Imagem de Nossa Senhora originária de Cluny e hoje venerada na basílica Saint-Denis em Paris |
Luis Dufaur Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A carta de fundação da abadia, foi assinada em setembro de 910 pelo poderoso duque da Aquitânia Guilherme I.
O duque cedia a Bernon, abade de Baume-les-Messieurs, uma terra chamada Cluny, na diocese de Mâcon, a cerca de vinte quilômetros desta cidade, bem no centro da França.
A carta de fundação explicitava com precisão a criação de uma abadia que seguisse a Regra de São Bento.
Com Bernon, vieram alguns monges, os primeiros religiosos da nova abadia.
A fundação se enquadrava no projeto de reforma promovida por Bento de Aniane (c-750-821), o qual pretendia unir todos os mosteiros da Europa Ocidental sob a observância da Regra Beneditina.
Por esta filiação, se pode constatar o papel que Cluny desempenhará na difusão da reforma da Igreja lançada mais tarde e de forma empenhada pelo papa Gregório VII (1073-1085): a denominada “reforma gregoriana”.
Cluny, conforme se pode depreender a partir do vocativo (São Pedro) da abadia, estava diretamente sujeita à Santa Sé, por isso subtraída à jurisdição do bispo diocesano de Mâcon.
Os abades de Cluny entre os séculos X e XII foram personagens importantes no seu tempo: Bernon (910-927), Odon (927-942), e principalmente os três mais famosos, Maïeul (948-994), Odilon (994-1049) e Hugo (1049-1109).
Depois deste tio-avô de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, a abadia conheceu tempos menos brilhantes, devido ao abaciado de Pons de Melgueil (1109-1122), figura instável.
Todavia, o seu sucessor conseguiu recuperar e sublimar até o prestígio de Cluny: Pedro de Montboisier (112-1156), dito o Venerável, homem de grande cultura e figura de proa da Cristandade medieval.
Era a época do apogeu de Cluny, com mais de 1180 mosteiros dependentes na Europa, dos quais mais de 800 só na França.
Isenta face ao poder secular dos senhores laicos e à jurisdição dos bispos, a abadia de Cluny conseguirá escapar ao controlo do poder régio até ao século XVI, ao contrário de muitas outras congéneres.
Naquela centúria, no entanto, os seus abades passaram a ser nomeados pelo rei de França, ao abrigo da Concordata de Bolonha de 1512.
Com o Concílio de Trento, Cluny organiza-se em torno de uma congregação. Um dos priores mais famosos de Cluny, o cardeal de Richelieu (entre 1629 e 1642) tentou unir a congregação à dos Mauristas (de St. Maur), conhecidos pela sua erudição e labor científico profundos.
Esta união não sobreviveu à morte de Richelieu (1644).
Também um intento de união com outra congregação beneditina francesa, a de St. Vanne, levado a efeito por Mazarin, também cardeal e ministro de França como Richelieu, gorou-se em 1654.
Os monges no refeitório na ceia presidida por Santo Odilon. M,s 722, fol 142v, Museu Condé, Chantilly. |
Reconstruiu-se então o edifício monástico ao gosto da época, embora a ocupação monástica fosse cada vez mais reduzida: em 1790, a comunidade não tinha mais de 35 monges.
Nesse mesmo ano, na sequência da Revolução Francesa iniciada em 1789, a abadia foi suprimida por decreto revolucionário, ficando à mercê da pilhagem, que ocorreu em 1793.
Depois foi posta à adjudicação em 1798, tendo sido comprada em hasta pública por um privado, que logo desmantelou a abadia.
Como ordem religiosa, esta grande abadia era a cabeça de um dos ramos mais importantes do monaquismo beneditino: a ordem de Cluny.
O abade do mosteiro era o superior da família cluniacense, com todos os abades e priores das centenas de casas da ordem a prestarem-lhe homenagem feudal de vassalagem, numa sujeição variável.
Era também este abade de Cluny quem nomeava os superiores dessas comunidades dependentes.
Nesta perspetiva, pode falar-se de um “monaquismo cluniacense”, ainda que a autonomia que a Regra Beneditina conferia aos mosteiros atenuasse essa sujeição, ao contrário da forte centralidade cisterciense.
Existiam as casas ditas “dependentes”, com superior nomeado e controlado pelo abade de Cluny, e as “subordinadas”, com o abade a ser eleito pela comunidade.
Deste último grupo faziam parte as cinco “filhas” de Cluny: Souvigny, Sauxillange, La-Charité-sur-Loire, St. Martin-des-Champs (Paris) e Lewes (Inglaterra).
Todavia existia uma uniformidade de observância e de costumes monásticos entre todas as casas cluniacenses.
A originalidade de Cluny traduzia-se essencialmente na liturgia, nutrida e apoiada pela frequência e grande duração dos ofícios.
Maquete da antiga abadia, no Museu em Cluny, França. |
Tudo era pouco para honrar e dignificar a Deus, diziam os cluniacenses, como forma de justificar a pompa, magnificência artística e estética e grande elaboração da sua liturgia e da arte dos seus belos mosteiros.
De facto, a arte cluniacense inscrevia-se nesta perspectiva grandiosa, de grande qualidade e apuro estéticos, com uma riqueza de simbolismo patentes nas artes plásticas e na arquitetura.
Os monges de Cluny, na sua expansão pela Europa, desempenharam um importante papel na vida e política da Igreja, mesmo na organização política, econômica e territorial de vastas regiões, assumindo-se quase como um senhor temporal e fundiário igual a tantos outros.
Mas a sua importância, superlativada pelos seus abades notáveis em torno do Ano Mil, foi maior em termos espirituais e na “alta” política europeia, como sucedeu quando o imperador germânico Henrique IV apelou a Cluny para mediar a Querela das Investiduras.
Também as peregrinações medievais muito devem a Cluny e à sua rede de mosteiros, principalmente ao longo dos chamados “caminhos franceses” em direção a Santiago e mesmo dentro das Espanhas, no “caminho francês”.
A tradição da hospedagem e apoio aos peregrinos eram apanágio da Regras Beneditinas e uma forma de enfatizar a importância social dos mosteiros que Cluny muito bem soube aproveitar.
Em Portugal, Cluny teve uma importância política menor em relação a outras ordens, como Cister ou os Mendicantes, por exemplo.
Em Portugal, depois do concílio de Coiança (1050-55, cânon 2) ter introduzido a Regra Beneditina em Portugal, vários foram os mosteiros que a seguiram.
No entanto, apenas três estavam “subordinados” a Cluny. Esses três mosteiros ditos cluniacenses foram S. Pedro de Rates, Santa Maria de Vimeiro e Santa Justa de Coimbra.
(Fonte, Infopedia, in Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2016. [consult. 2016-02-28 12:57:27])