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Armadura completa feita em Innsbruck, Áustria, por volta de 1500 |
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Luis Dufaur Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
4º mandamento: Amarás o país em que nasceste
Aí se entende, em primeiro lugar, amar a região, o feudo em que o cavaleiro nasceu. O conde de Flandres, diante de Jerusalém, muito se admira de que Deus tenha querido nascer numa região tão feia: “Eu bem prefiro o meu belo castelo de Arras”.
Para ele, não havia nada mais bonito do que o seu feudo de Arras, e até Deus devia ter nascido em Flandres.
Outro cavaleiro, ao morrer, diz assim: “Santa Maria, nunca mais verei Saint Quentin e Nesle”. Ao morrer, o que mais ele sente é nunca mais ver o seu feudo, nunca mais ver a sua terra natal.
Deve-se também entender aí o amor ao país, encarnado primeiramente no rei. Amar, portanto, ao rei. Talvez em nenhum outro país esse amor à pátria tenha chegado a mais alto grau do que na França.
Para todos os franceses, para aqueles rudes senhores feudais, essa beleza da França é um perpétuo encantamento. Aqueles homens, que com um golpe de espada cortam um mouro pela metade e ainda matam o cavalo, para eles a terra natal é a doce França, a bela França.
5º mandamento: Não recuarás diante do inimigo
Naturalmente não é um mandamento que repugna a um soldado, esta coragem de enfrentar a todo momento a dor e a morte. Melhor valeria ser morto do que ser chamado covarde — diz uma das canções de gesta.
O quotidiano do cavaleiro medieval é a luta armada, a possibilidade de ser gravemente ferido e morrer. Nessa coragem há dois componentes: o elemento germânico e o elemento cristão.
Sabemos que os germanos gostavam da guerra pela guerra, tinham uma coragem um tanto animal. Isso ainda se manteve para os cavaleiros feudais, e é o que explica uma certa coragem imprudente.
Mas havia também um elemento cristão, que Santa Joana d’Arc definiu com aquela famosa frase: “Os soldados batalharão e Deus lhes dará a vitória”.
É a coragem que nasce da confiança em Deus, e também da consciência do dever. Sabem que é um dever para com Deus combater, e combatem, arriscam a vida, arriscam a integridade corporal.
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Armaduras dos husardos de Ian Sobieski, rei da Polônia. |
Não se pode imaginar um exército realmente corajoso que não creia na vida eterna, pois arriscar a vida, imaginando que não há nada depois da morte, é uma coisa monstruosa.
Mas se eu sei que, combatendo pela minha pátria, posso até morrer como mártir — supondo-se que ao combater pela pátria eu estou obedecendo a Deus — posso ter certeza de que vou para o Céu, e é claro que isto dá outro entusiasmo e outra coragem.
Os exemplos dessa coragem são inúmeros. Citemos o que ocorreu no castelo de Faria. O senhor de Faria (o fato se passa em Portugal, já na Renascença) vai fazer uma incursão contra os espanhóis e é aprisionado.
Os espanhóis o levam até junto do castelo, que ele comandava pelo rei. O filho tinha ficado no castelo, comandando em lugar do pai. Para ver se o pai convencia o rapaz a entregar o castelo, diante das muralhas os espanhóis mandam chamar o filho e ameaçam de matar o pai, se ele não entregasse o castelo.
Diante dos espanhóis, que estão armados e prontos para matá-lo se o filho não fizer o que eles mandam, ele incita o filho a defender o castelo que ele recebeu do rei de Portugal, e que o sangue dele, que vai ser derramado ali, sirva para fortificar a resistência do castelo.
Ele é imediatamente assassinado. Sabia que ia morrer, mas foi firme. É uma coragem completa.
Os portugueses na Abissínia, também. É um punhadinho, talvez uns 20 ou 30. Desembarcam na Abissínia, um país inteiramente desconhecido, para defender o imperador contra um oceano de mouros.
Na hora de escolher o comandante dessa tropa, aquele que certamente seria o primeiro a morrer, o almirante da esquadra, que é Vasco da Gama, diz que o escolhido não pode ser outro senão o irmão dele.
Para esse cargo, que implica o sacrifício certo da vida, ele escolhe o irmão, que era a esperança da família por ser um jovem de valor extraordinário.
E esse grupinho de portugueses entra pela Abissínia e vai combater com os mouros, em número vinte ou trinta vezes superior. Eles sabem que vão morrer, mas não hesitam, pois está ali um interesse de Deus.
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Túmulo de um cavaleiro templário. Temple Church, Londres. |
Gente que entra numa casquinha de noz, para navegar num mar que eles não sabiam como era, não sabiam o que iam ver lá, nem que monstros viviam lá.
Mas trata-se de alargar a Fé e o império, e eles têm coragem. Uma canção de gesta diz: “Eis a morte sobre nós descendo, mas como cavaleiros nós vamos combater”.
6º mandamento: Moverás aos infiéis uma guerra sem trégua e sem mercê
Esse é o objetivo próprio e mais legítimo da coragem medieval: combater o infiel, combater o muçulmano.
Ali está uma representação, uma realização impressionante da palavra da Escritura: “Porei inimizade entre a tua descendência e a dela”.
Pois realmente foi Deus quem pôs essas inimizades entre os cavaleiros medievais e os muçulmanos. Por isso a vida do cavaleiro medieval tem como principal preocupação lutar contra o infiel.
Onde quer que haja um infiel, aí o cavaleiro medieval sente-se em casa para lutar. A tal ponto vai o ódio ao sarraceno, que eles têm a ideia de que tudo que não é cristão é sarraceno. Imaginam, por exemplo, que Clóvis era um rei sarraceno que se converteu.
No século XII, uma canção de gesta diz: “Se estivéssemos no Paraíso, desceríamos para combater os sarracenos”.
Era tal o desejo de lutar contra o sarraceno, que para isso eles seriam capazes até de abandonar o Paraíso. Sem a Cavalaria, talvez a Europa tivesse caído inteiramente sob o jugo muçulmano.







