Quantcast
Channel: Idade Média * Glória da Idade Média
Viewing all articles
Browse latest Browse all 632

Um abade na ponta da tecnologia: Dom Richard Wallingford

$
0
0
Dom Richard Wallingford (1292–1336), Abade de Saint-Albans trabalhando
Dom Richard Wallingford (1292–1336), Abade de Saint-Albans trabalhando
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs



Um pêndulo astronômico foi graficamente representado pela primeira vez na miniatura de um manuscrito inglês do século XIV.

Nessa miniatura o inventor Richard Wallingford (1292–1336), Abade de Saint-Albans (que parece sofrer de uma desagradável doença de pele), aponta para seu pêndulo, com um dedo esticado.

Richard Wallingford era um homem notável, mas de temperamento difícil (foi ele quem mandou apreender, em 1331, as mós dos moinhos para pavimentar o pátio do mosteiro e humilhar os habitantes de Saint-Albans).

Ele teria adquirido na forja paterna algumas noções de ferragem e mecânica. Órfão aos 10 anos foi recolhido pelo prior que o mandou estudar em Oxford, ingressando depois no mosteiro de Saint-Albans, do qual viria a ser abade em 1326.

Além de seu custoso e complicado relógio, Wallingford concebeu novos métodos de trigonometria que lhe valeram o título de“pai da trigonometria inglesa”.

Também inventou dois instrumentos astronômicos o Albion e o Rectangulus. O Albion, semelhante ao equatório planetário, servia para determinar a posição dos planetas. Para os homens da Idade Média, foi um dos instrumentos mais importantes de cálculo astronômico.

Quanto ao Rectangulus, numerosos tratados e fragmentos de textos chegados até nós fazem a sua descrição.

“O Rectangulus era um instrumento formado por um grupo de quatro réguas de couro articuladas no topo de um eixo vertical com a ajuda de uma rótula orientável.

“A régua inferior tem gravada uma escala numérica. A régua superior tem as miras. Prende-se-lhe um fio de prumo que desce até à escala numérica da régua inferior. As réguas II e III são móveis e podem ser ajustadas de modo a formar um ângulo determinado com a régua inferior, a qual deve permanecer na horizontal”. (R. T. Gunter, Early Science in Oxford, vol. II, Oxford, 1923, p. 32).

O abade Richard of Wallingford aponta para seu relógio.
O abade Richard of Wallingford aponta para seu relógio.
As explicações deixadas por Wallingford são minuciosamente precisas, ao ponto de permitirem a reconstrução de um Rectangulus tal como era há 600 anos.

O seu tratado divide-se em duas seções: a construção e o emprego do instrumento. Certos desenhos são verdadeiros croquis de engenheiro.

Um deles mostra “uma régua graduada baseada na divisão por seis, em vez da divisão por cinco”. (Early Science in Oxford, p. 32.)

A paixão de Wallingford pela pesquisa e as invenções valeu-lhe a hostilidade dos seus próprios monges e até uma reprimenda do Rei Eduardo III.

O cronista de Saint-Albans, Thomas Walsingham, descreveu de forma pitoresca a oposição com que Wallingford se deparou desde que quis construir o seu relógio.

Os seus projetos, como os dos inventores de todos os tempos, foram considerados extravagantes, inúteis e dispendiosos.

“Richard executou na igreja um trabalho magnífico, um relógio que exigiu muito dinheiro e muito trabalho. A malevolência de seus irmãos monges, que consideravam esse pêndulo o cúmulo da loucura, não o fez abandonar a tarefa.

“Ele tinha, entretanto, a desculpa de ter decidido construir o relógio com pouca despesa, pois a igreja necessitava de reparações evidentes e admitidas por todos.

“Na ausência de Richard, os frades intrometeram-se, os operários tomaram-se exigentes e o trabalho começou com um orçamento importante. Mas teria parecido estranho que não se terminasse o que fora começado.

“Quando o mui ilustre Rei Eduardo III veio a Saint-Albans e visitou a abadia para aí rezar, notou os suntuosos trabalhos do relógio, enquanto que a reconstrução da igreja, danificada ao tempo do Abade Hugo, não avançava.

“O Rei censurou discretamente Wallingford por negligenciar as reparações e gastar tanto dinheiro na construção de uma máquina tão inútil quanto um relógio.

“Richard respondeu mui respeitosamente que, depois dele, seria fácil encontrar um número suficiente de abades e operários para reconstruir os edifícios do mosteiro, mas que, após sua morte, nenhum sucessor poderia terminar esse trabalho.

“Ele falava verdade pois que, nessa arte, nada apareceu de semelhante e ninguém inventou coisa alguma do mesmo gênero durante sua vida”. (Citado em S. Bedini e F. Maddison, “Mechanical Universe. The Astrarium of Giovanni di Dondi”, Transactions of the American. Philosophical Society, vol. 56, outubro de 1966, pp. 6-7).

Réplica do relógio de Dom Wallingford, catedral de St Albans, Inglaterra.
Réplica do relógio de Dom Wallingford, catedral de St Albans, Inglaterra.
John Leland, visitando a abadia em 1540, admirou o relógio que acreditou sem igual em toda a Europa:

“Pode-se observar nele o curso do Sol e da Lua, das estrelas fixas e até os movimentos das marés”. Fala também do tratado de Wallingford em que se descreve “esse admirável mecanismo”.

Esse tratado foi desconhecido até 1965, data em que o Dr. J. D. North chamou a atenção dos medievalistas para um manuscrito da biblioteca de Oxford que parecia ser o famoso tratado.

“O texto inclui quatro ou cinco ilustrações. Três delas mostram conjuntos de engrenagens ou projetos de transmissões mecânicas. Uma outra mostra o corte transversal de um quadrante, os ponteiros e o globo lunar de um relógio astronômico complexo.

“O texto explica as engrenagens do movimento dos corpos celestes, os cálculos desses movimentos com a ajuda de tabelas que são fornecidas, e o número de dentes de uma roda de engrenagem. O texto explica também como fazer funcionar a campainha de um relógio”.

Apesar da perfeição do relógio de Wallingford, o de Giovanni di Dondi conheceu maior renome.

(Autor: Jean Gimpel, “A revolução Industrial da Idade Média”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977, 222 páginas.)




AS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

Viewing all articles
Browse latest Browse all 632