Igreja do Sangue de Cristo. Bruges, Bélgica. |
Luis Dufaur Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Podemos dizer que não existiu um código, no sentido de um documento onde estavam escritos os mandamentos da Cavalaria.
Existiam regras, existia o ideal da Cavalaria que se espalhava entre os cavaleiros, e eles os conheciam e procuravam seguir, mas nunca foram formulados em itens e mandamentos.
Mais ou menos como com as regras de etiqueta e polidez. Elas certamente existem, tanto que as pessoas vivem e agem de acordo com elas, e os que não o fazem caem sob a sanção da sociedade, são considerados mal educados, etc.
Mas não existe um documento em que estejam escritas essas regras, como se fossem leis. Algumas pessoas procuraram formulá-las a partir da observação da realidade, mas em geral ninguém as segue por tê-las lido num manual, e sim porque foram educadas desse modo. As pessoas respiram aquilo com o ar.
A mesma coisa com o Código da Cavalaria. Existia o ideal, existiam as regras, os cavaleiros procuravam viver de acordo com elas, mas elas não estavam escritas.
Eles não agiam assim porque elas estavam escritas, mas porque tinham sido educados assim.
Alguns historiadores procuraram formular posteriormente essas regras verificando como é que os cavaleiros agiam, e a partir daí deduzindo as normas que eles seguiam instintivamente, reduzindo-as a preceitos definidos.
Um dos que fez este trabalho foi Léon Gautier, um dos melhores autores em matéria de Cavalaria. Ele formulou o Código da Cavalaria em 10 regras:
1. Crerás em tudo o que ensina a Igreja e observarás todos os seus Mandamentos;
2. Protegerás a Igreja;
3. Respeitarás todas as fraquezas e te constituirás seu defensor;
4. Amarás o país em que nasceste;
5. Não recuarás diante do inimigo;
6. Moverás aos infiéis uma guerra sem trégua e sem mercê;
7. Sempre cumprirás exatamente teus deveres feudais, se não forem contrários à Lei de Deus;
8. Não mentirás, serás fiel à palavra empenhada;
9. Serás liberal, farás liberalidade a todos;
10. Serás sempre e em toda parte o campeão do direito e do bem, contra a injustiça e o mal.
Vejamos agora como é que se realizou cada um desses mandamentos durante a Idade Média, se os mandamentos ficaram apenas no ar ou se de fato foram seguidos.
Godofredo de Bouillon, conquistador de Jerusalém. |
Mas podemos nos servir delas, primeiro porque elas exprimem qual era o ideal da Cavalaria, como é que naquele tempo se julgava o que um cavaleiro devia ser; além disso elas refletem algo da realidade, pois se um fato que está contado ali não aconteceu, pelo menos é verossímil que acontecesse, estava na ordem das coisas que acontecesse, e ninguém achava aquilo absurdo. Mais ou menos como se dá com os romances literários de hoje.
As canções de gesta não têm nada de comum com a realidade de hoje, não refletem fatos concretos de hoje, e se fôssemos escrever um romance situando no mundo moderno fatos como aqueles, seria um absurdo.
Pelo contrário, se descrevêssemos num romance negociatas, patifarias, podemos não estar tratando de fatos reais, e tais patifarias e negociatas podem não ter acontecido daquela forma, mas a descrição refletiria o estado real, não seriam absurdos. Se não aconteceram, poderiam ter acontecido.
Na Idade média, a mesma coisa: os fatos que não são históricos poderiam ter acontecido, estavam na ordem natural das coisas. E muitos dos fatos contados nas canções de gesta são tradições de fatos que aconteceram.