Relógio astronômico de Dondi, ou Astrarium, feito no ano 1364 em Pádua. |
Luis Dufaur Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Estranha coincidência: o mais famoso relógio astronômico chinês desapareceu quatro anos depois da criação do mais importante relógio astronômico da Europa Ocidental, o de Giovanni di Dondi, que comporta um escapo mecânico de vara de palhetas, numerador e roda de encontro acionado por pesos.
Esse sistema substitui o dos relógios de água utilizados até então. Os engenheiros medievais que, no entanto, tinham sabido utilizar a energia hidráulica para fins tão numerosos quanto variados, aperceberam-se rapidamente de suas limitações na construção de relógios.
Na Europa do Norte, no inverno, a água gela e os pêndulos param. As pesquisas para encontrar uma solução mecânica remontam à segunda parte do século XIII.
Em 1271, Robert l'Anglais escrevia: “Os fabricantes de relógios procuram fazer uma roda que execute uma rotação completa para cada círculo equinocial, mas não' conseguem descobrir a solução correta”. (H. A. Lloyd, Some Outstanding Clocks over Seven Hundred: Years 1250-1950, Leonard Hill, Londres, 1958, p. 5.)
Um manuscrito redigido alguns anos depois na corte de Afonso X de Castela inclui o desenho de um relógio cujo movimento é produzido pela queda de um peso.
O movimento é regulado pelo escoamento do mercúrio contido num tambor compartimentado, o qual gira em torno de um eixo horizontal.
Essa técnica, já utilizada foi tomada ao matemático e astrônomo Bhaskara que, em 1150, tinha fabricado um motor perpétuo com rodas, conhecido na Europa através dos textos árabes.
O texto de Giovanni di Dondi sugere que os pêndulos, de pesos e o escapo mecânico já eram familiares em meados do século XIV e que seus mecanismos existiam há várias dezenas de anos.
Mestre relojoeiro. Jean Suso, "L'horloge de la Sapience", século XV. BnF, français 455, folio 4 |
Um especialista inglês, Alan Lloyd, que reconstruiu na década de 1960 um modelo exato do pêndulo de Dondi, pensa que o pêndulo mecânico foi inventado entre 1277 e 1300. (H. A. Lloyd, Some Outstanding Clocks over Seven Hundred Years 1259-1950, Leonard Hill, Londres, 1958, p.5)
O texto de Robert l'Anglais parece corroborar essa data. É possível que Barthélemy, o Relojoeiro, tenha construído um relógio mecânico na Catedral de São Paulo em Londres, por volta de 1286, e que tenha existido em Canterbury um relógio semelhante, em 1292.
Em Paris o primeiro relógio público foi construído em 1300 por Píerre Pípelart, e sabemos que custou 6 libras turnesas. Esse modelo, que funciona, pertence ao Instituto Smithsoniano de Washington. O Museu das Ciências de Londres adquiriu um segundo modelo.
No Canto X do Paraíso, na Divina Comédia, escrita antes de 1321, Dante faz entrar o relógio mecânico na literatura. No canto intitulado “Canto do Quarto Céu” ele menciona poeticamente um relógio, suas engrenagens e até seu toque:
“Como um relógio quando nos chama à hora em que a esposa de Deus se levanta para cantar as matinas em honra de seu esposo, a fim de obter seu amor, e cujas rodinhas puxam e empurram outras, fazendo soar tim-tim numa nota tão doce que o espírito bem disposto se enche de amor”. (Dante, O Paraíso, X, v. 139-144)
(Autor: Jean Gimpel, “A revolução Industrial da Idade Média”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977, 222 páginas.)