Paris).



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