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Inglaterra: saudades do passado medieval católico no enterro de Ricardo III

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Ricardo III, da dinastia Plantageneta, último rei medieval inglês



Há 530 anos morria em combate Ricardo III (1452-1485), o último rei da dinastia Plantageneta, da Inglaterra.

Ele foi vencido na batalha de Bosworth Field por Henrique Tudor, invasor e candidato à coroa, que se tornaria o rei Henrique VII da dinastia que precipitou o país no protestantismo.

Ricardo III foi o último rei medieval inglês.

Reinou de 1483 a 1485 e sua morte marcou o fim das Guerras das Rosas, entre a Casa de Lancaster (representada por uma rosa vermelha) e a Casa de York (representada por uma rosa branca).

O túmulo de Ricardo III estava desaparecido, provavelmente pelo receio de seus seguidores de que pudesse ser profanado pelos Tudor.

Cortejo liderado por cavaleiros conduz o caixão de Ricardo III pela cidade de Leicester rumo à catedral.

Até que em setembro de 2012 sua ossada foi encontrada por arqueólogos sob um estacionamento municipal, causando comoção no país.

Seus restos foram enterrados no dia 22 de março de 2015 na catedral de Leicester, na presença, entre outros, do príncipe Richard, duque de Gloucester e primo da rainha Elizabeth II.

Até a rainha Elizabeth escreveu um tributo a Ricardo III, segundo a Folha de S. Paulo (26.03.2015).

Mais de 35 mil pessoas acompanharam em Leicester o cortejo fúnebre do rei.

O carro funerário deixou a universidade local e dirigiu-se à Fenn Lane Farm, na aldeia de Dadlington, o local mais próximo de onde ele morreu (Campo de Bosworth).

Após uma série de homenagens em sua memória, ele foi para seu repouso definitivo na catedral.

O passado medieval católico desperta saudades até num país esmagadoramente protestante.




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Fidelidade ao senhor feudal

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Ato de vassalagem de Carlos o Mau, rei de Navarra, a Carlos V da França.
Ato de vassalagem de Carlos o Mau, rei de Navarra,
a Carlos V da França. Grandes Chroniques de France, BnF.




A partir da época carolíngia existiu aquilo que se poderia chamar uma mística da vassalagem.

Quer dizer, uma vida interior que forjava em inúmeros vassalos a dedicação absoluta pelo seu senhor, razão de ser essencial da instituição.

O caráter religioso da fidelidade jurada contribuiu imensamente para alimentar essa chama.

Belo exemplo dessa fidelidade pode ser ler na exortação dirigida em 843, por uma mulher de alto nascimento e grande cultura, Dhuoda, esposa do Marquês Bernardo de Septimania, a Guilherme, seu filho mais velho.

Dhuoda exorta-o à fidelidade para com o senhor, a quem o seu pai decidiu que viesse a ser recomendado.

Não há dúvida de que esse senhor é o próprio rei Carlos, o Calvo. Mas é um rei cujo poder é contestado.

Submissão de São Luis a Inocêncio IV em Cluny
Todo o texto mostra que a apaixonada dedicação que a mãe exige de seu filho para com Carlos é a dedicação do vassalo para com o seu senhor.

Reproduzimos a continuação algumas passagens desse texto:

"Uma vez que Deus e Bernardo, teu pai, te escolheram para servires a Carlos, a quem tens por senhor, na flor da tua juventude, sustenta o que é da tua raça, ilustre pelos dois ramos.

"Não sirvas de maneira a agradar somente pela vista ao teu senhor, mas conserva-lhe, em tudo, com todo senso, uma fidelidade intacta e pura de corpo e alma.

"É por isso, meu filho, que eu te exorto a que mantenhas fielmente de corpo e alma, durante toda a tua vida, aquilo cujo encargo tens; que nunca possas ser acusado da loucura da infidelidade; que nunca o mal crie raízes no teu coração, a ponto de te tornares infiel ao teu senhor, seja no que for.

"Não creio seja de recear uma traição da tua parte ou da parte daqueles que contigo servem.
Vassalagem, Glória da Idade Média
Vassalagem, Glória da Idade Média


"Portanto, que tu, meu filho Guilherme, vindo da tua raça, sejas para com teu senhor, como te disse, sincero, vigilante, útil e o mais pronto ao seu serviço.

"Em todas as questões que interessem o poder do Rei, procura dar mostra de senso, em toda a medida das forças que Deus te deu.

"Lê as vidas ou as sentenças dos santos padres de outros tempos, e aí acharás como deves servir o teu senhor e ser-lhe útil em todas as coisas.

"Em tudo que puderes, aplica-te a executar fielmente as ordens do teu senhor. Toma em consideração também e contempla aqueles que deram mostras de maior fidelidade em servi-lo com perseverança, e aprende com eles a maneira de servir".


(Fonte: F.L. Ganshof, "Que é o feudalismo?" - p. 51)


Idade média ocidental à formação do estado moderno Natania Nogueira



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Nossa Senhora Auxiliadora, vencedora do islamismo

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Maria Auxiliadora
basílica de Maria Ausiliatrice, Turim



No 24 de maio comemora-se a festa de Nossa Senhora Auxilio dos Cristãos.

A devoção foi largamente difundida por São João Bosco e começa pelos menos num milagre feito por Nossa Senhora numa hora em que os islâmicos, como também fazem hoje, ameaçavam tomar conta das nações cristãs da Europa.

Quando, no ano da Redenção de 1566, o Cardeal Ghislieri foi elevado ao trono pontifício com o nome de Pio V, a situação da Cristandade era angustiante.

Com efeito, fazia aproximadamente um século que os turcos avançavam sobre a Europa, por mar e através dos Bálcãs, no intuito insolente de sujeitar à lei do Corão as nações católicas, e, sobretudo de chegar até Roma, onde um de seus sultões queria entrar a cavalo na Basílica de São Pedro.

Em 1457 caíra Constantinopla. Transposto o Bósforo, os infiéis avançaram sobre as regiões balcânicas, subjugando a Albânia, a Macedônia, a Bósnia.

O ano de 1522 viu cair a fortaleza de Rhodes. Em 1524 o novo sultão Solimão II ocupava e tratava duramente Belgrado. Seis anos mais tarde, 300.000 otomanos chegaram às portas de Viena.

No litoral dalmático os turcos saqueavam e destruíam as cidades e as ilhas próximas à Grécia.

A Espanha engajava-se individualmente numa guerra contra a Tunísia e a Argélia, em 1541 as hostes do Crescente investiam novamente contra Viena. Em junho de 1552 tomavam elas parte da Transilvânia.

São Pio V convida os príncipes a unirem suas forças


São Pio V era como um raio de luz da Idade Média a fulgurar sobre a Europa. Em dezembro de 1566, o Papa convidou as nações católicas a se unirem numa liga em defesa da Cristandade.

Em meados de maio de 1571, emergiu a boa nova: estava concluída a Santa Liga.

A aliança ajustada entre o Papa, o Rei da Espanha e a República de Veneza devia ser estável, ter caráter ofensivo e defensivo e dirigir-se não somente contra o sultão, mas também contra seus Estados tributários.


O Sumo Pontífice publicou um Jubileu geral, para atrair as bênçãos do Deus das batalhas sobre o exército cristão.

Tomou parte nas procissões rogatórias, que se realizaram ainda no mês de maio em Roma, e mandou cunhar uma medalha comemorativa.

Em 7 de outubro, na baía de Lepanto as esquadras se aproximaram. O vento mudara inesperadamente.

Os estandartes do Crucificado e da Virgem de Guadalupe investem contra as bandeiras vermelhas do Islã, marcadas com a meia-lua, estrelas e o nome de Alá.

Foi a maior batalha naval que a História jamais registrara.

Uma Senhora de aspecto majestoso e ameaçador


Soube-se depois que, no fragor da batalha, os soldados de Islã tinham avistado acima dos mastros da esquadra católica uma Senhora, que os aterrava com seu aspecto majestoso e ameaçador.

Bem longe dali, no mesmo dia 7 de outubro o Papa aguardava ansioso notícias da esquadra católica. De repente, abriu uma janela e entrou em êxtase.

Logo depois voltou-se e disse: “Ide com Deus. Agora não é hora de negócios, mas sim de dar graças a Jesus Cristo, pois nossa esquadra acaba de vencer”. E dirigiu-se à sua capela.

As notícias do desfecho da batalha chegaram a Roma duas semanas depois.

A vitória foi por todos atribuída à intervenção da Virgem. O Santo Padre acrescentou à Ladainha Lauretana uma invocação que nascera pela “vox populi”, no momento da grande proeza: “Auxílio dos Cristãos”.

Na Espanha e na Itália começaram a surgir igrejas e capelas com a invocação de Nossa Senhora da Vitória.

O senado veneziano pôs debaixo do quadro que representava a batalha a seguinte frase: “Nem as tropas, nem as armas, nem os comandantes, mas a Virgem Maria do Rosário é que nos deu a vitória” — “Non virtus, non arma, non duces, sed Maria Rosarii victores nos fecit”.

Gênova e outras cidades mandaram pintar em suas portas a efígie da Virgem do Rosário, e algumas puseram em seu escudo a imagem de Maria Santíssima calcando aos pés o Crescente.




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Auxílio sobrenatural para os governantes medievais

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Coroação do rei Filipe Augusto da França. Grandes Chroniques de France. Enluminures par Jean Fouquet. Tours, c.1455-1460
Coroação do rei Filipe Augusto da França. Grandes Chroniques de France.
Enluminures par Jean Fouquet. Tours, c.1455-1460




Os governos medievais — monárquicos, aristocráticos ou democráticos — nascidos sob a bênção da Igreja, tinham auxílio sobrenatural. E ao mesmo tempo, eles tinham uma profunda impronta familiar.

O resultado é que do governo descia uma força vigorosa mas doce e cheia de unção, sobrenatural e muito proporcionada ao homem.

Esse auxílio para governar com justiça e suavidade, apalpava-se no dia a dia, sem que o chefe de Estado tivesse que ser santo de altar.

Muitos episódios medievais de governo encantam pela ingenuidade, mas também manifestam uma sabedoria que lembra fatos do Antigo Testamento.

Eis um exemplo acontecido sob o reinado de Filipe Augusto:

Um bailio do Rei cobiçava a terra deixada por um cavaleiro morto.

Filipe Augusto, na batalha de Bouvines.
Filipe Augusto, rei da França, na batalha de Bouvines.
Uma noite, em presença de dois carregadores que ele tinha pago, fez com que o morto fosse desenterrado, perguntou se queria vender sua terra e propôs-lhe um preço.

Naturalmente, o defunto nem se mexeu. Quem cala, consente. Em seguida, algumas moedas foram postas em suas mãos, e o defunto recolocado em seu caixão.

Com grande espanto, a viúva viu seus domínios usurpados e se dirigiu ao rei. Convocado, o bailio compareceu ladeado por suas duas testemunhas, que atestavam a realidade da venda.

Filipe Augusto percebeu que era trapaça. Levou para um canto um dos carregadores e lhe disse em voz baixa:
— Recita-me no ouvido o Padre-nosso.
Concluída a oração, o rei exclamou em alta voz:
— Muito bem!

O segundo carregador foi também convocado. Ele achou que seu companheiro denunciara a tramóia, e apressou-se a dizer o que sabia.

O bailio foi condenado.

(Fonte: Funck-Brentano, "Ce qu’était un Roi de France")



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Os “Ditames do Papa” e o maior Papa da Idade Média: São Gregório VII

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São Gregório VII, restaurou e elevou a um píncaro  a respeitabilidade do Papado abalada por pontífices venais.  Busto de ouro e prata na catedral de Salerno, Itália.
São Gregório VII, restaurou e elevou a um píncaro
a respeitabilidade do Papado abalada por pontífices venais.
Busto de ouro e prata na catedral de Salerno, Itália.



No ano do Senhor de 1075 foram incluídos nos registros pontifícios, os famosos Dictatus Papae, ou Ditames do Papa. I. é, regras, avisos, ordens ou doutrinas do Papa, redigidos em forma concisa e penetrante.

Os Ditames versam sobre as relações entre a Igreja (especificamente do Papado) com o Império, e a ordem temporal em geral.

No ano da inscrição, o Papa felizmente reinante São Gregório VII livrava tremenda batalha contra as indevidas pretensões do Imperador Henrique IV.

Nessa famosa querela ‒ também conhecida como “querela das investiduras” ‒ Henrique IV teve que pedir perdão a São Gregório VII, quem o tinha excomungado.

O grande Papa estava no castelo de Canossa, na Toscana. Henrique IV passou três dias do lado de fora, na neve, vestido de penitente até receber o perdão. De ali vem a expressão “ir a Canossa”.

Como São Gregório VII temia, o arrependimento de Henrique IV não era sincero. Voltou à Alemanha, montou um exército e assaltou Roma.

São Gregório VII foi assim obrigado a se refugiar no sul da Itália, morrendo em Gaeta, não muito depois.

Suas últimas palavras foram: “Amei a justiça e detestei a iniqüidade, por isso morro no exílio”.

Entrementes, os príncipes alemães defensores do Papado, acabaram liquidando a revolta do imperador excomungado e deposto.

Henrique IV pede perdão a São Gregório VII em Canosa
O imperador Enrique IV pede perdão a São Gregório VII no castelo de Canossa
São Gregório VII, embora na tumba, foi o grande vencedor.

Os Ditames refletem tão bem os ensinamentos desse glorioso pontífice que a ele foram atribuídos. Porém os especialistas discutem a redação, sem chegarem ainda a uma conclusão.

A disputa acadêmica é sobre datas e não sobre a doutrina, que é a de São Gregório VII, para muitos o maior Papa da Idade Média.

Em época de arrogante laicismo revolucionário os Dictatus Pape ganharam nova atualidade.



DICTATVS PAPAE, bula de São Gregório VII


1 ‒ Que a Igreja Romana foi fundada somente por Deus.

2 ‒ Que somente o Pontífice Romano pode ser chamado de universal com pleno direito.

3 ‒ Que somente o Pontífice pode depor e restabelecer bispos.

4 ‒ Que os legados do Pontífice, ainda que de grau inferior, em um concílio estão acima de todos os bispos, e pode contra estes pronunciar sentença de deposição.

5 ‒ Que o Papa pode depor os ausentes.

6 ‒ Que não se deve ter comunhão ou permanecer na mesma casa com aqueles que tenham sidos excomungados.

São Gregório VII, altar, catedral de Salerno
Urna com os restos de São Gregório VII, altar na catedral de Salerno, Itália.
7 ‒ Que só a ele é lícito promulgar novas leis de acordo com as necessidades dos tempos, reunir novas congregações, converter uma abadia em casa canônica e vice-versa, dividir uma diocese rica ou unir pobres.

8 ‒ Que somente ele possui as insígnias imperiais.

9 ‒ Que todos os príncipes devem beijar os pés do Papa.

10 ‒ Que o seu nome deve ser recitado em toda igreja.

11 ‒ Que o seu título é único no mundo.

12 ‒ Que é lícito depor o imperador.

13 ‒ Que a ele é lícito segundo as necessidades transladar os bispos de uma sede para outra.

14 ‒ Que ele tem o poder de ordenar um clérigo de qualquer igreja para o lugar que queira.

15 ‒ Que o que foi ordenado por ele pode governar a igreja de outro, mas não fazer a guerra; não pode receber de outro bispo um grau superior.

Facsímile dos "Ditames do Papa
Facsimile dos "Ditames do Papa"
16 ‒ Que nenhum sínodo pode ser chamado de geral se não for guiado por ele.

17 ‒ Que nenhum artigo ou livro pode ser chamado de canônico sem sua autorização.

18 ‒ Que nada pode revogar sua palavra, só ele pode fazê-lo.

19 ‒ Que nada pode julgá-lo.

20 ‒ Que nada pode condenar quem apela a Sede Apostólica.

21 ‒ Que as causas de maior importância, de qualquer igreja, devem ser submetida ao seu juizo.

22 ‒ Que a Igreja Romana não erra e não errará jamais, isto está de acordo com as sagradas escrituras.

23 ‒ Que o Pontífice Romano, se houve sido ordenado em uma eleição canônica,está indubitavelmente santificado pelos mérito do Bem Aventurado Pedro como nos testemunha Santo Ennódio, bispo de Pávia, com o consentimento de muitos Santos Padres, como se encontra escrito nos decretos do bem aventurado Papa Símaco.

24 ‒ Que de baixo de sua ordem e com sua permissão é lícito aos súditos fazer acusações.

25 ‒ Que pode depor e restabelecer os bispos mesmo fora de reuniões de sínodo.

26 ‒ Que não deve ser considerado católico quem não está de acordo com a Igreja Romana.

27 ‒ Que o Pontífice pode absolver os súditos de juramento de fidelidade a iníquos.

(Fonte: Gallego Blanco, E., Relaciones entre la Iglesia y el Estado en la Edad Media, Biblioteca de Política y Sociología de Occidente, 1973, Madrid, pp. 174-176)




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Hierarquia e dignidade na cozinha medieval

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Tribunal de Poitiers, salle des pas perdus
Tribunal de Poitiers, salle des pas perdus



Na cozinha (imaginemos aquela cozinha de heróis, com sete fogões gigantescos, que é o único conservado até hoje do que fora o Palácio Ducal de Dijon) está sentado o cozinheiro de plantão numa poltrona, situada entre o fogão e os diversos serviços, da qual pode contemplar a cozinha inteira.

Na mão tem uma grande colher de pau “que lhe serve para duas finalidades: a primeira, experimentar as sopas e os molhos; a segunda, empurrar os serventes da cozinha para as suas obrigações e, se for necessário, bater neles mais de uma vez”.

Em raras ocasiões ‒ quando chegam as primeiras trufas ou o primeiro arenque novo ‒ apresenta-se o cozinheiro para servir pessoalmente, nesse caso levando a tocha na mão.

Para o grave cortesão que no-las descreve (La Marche) todas estas coisas são sacros mistérios, dos quais fala com respeito e com uma espécie de discurso escolástico.

“Quando eu era pajem ‒ diz La Marche ‒ era ainda demasiado jovem para entender questões de precedência e cerimonial”.

La Marche propõe a seus leitores importantes questões de hierarquia e etiqueta, para ter o gosto de resolvê-las com maduro tato:

‒ “Por que assiste o cozinheiro, e não o servente de cozinha à refeição do senhor? De que modo deve ser nomeado o cozinheiro? Quem deve representá-lo em caso de ausência: o 'hatcur' (encarregado dos assados) ou o 'potagier' (encarregado da sopa)?

‒ “A isto respondo: ‒ diz o sábio La Marche

Padeiro e aprendiz, Bodleian Library, Oxford
Padeiro e auxiliar. Bodleian Library, Oxford.
‒ Quando na corte de um príncipe deve ser nomeado um cozinheiro, devem ser chamados um depois do outro o “maître d'hôtel”, os “écuyers de cuisine” e todos aqueles que estão empregados na cozinha; e o cozinheiro deve ser nomeado por eleição solene, verificada por cada um, sob juramento. E à segunda questão: nem o “hateur” nem o “potagier” podem representá-lo, mas sim o substituto do cozinheiro, que deve ser nomeado igualmente por eleição.

‒ Por que os “panetiers” ( título honorífico que recebiam os que guardavam e serviam o pão ao rei) e os “escanções” (aquele que punha o vinho na copa e o apresentava ao rei; equivaleria ao copeiro de hoje em dia) ocupam respectivamente o primeiro e segundo lugares, antes que os trinchadores e os cozinheiros?

‒ Porque seus cargos referem-se ao pão e ao vinho, coisas santas, glorificadas pela dignidade do Sacramento”.

(Autor: Johan Huizinga, “El Otoño de la Edad Media”, Revista de Occidente, Madrid, 1965, 6ª. Edición.)



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Função social da caçada na Idade Média

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Très Riches Heures du Duc de Berry, mês de agosto
Très Riches Heures du Duc de Berry, mês de agosto



O castelo tem muralhas, ameias e torres.

Na torre de menagem, a mais alta delas e de onde mais longe se vê o inimigo que se acerca, está a flâmula com o brasão de armas da família.

Um valo de água circunda o castelo para maior garantia. Há portas levadiças suspensas por correntes e correias muito fortes para o inimigo não entrar.

Logo ao pé do castelo começa a agricultura. Os camponeses estão plantando trigo, a vinha, e muitas outras coisas.

De repente se ouve um ladrar de cachorro e um toque de clarim. Os camponeses se olham entre si e sabem que um verdadeiro espetáculo vai aparecer.

Era um dos espetáculos, mas também uma das necessidades, da sociedade católica daquele tempo.

Baixa lentamente a ponte, e sai de dentro do castelo uma cavalgada.

São vinte cavalos, às vezes mais, lindamente ajaezados, cobertos com panos muito bordados, ostentando o brasão da família.

Tschachtlan Chronik. Berna, Suíça.
Tschachtlan Chronik. Berna, Suíça.
Sobre cada um desses cavalos vai montada uma pessoa da família.

No melhor dos cavalos vai o castelão.

Ao lado dele cavalga sentada à la amazona, sua mulher, e não sentada à la homem como hoje se faz.

É a dama do castelo. Atrás deles vai a alegre cavalgada dos jovens.

Os instrumentos tocam músicas de caça bonitas e as patas dos cavalos fazem o barulho característico sobre o madeirame da torre levadiça.

É a família que está passando para caçada.

A caçada era uma diversão de um gênero especial. Porque só se caçavam animais daninhos para a agricultura ou perigosos para o homem.

Ou, os animais que alimentam o homem, e prolongam portanto a vida humana.

Tudo gira em torno do homem, seja ele o nobre ou o plebeu que trabalha o campo. Todos se beneficiam.

Livro da Caça, matilha de javalis perigosos. Gaston Phebus
Pelos toques percebe-se ao longe se foi pego ou não foi pego um javali que mete medo a todos.

O javali perigoso para a castelã quando ela vai à cidadezinha para dar esmolas, para visitar, para conversar.

Como também é perigoso para a camponesa quando ela vai à paróquia para rezar ou em alguma pequena loja fazer uma compra.

A caçada ao javali visa o bem comum.

Livro da Caça, Caçada do cervo, Gaston Phebus
Há na caçada, portanto, uma colaboração social que para um tipo frívolo parece uma mera diversão.

Há a caça muito mais dramática ao cervo.

Animal tão bonito, tão delicado, com um olhar tão doce, tão inofensivo, tão rápido, mas que não sendo perigoso para o homem, é lhe delicioso.

E assim como um homem tem o direito de colher uma flor quando ela está em sua plena expansão para levá-la à capela de sua casa ou a um vaso de sua residência, assim ele também tem o direito de matar um cervo para comê-lo.

Feita a caçada, em geral o que se matou é muito mais abundante do que as necessidades do castelo.

Então se organiza uma distribuição gratuita a todo vilarejo daquilo que foi caçado.

Livro da Caça, a refeição geral final, Gaston Phebus
Livro da Caça, a refeição geral final, Gaston Phebus
É a hora da culinária, dos cozinheiros e das cozinheiras, e é hora dos que comem. A caçada está paga.

Os medievais não tinham televisão, mas viver com os olhos postos na feeria da vida do castelo, contarem uns para os outros as últimas novidades do castelo, da filha do castelão que está noiva do filho do castelão tal outro, e que o casamento quando será?, etc.

Tudo isto constituía o conjunto de novidades de que vivia a pequena população do castelo.



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A fecundidade do silêncio dos mosteiros da Idade da Luz

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Monges de uma cartuxa cantando o ofício divino
Monges de uma cartuxa cantando o ofício divino




Os monges não trabalhavam nem em benefício próprio, nem mesmo pelo sucesso, mas unicamente para a glória de Deus.

Seu objetivo era o de fazer reviver, na memória de seus irmãos, os acontecimentos passados de seu tempo e de sua região; de relembrar aquilo que eles haviam testemunhado ou que lhes havia sido transmitido pela tradição.

Ora, graças à organização social da Idade Média, essa tradição tornara-se tão poderosa quanto durável.

Os monges escreviam na intimidade da paz e da liberdade do claustro, com toda candura e sinceridade na alma.

Calmos no interior da segurança, da obediência claustral e das alegrias da santa pobreza, os monges analistas ofereciam aos cristãos o fruto fecundo de seus longos estudos, que a vida no mundo completava com conhecimentos históricos.







(Autor: Montalembert, "Les Moines d'Occident" - Vol. VI, p. 234)



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O feudalismo e a Igreja

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Não se trata aqui de fazer a apologia do feudalismo sob os dois pontos de vista — o social e o político.

Mas o passado pertence à justiça, e a justiça impõe aos homens imparciais e sinceros o dever de reconhecer uma verdade tão brilhante quanto a luz do dia, declarando que a época feudal foi, de todas as fases percorridas até agora pela sociedade temporal, a mais constantemente favorável ao desenvolvimento da Igreja.

Após um estudo mais consciencioso dos fatos, não temos receio de proclamar: de todas as potências que reinaram sobre o mundo antes ou depois da aristocracia feudal da Idade Média, nenhuma atribuiu à Igreja tão grande porção de autoridade, de riquezas, de honra, e sobretudo de liberdade, tão prodigamente espalhadas sobre a face da Terra.

Nenhuma escutou de modo tão respeitoso a sua voz, dedicada à defesa de suas liberdades e de seus direitos, com tão numerosos e tão valentes exércitos; nenhuma, enfim, povoou seus santuários com tão grande número de fiéis e de santos.

Atacar o feudalismo em nome da Igreja, esse sistema que obteve para ela tudo o que a monarquia e a democracia tomaram para si, é ao mesmo tempo o cúmulo da ignorância e da ingratidão.


(Fonte: Montalembert, "Les moines d’Occident")






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Sem a Cristandade medieval nunca teria reinado a paz na Europa

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Bárbaros antes da cristianização.
Bárbaros antes da cristianização.




A Idade Média, tal como se apresentava, corria o risco de nunca conhecer senão caos e decomposição.

Nascida de um império desmoronado e de vagas de invasões sucessivas, formada por povos desarmônicos.

Esta Europa tão dividida, tão perturbada quando do seu nascimento, atravessa uma era de harmonia e de união tal como ela nunca conhecera e não conhecerá talvez mais no decorrer dos séculos.

Vemos a Europa inteira estremecer à palavra de um Urbano II, de um Pedro, o Eremita, mais tarde de um São Bernardo ou de um Foulques de Neuilly.

Vemos monarcas, preferindo a arbitragem à guerra, submeter-se ao julgamento do papa ou de um rei estrangeiro para regularizar as suas dissensões.

Praticamente, a Cristandade pode definir-se como a “universidade” dos príncipes e dos povos cristãos obedecendo a uma mesma doutrina, animados de uma mesma fé, e reconhecendo desde logo o mesmo magistério espiritual.

Esta comunidade de fé traduziu-se numa ordem europeia assaz desconcertante para cérebros modernos, bastante complexa nas suas ramificações, grandiosa, contudo, quando a examinamos no seu conjunto.

A paz na Idade Média foi muito precisamente, segundo a bela definição de Santo Agostinho, a “tranqüilidade” desta ordem.

Nas relações entre a Igreja e os Estados; estamos habituados a ver na autoridade espiritual e na autoridade temporal dois poderes claramente distintos.

Contudo se nos integrarmos na mentalidade da época não é a Santa Sé que impõe o seu poder aos príncipes e aos povos, mas estes príncipes e estes povos, sendo crentes, recorrem naturalmente ao poder espiritual, quer eles queiram fazer fortalecer a sua autoridade ou respeitar os seus direitos, quer desejem fazer solucionar as suas questões por um árbitro imparcial.

A tentativa audaciosa de unir os dois poderes, o espiritual e o temporal, para o bem comum se salda num êxito.

Era uma garantia de paz e de justiça este poder moral (da Igreja) do qual não se podiam infringir as decisões sem correr perigos precisos, entre outros o de se ver despojado da sua própria autoridade e afastado da estima dos seus súditos.

Durante a maior parte da Idade Média, o direito de guerra privada continua considerado como inviolável pelo poder civil e pela mentalidade geral; manter a paz entre os barões e os Estados apresenta, portanto, imensas dificuldades, e, se não fosse a Cristandade, a Europa corria o risco de nunca passar de um vasto campo de batalha.

(Autor: Régine Pernoud, “Luz sobre a Idade Média”, 1996, Publicações Europa-América.)



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A revolução industrial da Idade Média: os surpreendentes planos de Villard d’Honnecourt

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Apaixonado pelas novidades e técnicas mecânicas Villard de Honnecourt, arquétipo de engenheiro da revolução industrial da Idade Média, dá provas de maior modéstia.

Em seu Carnet de Notes, ele apresenta-se e à sua obra nos seguintes termos:

“Villard de Honnecourt vos saúda e roga a todos os que trabalham nos diversos gêneros de obras contidas neste livro que orem por sua alma e se lembrem dele; pois neste livro podem-se encontrar grandes ajudas para que os interessados se instruam nos princípios da construção em pedra e da construção de estruturas em madeira.

“Também se encontrará o método do retrato e do traço, tal como a geometria ordena e ensina”. (Álbum de Villard de Honnecourt, manuscrito publicado em fac-símile e anotado por L.-B.Lassus, Paris, 1858, p. 59).

Nascido no começo do século XIII em Honnecourt perto de Cambrai, na Picardia, a sua atividade profissional situa-se entre 1225 e 1250.

A extensão de sua obra é-nos conhecida graças ao seu Carnet de Notes, do mesmo modo que a fama do arquiteto romano Vitrúvio chegou até nós graças aos seus Dez Livros de Arquitetura.

O Carnet, conservado na Biblioteca Nacional de Parisé constituído por 33 folhas de pergaminho, manuscritas em ambas as faces. Na origem, o álbum tinha outras folhas, infelizmente perdidas.

Em sua juventude, Villard de Honnecourt trabalhou no canteiro de obras da abadia cisterciense de Vaucelles a duas horas de marcha de sua aldeia natal.

Aí desenhou o plano do coro da igreja, excepcional para uma igreja da Ordem de Cister; mudou-se em seguida para Cambrai, que era então uma das cidades mais importantes da indústria têxtil do Norte da França.

Ali traçou num pergaminho “o plano da cabeceira de Notre-Dame de Cambrai, tal como sai da terra” e “as elevações interiores, o plano da capela, as paredes e os arcobotantes” (Álbum de Villard de Honnecourt, p. 118).

Essas elevações foram obra de Jean d'Orbais, de quem Villard nunca viu o retrato, gravado somente no final do século XIII nas lajes do labirinto.

Entretanto, é possível que se tenha entrevistado com Jean le Loup, que dirigia os trabalhos do canteiro de Reims quando Villard aí esteve.

Sob os esboços de uma igreja de duplo deambulatório, Villard anotou que discutiu o projeto com um arquiteto chamado Pierre de Corbie. Nessa época, os arquitetos trocavam de bom grado suas ideias.

Quando estava em Reims, Villard desenhou uma fila dupla de arcobotantes.

Estes arcobotantes, uma das grandes invenções da arquitetura gótica, permitiam escorar o empuxo das abóbodas.

Esse método revolucionário possibilitou as construções altas ao mesmo tempo que se aligeiravam as paredes laterais. As igrejas góticas estavam repletas de invenções técnicas desse gênero.

Não se pode deixar de citar entre as mais notáveis o conjunto frequentemente complexo, de passagens ou corredores de serviço, incorporados vertical e horizontalmente às paredes para assegurar a manutenção e fiscalização dos trabalhos em grandes edifícios.

Esses corredores não existiam nas primeiras igrejas românicas. Em Beauvais construiu-se em cinco níveis diferentes e em Chartres havia nove poços de escada de caracol.

O esquema mostra o corte de uma grande igreja equipada de corredores em três níveis, ligados entre eles por escadas em caracol.

Essas passagens, situadas no interior ou exterior das paredes, permitiam, em caso de incêndio, chegar rapidamente ao local do sinistro.

Facilitavam igualmente a vigilância e a conservação do teto e dos vitrais. Construídas à medida que as paredes eram levantadas, permitiam não só que os pedreiros transportassem seus materiais sem estorvo, mas também a realização de economias em andaimes e escoras durante as obras.

“Elas [as passagens] deixavam livre o espaço importante ao nível do solo, oferecendo, sem escadas de mão que estorvam a circulação nem estruturas temporárias, uma via de acesso interna e segura às partes elevadas do edifício, lá onde justa- mente se impunha a armação de andaimes localizados”. (J. Fitchen, The Construction of Gothic Cathedrals, Clarendon Press, Oxford, 1964, p. 23)

Arcobotantes
Arcobotantes
Villard compreendeu a importância dessas passagens de serviço. Em seu Carnet, sob o desenho de duas elevações de Reims, explica em pormenor onde se encontram os corredores.

“Diante da cobertura das naves laterais, deve existir um caminho sobre o entabulamento e um outro sobre a cume eira dessas naves, diante dos janelões destinados aos vitrais, com parapeitos baixos, como vereis no desenho que está sob os vossos olhos.

“No coroamento dos contrafortes deverá haver florões de anjos e, por diante, arcobotantes. Diante da grande cumeeira do alto deverá haver caminhos e parapeitos sobre o entabulamento para circular quando há perigo de fogo. Também deverá haver no entabulamento calhas para escoar a água” (Álbum de Villard de Honnecourt, p. 211).

Além do interesse técnico que para ele essas construções apresentam, essas observações provam a preocupação que Villard tinha com os problemas de segurança.

(Autor: Jean Gimpel, “A revolução Industrial da Idade Média”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977, 222 páginas).

continua no próximo post:



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A movimentada vida dos engenheiros medievais

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Villard de Honnecourt procurava também o meio de facilitar o transporte e içamento de cargas. Graças aos manuscritos iluminados, sabemos que os construtores de catedrais já utilizavam toda a sorte de máquinas (guinchos, polias, cabrestantes, etc.) para esse efeito.

Mas Villard foi o primeiro a desenhar um parafuso combinado com uma alavanca, ou seja, um macaco, a respeito do qual diz que “por este meio faz-se um dos mais potentes engenhos para içar os fardos”.

Villard desenhava, em primeiro lugar, por motivos técnicos, mas também porque certos elementos arquiteturais lhe agradavam. Em Reims, por exemplo, desenhou uma janela da nave “porque a preferia”, diz ele.

Executou esse desenho por volta de 1230, mas, e este é um ponto interessante, não copiou essa janela exatamente como era. Talvez inconscientemente, “ele modernizou” uma janela que devia datar de 1211.

Com efeito, ele “modernizou” outros edifícios, entre os quais, uma das torres da catedral de Laon, pela qual Villard exprimiria sua admiração.

Os bois curiosamente esculpidos no ângulo de cada torre ainda hoje podem ser vistos no local exato onde Villard fez seu desenho, há mais de 700 anos.

Em Chartres, ele fez um croqui “interpretado” da grande rosácea da fachada ocidental. Depois, recopiou o labirinto, mas invertendo-o.

Infelizmente, como a placa que dava o nome dos arquitetos provavelmente desapareceu, o desenho de Villard nada nos revela.

Ele também desenhou, transformando-o ligeiramente, um dos janelões de vitral do transepto Sul da Catedral de Lausanne, que se encontrava no trajeto seguido por Villard para ir à Hungria, aonde o tinham convidado.

Villard orgulhava-se imenso dessa viagem, que jamais esqueceu e de que fala abundantemente em seu compêndio. Fora chamado pelos monges cistercienses que desenvolviam então seus mosteiros na Hungria?

Ou teria sido convidado porque a irmã do rei, Elisabeth de Hungria, antes de sua morte em 1231, fez uma doação à Catedral de Cambrai?

Elisabeth de Hungria foi canonizada e talvez tenha sido Villard de Honnecourt quem edificou em Kosice (na Eslováquia atual) a catedral dedicada a essa santa.


Há 16 estátuas de bois em pedra nas torres da catedral de Laon.

Em 1114, durante a restauração da catedral, caiu extenuado um boi que puxava uma charrete.

Viu-se então um boi desconhecido completar a tarefa e desaparecer misteriosamente.

Em lembrança do fato maravilhoso foram instaladas 8 estátuas em cada torre.

O boi é símbolo do Evangelho de São Mateus porque põe em destaque os lados humanos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Tendo chegado à Hungria em 1235, Villard multiplicou aí seus esboços, a fim de constituir uma reserva de formas e modelos. De todos esses desenhos, apenas restou um, representando o lajeado de uma igreja.

Na Idade Média, não era raro ver arquitetos-engenheiros visitarem países considerados em “vias de desenvolvimento” por comparação com a França do século XIII, um pouco como têm feito os engenheiros americanos do século XX, oferecendo sua assistência técnica às nações jovens, para ajudá-las a construírem suas centrais hidrelétricas e suas siderúrgicas.

A 30 de agosto de 1287, o arquiteto Étienne de Bonneuil assinou, na presença do Preboste de Paris, um contrato que precedia a sua viagem à Suécia:

“Nós, Renaut le Cras, Preboste de Paris, fazemos saber que Étienne Bonneuil compareceu ante nós e declarou aceitar ser o mestre-pedreiro e empreiteiro da Igreja de Upsala, na Suécia, para onde se dispõe a viajar.

Mestre de pedreiros distribui as tarefas
Mestre de pedreiros distribui as tarefas
“Reconhece ter recebido de pleno direito, para seu pagamento, a soma de 40 libras parisias das mãos dos senhores Olivier e Charles homens de leis e tabeliães em Paris, a fim de levar consigo, por conta do canteiro de obra da sobredita igreja, quatro pedreiros e quatro operários solteiros para talhar e esculpir a pedra, pensando que isso seria um benefício da dita igreja.

“Por essa soma, ele compromete-se a levar os ditos operários a esse país e a pagar todos os seus gastos.

“E se acontecer que Étienne de Bonneuil e seus companheiros de viagem pereçam no mar, numa tempestade ou de qualquer outra maneira, antes de chegarem à Suécia, ele, seus companheiros e seus herdeiros serão liberados do reembolso da sobredita quantia”. (V. Mortet e P. Deschamps, Recueil de textes relatifs à l'histoire de l'architecture et à la condition des architectes en France au Moyen Age, XlIe-XIIIe siècles, VoI. II, Paris, 1929, pp. 305-6.)

De regresso à Picardia, Villard trabalhou provavelmente na igreja colegial de Saint-Quentin e transformou o seu Carnet de Notes, até então para seu uso pessoal, em livro de canteiro de obras. Adicionou-lhe notas explicativas para elucidar certos croquis.


(Autor: Jean Gimpel, “A revolução Industrial da Idade Média”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977, 222 páginas).

continua no próximo post: A Idade Média à procura do Movimento Perpétuo para resolver o problema da energia



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A Idade Média à procura do Movimento Perpétuo para resolver o problema da energia

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Horloge de la Sapience, Henri Suso, Bibliothèque royale de Belgique, ms IV 111, f 13v.
Horloge de la Sapience, Henri Suso,
Bibliothèque royale de Belgique, ms IV 111, f 13v.


continuação do post anterior: A movimentada vida dos engenheiros medievais



Sabemos que, após a morte de Villard, duas gerações, pelo menos, utilizaram o seu álbum.

Os especialistas identificaram em certas folhas a escrita mais recente de dois comentadores anônimos do final do século XIII, denominados, por uma questão de comodidade, Magister I e Magister II.

Mas os desenhos de mecanismos são todos do punho de Villard e o mais interessante relaciona-se com o problema do movimento perpétuo.

Esse desenho reflete o interesse apaixonado com que os homens da Idade Média procuravam novas fontes de energia. Para aumentar a produção energética, eles investigaram além da energia eólia, hidráulica e das marés:
Projeto de movimento perpetuo de Villard de Honnecourt
Projeto de movimento perpetuo de Villard de Honnecourt

“O mundo inteiro acabou por ser apenas, aos olhos deles, um vasto reservatório de forças naturais que era possível captar à vontade e utilizar para satisfação das necessidades e dos desejos humanos.

“Sem a ousadia de sua imaginação e mesmo sem a fantasia de algumas de suas criações, a potência energética do mundo Ocidental jamais se poderia desenvolver” (Lynn White, Technologie médiévale et transformations sociales, Mouton, Paris-Haia, 1969, pp. 137-8.)

Pouco importa que os mecanismos do irrealizável movimento perpétuo, imaginados no século XIII, nunca tivessem funcionado.

O que importa é que tenham sido encontrados no século XIII cientistas e engenheiros para tentar construir esse movimento com fins práticos.

Villard de Honnecourt compartilha com outros contemporâneos seus da honra de ter trabalhado nesse sentido:

“Inúmeras vezes discutiram entre si os mestres para fazer girar uma roda por si mesma. Eis como é possível fazê-lo, por meio de malhetes não pares e mercúrio”.

Em 1269, Pierre de Maricourt, um dos grandes cientistas do seu século, sublinhava em sua obra sobre o magnetismo o vivo interesse dos investigadores por esse problema: “Vi muitos homens exaustos em sua investigação para inventar essa roda”.

Villard, por sua parte, pensava ter encontrado a boa solução, mas, nesse domínio, não foi um inovador, pois a noção de movimento perpétuo já era conhecida no século XII na Índia, onde florescia uma rica tradição de filosofia cíclica.

Reconstituição moderna do projeto de movimento perpetuo  de Villard de Honnecourt
Reconstituição moderna do projeto de movimento perpetuo
de Villard de Honnecourt
O emprego da bússola, já bastante generalizado no século XIII, levou Pierre de Maricourt a indagar se não se poderia obter, através do magnetismo, um movimento perpétuo semelhante ao movimento da gravidade.

Ele imaginou dois sistemas. O primeiro é o esquema de uma máquina animada de um movimento magnético perpétuo.

Eis como ele descreve o segundo:

“Um ímã esférico que, na condição de ser montado sem fricção paralela ao eixo celeste, giraria uma vez por dia. Corretamente inscrito numa carta dos céus serviria de esfera armilar automática para as observações astronômicas e os relógios, permitindo assim dispensar-se qualquer outro aparelho de medição do tempo.” (Technologie médiévale, op. cit., p. 137.)


(Autor: Jean Gimpel, “A revolução Industrial da Idade Média”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977, 222 páginas).

continua no próximo post: Energia industrial para invenções e “gadgets” em plena era medieval



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Energia industrial para invenções e “gadgets” em plena era medieval

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Catapulta, reconstituição moderna
Catapulta, reconstituição moderna



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para resolver o problema da energia




Autor da primeira representação conhecida da serra hidráulica, Villard dá-nos uma nova prova da importância que a Idade Média atribuía à energia utilizada para fins industriais.

Sob um croqui, ele anota: “Por este meio faz-se uma serra serrar por si mesma”.

Essa serra é também a primeira máquina automática a dois tempos: “Ao movimento circular das rodas, criando um movimento alternado capaz de serrar, soma-se a regulagem auto- mática da madeira à serra”.

Sob o desenho dessa serra automática encontra-se o mais antigo esquema de um movimento de relojoaria. Esse mecanismo está ligado por um eixo à estátua de um anjo colocado no telhado de uma grande igreja.

Uma estátua dessas existia em Chartres, antes da sua destruição pelo fogo em 1836. O mecanismo fazia girar a estátua lentamente, acompanhando o curso do Sol no céu.

Villard explica que, “por esse meio pode-se fazer com que um anjo mantenha sempre o seu dedo apontado para o Sol”.

E em outra altura: “O desenho representa uma armação que sustenta um eixo vertical e um fuso horizontal sobre o qual assenta uma roda. Uma corda lastrada com um peso e enrolada em redor de uma polia passa horizontalmente e enrola-se duas vezes em torno do eixo vertical.

Relógio de sol medieval na fachada da catedral de Chartres, o autômato desapareceu num incêndio.
Relógio de sol na fachada da catedral de Chartres,
o autômato desapareceu num incêndio.
“A corda é dirigida para o fuso horizontal e aí se enrola 3 vezes, antes de passar em redor de uma segunda polia. Um segundo peso, inferior ao precedente, está suspenso na ponta da corda. A queda do peso mais pesado deflagra um movimento que faz girar o eixo vertical e o fuso horizontal” (The Sketchbook of Villard de Honnecourt, ed. R. Willis, Londres, 1859, p. 161).

Ainda antes do final do século XIII, os engenheiros medievais teriam aperfeiçoado o mecanismo de escapo e construído o relógio de pesos, destinado a desempenhar um papel tão importante na história das técnicas do mundo ocidental.

Na mesma lâmina do Carnet, no canto situado em baixo e à esquerda, Villard representou uma águia recheada de cordas e polias.

Diz o texto: “Por este meio pode-se fazer girar a cabeça da águia para o diácono durante a leitura do Evangelho”. Esse mecanismo engenhoso nada mais é senão um brinquedo automático ou, para empregar uma palavra em moda, um gadget.

Villard, segundo parece, adorava os gadgets, pelo menos tanto quanto as gerações de americanos nascidos depois da Segunda Guerra Mundial, e concebeu ainda dois mecanismos extremamente curiosos: um é o esquenta-mãos, o outro uma taça:

“Para se fazer um esquenta-mãos, faz-se primeiro uma espécie de bola de cobre, como uma batata, composta de duas metades que se encaixam uma na outra. No interior dessa bola de cobre deverá haver 6 arcos, igualmente em cobre, cada um deles montado sobre 2 pivôs.

“No centro, encontra-se um pequeno braseiro e mais 2 pivôs. Os pivôs serão alternados de modo que o braseiro se mantenha sempre em posição vertical.

“As brasas incandescentes nunca poderão escapar, se forem atentamente seguidas as instruções do desenho. Este mecanismo é bom para um bispo.

“Ele pode assistir sem hesitação à grande missa; enquanto o tiver em suas mãos, não sentirá frio algum durante o tempo em que houver fogo.

“O mecanismo está construído de maneira tal que, gire de que lado girar, o pequeno braseiro estará sempre direito”.

Esse mecanismo, descrito por Villard com tanta precisão, foi adotado para manter horizontais as bússolas marítimas e verticais os barômetros.

O outro objeto é um cálice conhecido pelo nome de taça de Tântalo: um pássaro está pousado no cimo de uma pequena torre, no interior de uma taça de vinho.

O pássaro parece beber quando se despeja vinho na taça. O mecanismo é explicado com a ajuda do desenho.

Mas o desenho, pouco exato, é enganador, porquanto mostra o bico do pássaro demasiado alto em relação à borda da taça.

Esse pássaro mecânico é um brinquedo já conhecido do mundo antigo. Está descrito no Problema XII de A Pneumática de Heron de Alexandria, que viveu no primeiro século da nossa era.

O galo canta ainda três vezes por dia na catedral de Estrasburgo.
O galo canta ainda três vezes por dia na catedral de Estrasburgo.
Os textos que dele nos chegaram são traduções em latim de manuscritos árabes.

A cópia incorreta do mecanismo que Villard fez mostra que ele nunca teve essa taça entre as mãos. Contentou-se em dar livre curso à sua imaginação, servindo-se de um texto latino.

Villard, como outros arquitetos de seu tempo, foi também engenheiro, construtor de máquinas de guerra.

Em seu Carnet, dedicou uma página aos desenhos pormenorizados de uma potente catapulta.

Infelizmente, falta uma página. Mas a página restante está inteiramente coberta com o desenho desse engenho militar.

A legenda explica: “Quem quiser construir o poderoso engenho a que se dá o nome de bodoque, deverá prestar muita atenção ao seguinte.

“Eis a plataforma, tal como assenta em terra. Na parte da frente, as duas molas e a corda frouxa, com a qual se leva novamente a verga, como se pode ver na outra página.

“Há um grande peso a transportar, porque o contrapeso é muito pesado, sendo constituído por uma arca cheia de terra. Ela tem de comprimento dez toesas grandes, nove pés de largo e doze de fundo. Pensai no impulso da flecha e tomai cuidado, pois ela deve ser colocada contra a travessa da frente”.

Villard também teria sido um construtor de pontes e esboçou um mecanismo muito complexo que permitia serrar madeira debaixo de água.

“Por meio deste engenho, serra-se os pilotis na água para assentar uma plataforma sobre eles”.

Uma lenda, sem fundamento histórico, atribui a construção de certas pontes, na França, a um grupo de homens devotos, talvez religiosos, que se deslocavam de uma cidade a outra segundo as necessidades do urbanismo local.



O relógio astronômico da catedral de Estrasburgo:




(Autor: Jean Gimpel, “A revolução Industrial da Idade Média”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977, 222 páginas).

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Conhecimentos industriais e científicos da Antiguidade cuidadosamente aproveitados

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Certos tratados do mundo antigo eram conhecidos na Idade Média. Conservamos 7 manuscritos do século X do Tratado da Arte Militar de Vegécio, escritor latino do século IV; chegaram-nos ainda 19 manuscritos do século XIII e, no mínimo, uma centena dos séculos XIV e XV.

Enfim, a obra de Vitrúvio, que constitui um manancial de informações sobre a técnica romana e a arquitetura clássica era facilmente encontrada nos mosteiros e cidades da 'Europa Ocidental.

Foi copiada e recopiada inúmeras vezes, entre outras, no século VIII, pelos clérigos de Jarrow, na Inglaterra.

Sabemos que no século IX, Eginhard, que era responsável pelas construções do imperador Carlos Magno, possuía um exemplar. Os ricos mosteiros de Fulda e de Reichenau conservavam uma copia de Vitrúvio cada um.

No século XI, um outro manuscrito foi caligrafado pelos beneditinos da Abadia de Saint-Pierre de Gand. Um século mais tarde, esse famoso texto foi recopiado 12 vezes.

No século XX, restam 55 exemplares que se escalonam entre os séculos X e XV.

Em 1414, o humanista italiano Poggio “redescobriu” um manuscrito de Vitrúvio entre os tesouros da biblioteca do Mosteiro de Saint-Gall.

Nessa época, acreditava-se geralmente que a Idade Média não conhecera a existência do arquiteto romano. Os intelectuais da Renascença nada fizeram para dissipar esse erro.

Os medievalistas tiveram dificuldade (ainda hoje têm) em corrigir o erro dos humanistas dos séculos XV e XVI. O Carnet de Notes de Villard, assim como outros documentos posteriores ou contemporâneos, provam, pelo contrário, a que ponto a civilização romana era apreciada pelos homens da Idade Média.

Os desenhos de Villard que se inspiraram em estátuas e monumentos antigos são em grande número.

Por exemplo, duas cabeças barbudas e coroadas de folhas, personagens vestidos de clâmide [manto dos antigos gregos], ostentando o barrete frígio, e um nu enigmático que brande um vaso de flores. Este último desenho é sombreado em tom castanho escuro. Todos são claramente de inspiração clássica.

Um croqui representando um monumento antigo ocupa toda uma folha e tem a seguinte legenda: “Vi outrora o túmulo de um muçulmano. Eis como era”.

Copia do tratado de Vitrúvio, por volta de 1390.
Wolbert H.M. Vroom Collection, Amsterdam
O Tratado de Arquitetura de Vitrúvio teve uma influência inegável sobre os temas estudados por Villard.

Tal como os outros arquitetos do mundo antigo, Vitrúvio era um homem das artes mecânicas, isto é, não tinha recebido qualquer formação acadêmica, a qual somente era acessível aos ricos.

Vivamente magoado com a inferioridade da condição social dos arquitetos, procurou obter para ele e seus colegas a consideração e o respeito de que deveriam gozar suas atividades de arquiteto.

Vitrúvio queria que a cultura do arquiteto fosse enciclopédica. O próprio Vitrúvio nunca atingiu esse ideal. Seu latim não era dos melhores. Entretanto, graças à extensão de seus conhecimentos e também às suas ambições intelectuais, conhecemos numerosos aspectos da tecnologia helênica e romana.

Villard foi a sobrepor figuras geométricas aos seus croquis de homens e animais. Esses desenhos são frequentemente reproduzidos pelos editores modernos e certos historiadores de Arte quiseram ver em Villard de Honnecourt o precursor dos cubistas, o que ele não foi.


(Autor: Jean Gimpel, “A revolução Industrial da Idade Média”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977, 222 páginas).




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Esplendor do gótico e glória da Idade Média

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Catedral de Burgos, Espanha
Catedral de Burgos, Espanha




Gótico! Quanta glória encerra esta expressão!

Quando a Renascença exumou a cultura clássica e rejeitou a civilização medieval, “gótico significava “bárbaro”, grotesco, próprio aos Godos.

Hoje, com o correr dos séculos, a pátina do tempo transformou “gótico” em sinônimo de “glória”.

Glória pelo esplendor da arte que elaborou o arco ogival e rasgou os céus com as torres de catedrais como as de Paris, Chartres e Colônia.

Glória pela civilização que extinguiu a escravidão, converteu os bárbaros, inventou as universidades e construiu os primeiros hospitais.

Catedral de Estrasburgo, França
Catedral de Estrasburgo, França
Glória pela “doce primavera da Fé”, época em que o teólogo e o arquiteto uniram seus talentos para louvar a Deus.

* * *

Se alguém, no entanto, quiser intuir num simples golpe de vista o fulgor dessa glória, basta observar as fotos de nosso post.

O jogo de luzes e sombras realça o imponderável da cena.

Do belo edifício gótico aparecem apenas algumas partes, iluminadas por intensa luz dourada.

As muralhas e as ogivas imergem no mistério.

Capela de Saint Hubert, no castelo de Amboise, Loire, França
Capela de Santo Huberto, no castelo de Amboise, Loire, França

* * *

Construída sobre rocha escarpada às margens do Loire, no jardim da França.

A capela de Santo Huberto lembra o apogeu da Idade Média, embora o castelo a que pertença, Amboise, tenha sido edificado em estilo renascentista.

Apogeu que infelizmente teve breve duração, mas que iluminou o firmamento da História assim como um corisco ilumina a abóbada celeste.

Fixa nesse instante de glória, a capela de Santo Huberto irradia ao longo dos séculos o esplendor da arte gótica!




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A geometria a serviço do arquiteto medieval

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Folha do Caderno de Anotações de Villard de Honnecourt
Folha do Caderno de Anotações de Villard de Honnecourt



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Numerosas páginas do Caderno de Anotações de Villard de Honnecourt são dedicadas a exercícios de Geometria. Numa página, um desenho representa uma cabeça de homem cercada por uma retícula.

A cabeça esta dividida em 3 partes iguais que correspondem exatamente às proporções dadas por Vitrúvio:

“O comprimento do rosto é determinado da seguinte maneira: um terço é a distancia entre a parte de baixo do queixo e a parte inferior das narinas.

“O segundo terço da mesma dimensão, vai desde a parte inferior do nariz até uma linha que passa entre as duas sobrancelhas.

“O terceiro terço vai desde as sobrancelhas até à raiz dos cabelos e compreende a testa”.

Na mesma página, Villard executou os seguintes croquis: uma parede, uma torre com ameias, a cabeça de um cavalo, quatro cabeças humanas, um galgo, uma mão esquerda, aberta, um carneiro uma águia de asas abertas e dois avestruzes entrecruzados.

Villard utiliza as figuras geométricas de duas maneiras: em certos casos, ele sobrepõe um triângulo, assim como sobrepôs um quadrado ou um retângulo, ao desenho de uma cabeça de homem e de uma cabeça de cavalo ou sobrepõe um pentágono a uma cabeça de velho reproduzida em outro lugar enquadrada num triângulo.

Villard quis provar que se pode utilizar a mesma figura geométrica para quadricular duas cabeças diferentes – e para duas cabeças quase idênticas, duas figuras geométricas inteiramente, diferentes.

Supôs-se, durante muito tempo, que esse método oferecia ao aprendiz de desenho uma solução para o problema das proporções e da perspectiva.

Os historiadores demonstraram recentemente que a retícula geométrica era sobretudo utilizada na Idade Média

“para facilitar a projeção, em perspectiva, na pedra a esculpir, na parede a decorar ou na prancha de desenho do fabricante de vitrais, de um pequeno croqui do trabalho executado em plano sobre o pergaminho”. (Paul Frankl,The Gothic. Literary Sources of Interpretations through Eight Centuries, Princeton, Nova Jersey, 1960, p, 44.).

Em outros casos, Villard utilizou as figuras e os traçados geométricos para reproduzir facilmente um desenho numa determinada escala.

Eis o seu comentário: “Começa aqui o método do traço para desenhar a figura, tal como a arte da geometria o ensina para trabalhar facilmente”.

Comentando os desenhos que representam quatro pedreiros cujos corpos formam uma cruz, três peixes com uma só cabeça com capacete, uma figura mostrando quatro homens em elevação isométrica e a cabeça de um javali, Villard escreveu:

“Nestas quatro folhas estão as figuras da arte da geometria; mas aquele que quer saber para que poderá servir cada uma delas deve prestar atenção a conhecê-las”.

Villard previu as dificuldades que seriam criadas pela interpretação correta de seus traçados. Por duas vezes, em quatro folhas consagradas aos diagramas e quadricula- dos, emprega a palavra geometria. E repete a palavra numa outra folha:

“Todas estas figuras são traçados de geometria”.

Essa folha e as duas seguintes são consagradas a esquemas geométricos destinados à utilização pelos canteiros, topógrafos e carpinteiros nos locais de obras. Na fila do alto, lê-se da esquerda para a direita:

“Como calcular o diâmetro de uma coluna que não se vê inteiramente

“Assim se encontra o ponto no meio de um campo descrito ao compasso

“Por este meio se talha o modelo de um grande arco em três pés de terra”.

A ciência da Geometria. The British Library.
A ciência da Geometria. The British Library.
Na terceira fila:

“Por este meio se faz uma ponte de madeira num curso de água de vinte pés de comprimento

“Por este meio se traça um claustro com suas galerias e seu pátio

“Por este meio se toma a largura de um curso de água sem cruzá-la

“Por este meio se toma a largura de uma janela que está distanciada”.

Na quarta fila, sempre da esquerda para a direita, lê-se:

“Por este meio se assentam os quatro cantos de um claustro sem fio de prumo nem linha

“Por este meio se divide uma pedra de maneira tal que as duas metades sejam quadradas”.

Dois desenhos dessa folha apresentam um interesse particular; referimo-nos aos dois quadriculados da terceira e quarta filas.

Dão-nos a conhecer o método empregado na época para construir um alçado a partir de um plano, servindo-se de quadrados cada vez menores, encaixados uns nos outros.

Esse método constitui, talvez, um dos segredos do ofício dos pedreiros e canteiros medievais.

Abadia de Cluny: triunfo da geometria divina na arquitetura:



(Autor: Jean Gimpel, “A revolução Industrial da Idade Média”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977, 222 páginas.)

continua no próximo post: Os mestres medievais autores de inventos atribuídos a Leonardo da Vinci



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O que é que foi a Cavalaria medieval?

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A palavra “cavaleiro”, na realidade, comporta várias significações diversas, não acentuadas pelos historiadores.

Weiss, em sua “História Universal”, comentando o trabalho de Ischer intitulado “Sobre la caballería y la nobleza hacia fines de la Edad Media”, assim se expressa:

“Ultimamente vem-se descobrindo com frequência que, em muitos conceitos, temos uma ideia falsa das relações entre a nobreza e os homens livres comuns; que na segunda metade do século XV o número dos cavaleiros propriamente ditos era muito menor do que poderíamos pensar, ao passo que o dos cavaleiros de nascimento era muito maior; e que comumente se confunde o emprego das armas com o armar-se cavaleiro, embora só entre os cavaleiros de nascimento este último fato estabeleça uma hierarquia ideal”. (J.B. Weiss, “Historia Universal”- Tipografia la Educación, Barcelona, 1927, vol. V, p. 503)

Este trecho nos revela uma importante distinção acerca do significado da palavra “cavaleiro”.

Segundo Voise, existem duas espécies de cavaleiros:

1) os cavaleiros propriamente ditos;

2) os cavaleiros de nascimento.

O mesmo autor mostra ainda que não se deve confundir a entrega das armas com o ato de “armar-se cavaleiro”. Esta afirmação nos conduziu à conclusão de que a palavra cavaleiro não é sinônima de guerreiro medieval.

Em vista disso, parece defensável a tese de que existe uma diferença fundamental entre exército feudal e Cavalaria.

Por outro lado, Funck-Brentano, em seu livro “Le Moyen Âge”, afirma:

“Deve-se distinguir a Cavalaria da nobreza feudal, mesmo considerando que esta última fora a semeadura daquela, e que quase todos os barões feudais tenham sido armados cavaleiros.

“A Cavalaria constituía uma Ordem, cuja recepção, que em geral recaía sobre fidalgos, se desenrolava numa cerimônia religiosa chamada “investidura”.

“Esta compreendia o “adoubement” conferido por um cavaleiro, o mais das vezes o suserano do feudo, cujo domínio pertencia ao recipiendário.

“Mas a nobreza não era uma condição rigorosamente exigida, e até mesmo servos foram armados cavaleiros plenos.

“Houve também muitos nobres que ficaram escudeiros durante toda a vida, por causa das grandes despesas de guerra que o adoubement acarretava”. (Funck-Brentano, “Le Moyen Âge” - Hachette, Paris, 1947, p. 154)

Existe, portanto, uma diferença entre Cavalaria e nobreza feudal.

Ora, na Idade Média a nobreza feudal estava encarregada de empreender as guerras; ela constituía, por assim dizer, o exército feudal. De maneira que, baseados em Funck-Brentano, podemos já estabelecer que a Cavalaria era distinta do exército feudal.


Léon Gautier, em sua célebre obra “La Chevalerie”, assim se expressa:

“Daí resulta que não só no mundo romano não se encontra uma tal instituição, mas que também a Cavalaria e o feudalismo são coisas distintas, embora frequentemente se faça confusão entre ambas.

“Feudalismo nasce do feudo, que era a recompensa dada àquele que se entregava à proteção do mais forte. Ao senior, que outorgava terras como presente, o vassalo (vessus) devia assistência.

“Quando o seguia na guerra, era porque os vassalos eram necessários para a defesa dos territórios que eles mesmos recebiam. O feudo é uma concessão de terra que envolve uma obrigação militar.

“O sistema feudal, assim entendido, não possui nada de comum com a Cavalaria.

“Esta é uma espécie de corpo privilegiado, onde se entra sob certas condições e segundo um ritual determinado. Nem todo vassalo é necessariamente cavaleiro, e alguns preferem recusar a Cavalaria em virtude das despesas de sua recepção.

Mais de uma vez foi ela conferida a pessoas do povo que jamais tiveram feudos, não devendo a ninguém o dever feudal, além de ninguém lhes dever o mesmo.

“As canções de gesta citam muitas vezes casos de vilões que se tornaram cavaleiros, como por exemplo o lenhador Varocher, armado pelo próprio imperador, ou os dois servos do conde Amis, que também o foram por causa do desvelo que demonstraram para com seu amo.

O feudalismo tornou-se hereditário. Entretanto, a Cavalaria jamais o foi.À falta de outros argumentos, este já seria suficiente. O feudalismo foi um sistema econômico e social; a Cavalaria, porém, um ideal”. (Léon Gautier, “La Chevalerie” - Arthaud, Paris, 1959, pp. 31-32)

Estas palavras de Léon Gautier nos fornecem dados muito valiosos. Em primeiro lugar, fica claro que o feudalismo era uma instituição distinta da Cavalaria.

Em segundo lugar, o serviço militar era algo requerido pela simples posse de feudos, ou seja, o exercício militar era algo exigido pelo feudalismo. Em terceiro lugar, todo vassalo devia prestar serviço militar, mas nem todo vassalo era cavaleiro.

Podemos então afirmar que a condição de guerreiro não supõe a condição de cavaleiro.

Todo aquele que possui feudo é necessariamente um guerreiro; tem a obrigação de acompanhar o seu suserano, quando este o convocar para a guerra.

O exército feudal é o conjunto de todos os feudatários em torno de seus suseranos e marchando para a batalha. Eles são militares antes mesmo de serem cavaleiros, isto é, membros da Cavalaria.




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O título de ‘cavaleiro’ e o de membro da Cavalaria

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Entre os guerreiros medievais havia muitos que recebiam o nome de “cavaleiros”, embora isso não significasse que eles fossem membros da Cavalaria.

O Pe. Luís F. de Retana, C.SS.R., no livro “San Fernando III y su Época”, falando sobre a sociedade espanhola do século XIII, diz o seguinte:

“Digamos agora algo sobre a contribuição social desta época tão característica, segundo a legislação então vigente. Três classes compunham a sociedade do século XIII: o clero, a nobreza e a classe popular ou estado vulgar.

“Entre a nobreza houve um elemento aristocrático que herdou sua dignidade da nobreza visigótica, e outro que a conquistou por seu esforço pessoal.

“Era função dessa classe: sua cooperação com o rei no governo da nação, na guerra, na defesa e na administração do território, em troca de certos privilégios, cujos princípios eram a isenção de impostos e o domínio senhorial de certas terras.

“Não havia igualdade de classes. Pelo contrário, para efeitos jurídicos, a vida de um nobre valia mais do que a de um plebeu (a do primeiro custava 500 soldos; a do segundo, 300).

“Entre os próprios nobres havia três classes:

– os ‘ricos-homens’, que eram os mais destacados em riquezas, poder e jurisdição, tendo direito a assistir aos conselhos reais, concílios e cortes;

– os ‘infantes’, que eram nobres de nascimento, mas, por não serem primogênitos ou por outro motivo qualquer, não herdavam jurisdição territorial e ocupavam o segundo lugar em relação aos ‘ricos-homens’;

– enfim os ‘cavaleiros’, homens livres ou libertos que, sem haver herdado nobreza ou fidalguia, tinham riquezas para manter cavalo e armas, fazendo da guerra sua profissão.

“Não se devem confundir os simples cavaleiros com os que recebiam a ordem da Cavalaria. ...

“Os régulos de Múrcia e sua terra se entregaram a São Fernando, seu inimigo natural, e não ao Granadino, seu irmão de fé e raça, porque sabiam que aquele, acima dos ódios nacionais, era ‘cavaleiro’ que nunca desrespeitou a palavra dada e nunca alojou em seu coração algum gênero de vilania”. (P. Luís F. de Retana, C.SS.R., “San Fernando III y su Época” - Editorial El Perpetuo Socorro, Madrid, 1941, pp. 242-243).

Por esse texto, vê-se que na Espanha havia o título de “cavaleiro”, que não implicava em fazer parte da Cavalaria. Era um guerreiro que, embora não fizesse parte da Cavalaria, era chamado cavaleiro.

Passamos agora a um novo problema. Não se trata só de saber que o exército feudal é coisa distinta da Cavalaria; trata-se de demonstrar que a palavra cavaleiro se aplica, quer a membros do exército feudal, quer a membros da Cavalaria.

Sobre esse assunto, Paul Lacroix, na obra “Moeurs, Usages et Costumes au Moyen Âge et à l’époque de la Renaissance”, nos fornece os seguintes esclarecimentos:

“Sob os reis da terceira dinastia, o território do reino (de França) compreendia mais ou menos cento e cinquenta domínios, chamados grandes feudos da coroa, e cuja posse estava entregue, por direito hereditário, aos membros da alta nobreza, colocados imediatamente debaixo da suserania ou dependência real.

“Designavam-se geralmente pelo título de barões os vassalos que dependiam diretamente do rei, e cuja maioria possuía castelos fortes.

“Os outros se confundiam sob a denominação de “cavaleiros”, título genérico ao qual se costumava acrescentar o de “bannerets” quando levassem bandeira e pusessem ao serviço do rei uma companhia de homens de armas.

“Os feudos de “haubert” (cota de malhas) deviam fornecer ao suserano cavaleiros cobertos de cotas de malhas e completamente armados.

“Todos os cavaleiros, como o nome indica, serviam a cavalo nas guerras em que tomavam parte.

“Mas é preciso não confundir os “cavaleiros de nascimento” com os que se tornavam cavaleiros depois de um noviciado de armas no castelo de um príncipe ou grande senhor feudal, e menos ainda com os membros das diversas Ordens de Cavalaria que foram sucessivamente criadas, como, por exemplo, os cavaleiros da Estrela, os do Ginete, os do Tosão de Ouro, os do Espírito Santo, os de São João de Jerusalém, etc.” (Paul Lacroix, “Moeurs, Usages et Costumes au Moyen Âge et à l’époque de la Renaissance” - Firmin Didot Frères, Fils et Cie., Paris, 1874, pp. 16-17)

Se aproximarmos este texto do anterior, escrito por Weiss — no qual se lê que “na segunda metade do século XV o número dos cavaleiros propriamente ditos era muito menor do que poderíamos pensar, ao passo que o dos cavaleiros de nascimento era muito maior, e que comumente se confunde a entrega das armas com o armar-se cavaleiro” — chegamos a conclusões muito curiosas.

Com efeito, segundo Paul Lacroix, na França o título de “cavaleiro” era aplicado, quer para certos tipos de possuidores de feudos, quer para os membros da Cavalaria.

Além disso, Lacroix usa a expressão “chevaliers de naissance”, que é exatamente igual a “caballeros de nacimiento”, empregada por Weiss.

Ora, Lacroix utiliza esse termo quando se refere aos possuidores de feudos que não dependiam diretamente do rei, e os separa dos cavaleiros, assim chamados por serem membros da Cavalaria.

Weiss defende que nem todos os “caballeros de nacimiento” eram propriamente cavaleiros, pois não se deve confundir a entrega das armas com o armar cavaleiro.

A conseqüência é que o título de “cavaleiro” serve para designar pelo menos duas coisas:

a) em primeiro lugar, todos os membros da Cavalaria;

b) em segundo lugar, certos tipos de possuidores de feudos.

Podemos portanto afirmar que a palavra cavaleiro tanto se aplica a certos guerreiros do exército feudal quanto a todos os membros da Cavalaria.




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A Cavalaria: ideal das almas propulsoras na Idade Média

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Surge uma pergunta: não constituiriam os cavaleiros, enquanto membros da Cavalaria, um tipo de guerreiro mais bem equipado ou com poderes especiais, uma espécie de generais ou comandantes superiores?

Consideremos separadamente cada uma das duas questões envolvidas nesta pergunta. Em primeiro lugar, vejamos a questão do ornamento.

Antes de mais nada, parece que se o cavaleiro, enquanto membro da Cavalaria, representasse um guerreiro mais bem equipado, então provavelmente um dos requisitos indispensáveis para que alguém recebesse um feudo, ou o conservasse em sua posse, deveria ser o armar-se cavaleiro.

Com efeito, nenhum suserano certamente quereria ter um vassalo que não o pudesse defender da melhor maneira possível, ou que o acompanhasse à guerra com pouco armamento. Ora, esse requisito não era exigido, pois já vimos que Cavalaria e feudalismo são duas coisas distintas.

Além disso, para reforçar o argumento, basta lembrar que se a posse de um feudo estivesse ligada ao fato de o seu possuidor ser armado cavaleiro, então seria legítimo desapropriar esse feudo caso seu dono se recusasse a entrar na Cavalaria.

Ora, isso parece não constar da história judiciária medieval, pois, como já tivemos ocasião de ver, havia muitos vassalos que não entravam na Cavalaria, por causa das despesas da recepção.

Quanto ao problema de os cavaleiros representarem uma função nas batalhas enquanto membros da Cavalaria, também isso não parece sustentável.

Com efeito, um dos deveres dos cavaleiros era o respeito às obrigações feudais. Ora, entre estas havia a obrigação de seguir seus suseranos quando estes os convocassem à guerra.

Portanto esses suseranos eram naturalmente os comandantes de seus cavaleiros, e não o inverso.

A esse respeito, Léon Gautier, en “La Chevalerie”, comentando o 7º mandamento do Código de Cavalaria, assim se expressa:

“O seu objeto (do 7º mandamento) é o rigoroso cumprimento dos deveres feudais. O vassalo deve obediência a seu senhor em tudo quanto não seja contrário à Fé, à Igreja e aos pobres.

“Como já fizemos notar, sem dúvida alguma não se deve confundir Cavalaria e feudalismo, mas no momento em que a autoridade se subdividia, quando os perigos eram mais prementes do que nunca, é justo reconhecer que o feudalismo era necessário.

“O sistema feudal comportava, além disso, deveres recíprocos. O vassalo se obrigava a seguir fielmente o seu senhor, para desfrutar a segurança em que constantemente vivia. Daí a força incomparável do liame feudal”. (Léon Gautier, “La Chevalerie”, pp. 47-48)

Com isso podemos afirmar que o cavaleiro, enquanto membro da Cavalaria, não representava um guerreiro mais bem equipado que todos os outros guerreiros do exército feudal, ou ainda que possuísse maior autoridade que esses mesmos guerreiros.

Parece-nos que os guerreiros do exército feudal tinham o nome genérico de homens de armas. Entre os homens de armas havia as mais diversas hierarquias. Como já vimos, alguns recebiam o título de cavaleiro, embora não pertencessem à Cavalaria.

Ao lado disso, muitos homens de armas, fosse qual fosse o seu grau hierárquico, podiam ser armados cavaleiros, e então passavam a fazer parte da Cavalaria.

Para compreendermos bem a natureza da relação existente entre Cavalaria e o exército feudal, tomemos um fato militar moderno. Em todo exército moderno existe grande número de capitães.

Mas entre esses capitães pode haver alguns que possuem certas condecorações, obtidas em gloriosas campanhas. Essas condecorações não acarretam uma elevação do posto militar desses capitães, que com elas adquirem uma excelência honorífica.

Vejamos agora como isso se aplica à Cavalaria. O exército feudal era formado por homens de armas, muitos dos quais eram armados cavaleiros. Isso representava uma excelência honorífica, e não um poder ou graduação maior em relação aos outros membros do exército feudal.

Podemos talvez formar uma ideia do que seja a Cavalaria, fazendo outra comparação.

Tomemos uma classe de estudantes com muitos alunos. Aqueles que se esforçam mais recebem medalhas, figurando no quadro de honra. Analogamente, os homens de armas mais notáveis e que mais se empenhavam nas lutas mereciam ser armados cavaleiros.

Desta forma, a Cavalaria consistiu, ao menos na época do seu apogeu, numa família de almas propulsoras das virtudes militares, no seio da classe militar. A Cavalaria civil constituía um escol dos exércitos, e a Cavalaria religiosa uma elite inserida nesse escol que era a Cavalaria civil.

As Ordens Militares constituíam a fina ponta dessa elite, e dentre elas a Ordem dos Templários ocupava um lugar de destaque.

Enquanto esta Ordem, como que arquetípica, viveu plenamente sua regra e seus membros estiveram possuídos de alto fervor religioso, toda a Cavalaria, e mesmo a instituição feudal, alcançou seu apogeu.

Decaindo este Ordem, por via de consequência o espírito de Cavalaria começou também a decair. Este processo foi acelerado com a extinção da Ordem dos Templários em princípios do século XIV.

Amorteceu-se o impulso que essas almas propulsoras deveriam manter, e portanto toda a chama da Cavalaria medieval começou a desvanecer-se até se apagar, com a intensificação do processo revolucionário na época do Renascimento e da Pseudo-Reforma.




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