São Gregório VII. Busto em ouro e prata na catedral de Salerno. |
Luis Dufaur Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
continuação do post anterior: Elogio de São Gregório VII aos religiosos de Cluny – 1
D. Kassius Hallinger, autor da monumental história da reforma monástica na Alta Idade Média (Gorze–Kluny), tentou uma resposta num artigo importante publicado na “Deutsche Archiv fur Erforschung des Mittelalters”, resumido e publicado em inglês com o título “The spiritual life of Cluny in the early days”, na coleção de memórias sobre Cluny selecionadas por Noreen Hunt e reunidas no livro “Cluniac Monasticism In the Central Middle Age” (Mac Millan, 1970).
Antes de dar sua própria opinião, D. Kassius Hallinger classifica em cinco grandes grupos as várias explicações propostas.
São elas: o espírito litúrgico da Abadia, a abertura para o mundo, a fuga do mundo, a organização feudal de Cluny, e as raízes monásticas especiais que caracterizavam o mosteiro.
Pela simples enumeração se vê a oposição flagrante que há, por exemplo, entre a segunda e a terceira posições, ambas defendidas por grandes historiadores. O fato é que nenhuma delas satisfaz.
Essa divergência de opiniões é uma das maiores dificuldades para o bom conhecimento de Cluny, gerando mesmo confusões lamentáveis.
Nesse mesmo artigo de D. Kassius Hallinger há uma amostra curiosa dessa confusão. Gorze é o mosteiro mais característico da reforma monástica iniciada na Lorena ao mesmo tempo que a de Cluny.
Weigle viu no livro“Gorze Kluny” uma certa oposição entre esses dois movimentos de reforma. Ora, D. Kassius afirma num artigo que os valores monásticos de Cluny “não só moldaram um grande número de monges dos séculos X e XI, como também estenderam a sua influência além dos mosteiros e se fizeram sentir no próprio mundo secular de sua época”.
Em uma nota, refuta F. Weigle: “O êxito do movimento de reforma de que Cluny teve a liderança só pode ser explicado pelos valores monásticos de Cluny. Esse fato foi mencionado várias vezes em “Gorze Kluny”.
A despeito de tais afirmações, F. Weigle pôde falar de uma descrição contrastada com Gorze (“Deutsche Archiv”, 9, 585); ele não entendeu absolutamente o ponto principal do livro”.
Por tudo isso procuraremos, nesta série de artigos sobre Cluny, pôr um pouco de ordem em todas essas questões. De antemão pedimos desculpas aos nossos leitores pelo grande número de citações que seremos obrigados a fazer.
É que Cluny foi tão grande, que sua história frequentemente parece inacreditável, se não é corroborada pela autoridade de especialistas, por vezes nem sequer católicos, mas que não deixam de se empolgar pelos feitos de seus monges.
Antes de terminar essa introdução, queremos reproduzir o maior dos elogios que Cluny recebeu em toda a sua história.
É de São Gregório VII, ao abrir a 7 de março de 1080 o Concílio Romano que realizava anualmente.
É bom notar que esse elogio foi pronunciado dois anos depois de o Imperador Henrique IV ter ido a Canossa pedir perdão ao Papa, episódio em que muitos procuram ver uma oposição séria entre o grande Papa e São Hugo, então Abade de Cluny:
“Sabei, meus irmãos no sacerdócio, todos que vos reunis nesta Santa Assembleia, que entre todos os nobres mosteiros fundados além dos montes para a glória de Deus onipotente e dos Bem aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, existe um que é propriedade particular de São Pedro, unido à Igreja de Roma por um pacto especial.
“Esse mosteiro é Cluny. Votado, desde a fundação, principalmente à honra e defesa da Sé Apostólica, pela graça e clemência divina e sob a direção de santos abades, chegou a uma tal grandeza e a uma tal santidade, que ultrapassa todos os mosteiros de além dos montes no serviço de Deus e no fervor espiritual.
“Nenhum outro o iguala, tanto quanto se possa julgar, embora haja um grande número de mosteiros mais antigos do que ele. Não houve em Cluny um só abade que não fosse santo. Monges a abades nunca faltaram a esta Santa Igreja, Mãe de todos eles.
“Não dobraram o joelho diante de Baal nem diante dos ídolos de Jeroboão. Tomando por modelo a liberdade e a dignidade da Santa Sé de Roma, nobremente conservaram a autoridade conquistada por seus antepassados, e nunca se curvaram sob o domínio dos príncipes deste mundo, continuando a ser os defensores corajosos e submissos unicamente de São Pedro e de sua Igreja” (apud D. Usmer Berlière, “l’Ordre Monastique”, p. 219).
(Autor: Prof. Fernando Furquim de Almeida, “Catolicismo”)