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Channel: Idade Média * Glória da Idade Média
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O quê significavam os “dez mandamentos” da Cavalaria – 1

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Dom Alfonso VI de Aragão.
Dom Alfonso VI de Aragão.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




1º mandamento: Crerás em tudo o que ensina a Igreja e observarás todos os seus Mandamentos

Estabelece que o cavaleiro deve ter fé, professar a Fé Católica Apostólica Romana, que para os medievais era a lei certa. Isto é fundamental na Idade Média: eles têm a certeza da fé.

E é uma fé concreta, uma fé encarnada, que não se alimenta de abstrações nem existe no mundo da lua. Para o cavaleiro, Deus é o senhor feudal celeste. O laço que liga o cavaleiro a Deus é o laço feudal. A Religião é um vínculo feudal.

Essa fé viva, concreta, encarnada, existe em toda a sociedade. O carpinteiro, ao primeiro golpe de seu instrumento, costuma dizer: “Or, y soit Dieu” — Ora, que Deus aí esteja.

O barbeiro, ao tomar a sua navalha, também diz: “Or, y ait Dieu part” — Ora, que Deus aqui tenha parte. Os cavaleiros têm essa fé viva, concreta, encarnada. Naturalmente há sacrílegos, há alguns que se afastam disso, mas são exceções. Eles logo se arrependem e voltam.

Gautier afirma que nunca houve na Terra uma raça mais penetrada da ideia de Deus do que a dos cavaleiros medievais.

A fé se reflete para eles também na confiança em Deus. Confiança em que Deus os protege na guerra, lhes dará a vitória e conservará sua vida. Confiança na paz, nessa Providência que nunca abandonará seus servidores.

Uma das canções de gesta fala de um cavaleiro do qual caçoam porque é pobre. Ele diz: “Sim, eu sou pobre, mas Deus tem bastante. Que importa que eu seja pobre, se Deus é rico?”

O pai desse cavaleiro, quando o manda correr o mundo, dá-lhe quatro moedinhas e lhe diz: “Quando elas já tiverem sido gastas, Deus está no Céu”.

Ou seja, quando você já não mais as tiver, não tem importância, pois Deus está no Céu e não abandonará seus cavaleiros. É uma forma muito bonita de exprimir a confiança na Providência.

Essa fé também se manifesta no arrependimento. O medieval que comete grandes pecados, às vezes também se arrepende de maneira exemplar e faz grandes penitências.

Por exemplo, aquele imperador do Sacro Império, que depois de fazer as maiores tropelias, ser excomungado, ser deposto, se arrepende de tal modo que exige que seus servidores pisem no pescoço dele, porque assim ele queria castigar aquele órgão vocal que proferira blasfêmias contra a autoridade pontifícia.

Um grande pecado seguido de um arrependimento imenso e de uma penitência à altura revela uma fé muito profunda.

Outro, depois de cometer os maiores pecados, as maiores abominações diabólicas, acaba se arrependendo, chorando amargamente seus pecados e suportando o castigo máximo.

Ele é enforcado, dando mostras de grande penitência, incitando ainda seus companheiros de crimes a se arrependerem como ele e a terem confiança na misericórdia de Deus.

Já dissemos que Nossa Senhora é, para o cavaleiro medieval, a sua dama.

Eles têm uma devoção muito especial, mas também uma devoção muito varonil a Nossa Senhora.

Dom Affonso Henriques.
Dom Affonso Henriques.
Eles rezam muito. Uma oração simples, varonil. Assistem à Missa diariamente e comungam frequentemente.

Confessam-se antes de cada ato solene da vida, antes das batalhas, antes de uma longa viagem, sobretudo na hora da morte.

Se não têm um padre ao alcance, eles se confessam a um leigo, a um parente próximo ou até a um estranho.

Evidentemente não há a absolvição sacramental, não traz o efeito próprio da confissão sacramental, mas incitava, sem dúvida, os sentimentos de arrependimento e contrição.

O fato de a pessoa ter que contar a um amigo ou a um estranho seus pecados, evidentemente provocava uma grande confusão sua ante essas faltas. Era uma maneira de oferecer uma reparação a Nosso Senhor.

Na Canção de Vivien, nós vemos Vivien moribundo, com 15 anos, confessar-se a seu tio, o conde Guillaume: “Recuei um dia diante dos pagãos”. Não encontra nenhum outro pecado para confessar, na hora de morrer.



2º mandamento: Protegerás a Igreja

A Igreja apresenta esse mandamento de maneira impressionante na cerimônia do adoubement, em que o Pontífice diz ao cavaleiro que está sendo sagrado:

“Recebe esta espada, em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo, usada para tua defesa, para a da Santa Igreja de Deus, para confusão dos inimigos da tua Religião”.

Já vimos que o fim da Cavalaria é alargar as fronteiras do reino de Deus. É a força armada ao serviço da verdade desarmada. Esse é o ideal que a Igreja apresenta, e a realidade não foi diversa.

Por isso vemos muito frequentemente nas canções de gesta a expressão “manter a Cristandade”. Essa recomendação, esse ideal oferecido ao cavaleiro, era para ele uma obrigação.

Defender a Igreja também se manifesta, para o cavaleiro, na idéia de morrer pela Fé. Ele não pode viver sem preocupações, deve defender o povo e derramar seu sangue pela Fé.

Quer dizer, a todos os cavaleiros é proposto nada mais nada menos que o martírio. E Pierre d’Auvergne dirige a Nosso Senhor esta oração: “Senhor Jesus, Vós morrestes por mim e eu morro por Vós”.



3º mandamento: Respeitarás todas as fraquezas e te constituirás seu defensor

Este era um mandamento quase incompreensível para aqueles rudes senhores do alvorecer da Idade Média. Dizer a um germano que respeite os fracos e se constitua defensor deles é uma coisa ininteligível. Mas a Igreja propôs isto a eles.

George Castriota, dito Skanderbeg, herói da Albânia.
Museu de Kruja, Albânia
É verdade que Ela não propôs isto logo de início. Primeiro propôs que não prejudicassem os fracos; depois, que não deixassem os outros prejudicarem os fracos; e afinal, que defendessem os fracos.

Os fracos são os que não sabem ou não podem usar as armas: os clérigos, as viúvas, os órfãos. Já dissemos que no Pontifical Romano, na cerimônia do adoubement, o cavaleiro é constituído o defensor dos fracos, das viúvas, dos órfãos.

Sabemos que na civilização verdadeiramente cristã as viúvas têm uma posição muito especial e merecem uma estima, uma veneração muito especial. Elas são uma classe especial dentro da Igreja.

Na Canção de Cherrai de Nîmes, o rei oferece ao conde Guillaume os feudos de órfãos e viúvas. Portanto, maior vantagem para o conde. E o conde responde:

“E as viúvas? E os órfãos? Se alguém tocar nesses pequenos ou em suas terras, eis aqui a espada que cortará a cabeça dos traidores e ladrões”.

E Carlos Magno moribundo diz a seu filho: “Em relação aos pobres, deves te humilhar, deves ajudá-los e aconselhá-los”.

É coisa dura para a natureza humana um nobre, um cavaleiro, um soldado se humilhar diante dos pobres. É impossível propor uma coisa mais contrária às inclinações naturais.




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