Luis Dufaur Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
O “Brexit” constituiu um formidável abalo para os promotores de uma República Universal. Ainda se discute o que é que advirá na Europa.
Mas, alguns arguem que a União Europeia não é necessária ou intrinsecamente ruim, mas é algo conveniente imposto por uma história de séculos de guerras.
Podem acrescentar até que a crescente agressividade demonstrada pela Rússia obriga ainda mais os países europeus a estreitarem forças contra o perigo comum.
Então, perguntam, a paz não exigiria formar uma imensa união de Portugal até os confins da Rússia, ainda que sacrificando as nacionalidades históricas?
O dilema União Europeia SIM vs União Europeia NÃO, tem uma terceira opção, que essa sim reúne as vantagens da União e afasta suas desvantagens.
Trata-se da Cristandade que teve sua organização internacional acabada no Sacro Império Romano Germânico instituído pela Igreja Católica na pessoa de Carlos Magno.
Vejamos como desenvolve o caso o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, que em vida foi professor de História Moderna e Contemporânea na PUC-SP:
Se se pergunta se é uma novidade a Federação, a resposta deve ser negativa.
Coroa dos Imperadores do Sacro Império
A Europa já constituiu, em outros tempos, um grande todo de natureza federal, pelo menos no sentido muito amplo e muito genérico da palavra.
Em 476, o Império Romano do Ocidente deixou de existir.
O território, europeu, coberto de hordas bárbaras, não possuía Estados definidos e de fronteiras duráveis.
Era toda uma efervescência de selvajaria, que só foi amainando à medida que a ação dos grandes missionários assegurou, um pouco por toda parte, um início de pujante germinação para a semente evangélica.
A esta altura, tornando os costumes menos rudes, a vida menos incerta e turbilhonante, a ignorância menos espessa, estava constituída na Europa um grande conglomerado de povos cristãos que, por sobre todas as suas diversidades naturais, estavam unidos por dois vínculos comuns profundos, nascidos de um grande amor, e de um grande perigo:
a) - sinceramente, profundamente cristão, adorando pois em espírito e verdade (e não apenas em palavras e rotina) a Nosso Senhor Jesus Cristo, amavam e desejavam verdadeiramente praticar a Sua Lei, e estavam convictos de sua missão de estender o domínio desta Lei até os últimos confins da terra,b) - como fruto desta fé coerente e robusta reinava em todos os espíritos um mesmo modo de conceber o homem, a família, as relações sociais, a dor, a alegria, a glória, a humildade, a inocência, o pecado, a emenda, o perdão, a riqueza, o poder, a nobreza, a coragem, em uma palavra, a vida,
São Leão III coroa Carlos Magno e restaura o Império Romano de Ocidente,
que passou a ser o Sacro Império Romano Alemão
c) - daí, também, uma forte e substancial unidade de cultura e civilização, a despeito de variantes locais prodigiosamente ricas em cada nação, em cada região, e em cada feudo ou cidade;
d) - diante da dupla pressão dos sarracenos vindos da África, e dos pagãos vindos do Oriente da Europa, a ideia de um imenso risco comum, em que todos deviam auxiliar a todos, para uma vitória que seria de todos.
Todo este conjunto de fatores de unidade encontrou seu grande catalisador em Carlos Magno (742-814), que encarnou aos olhos de seus contemporâneos o tipo ideal do soberano cristão, forte, bravo, sábio, justiceiro e paternal, profundamente amante da paz, mas, invencível na guerra, considerando sua mais alta missão por a força do Estado ao serviço da Igreja para manter a Lei de Cristo em seus reinos, e defender a Cristandade contra seus agressores.
Este homem símbolo realizou seus ideais.
E quando Leão III, no ano de 800, na Igreja de Latrão, o coroou Imperador Romano do Ocidente, deu o mais alto remate à obra que Carlos Magno estava levando a efeito: ficava constituído, abrangendo toda a Europa cristã, um grande Império, destinado antes de tudo a manter, a defender, a propagar a Fé.
Este Império durou de 809 a 911.Em 962, o Imperador Otão, o Grande o ressuscitou, dando origem ao Sacro Império Romano Alemão.
Coroação de um imperador do Sacro Império,
pelos bispos de Mainz, Colônia eTrier
Assim, com vicissitudes diversas, das quais a mais terrível foi a cisão trágica do protestantismo e a eclosão das tendências nacionalistas, no século XVI, manteve-se pelo menos teoricamente esta grande instituição até 1806.
Naquele ano Napoleão Bonaparte obrigou Francisco II, o último Imperador Romano Alemão, a aceitar a extinção do Sacro Império, e a assumir o simples título de Imperador da Áustria com o nome de Francisco I.
Não obstante certos períodos de crise, o Sacro Império teve grandes eras de glória, e sua estrutura serviu de fato para exprimir o ideal cristão de uma grande família de povos, unida à sombra maternal da Igreja, para manter a paz, a Fé, a moral, para defender a Cristandade, e apoiar no mundo inteiro a livre pregação do Evangelho.
Assim, em princípio, vê-se que a Igreja não se limita a permitir, mas favorece de todo coração as superestruturas internacionais, desde que se proponham um fim lícito.(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, “Catolicismo”, nº 14, Fevereiro de 1952).
E acrescentamos em continuidade com o pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira: a União Europeia hoje em crise não visa esse fim lícito. Mas, sim uma unidade sem religião, laica, sem moral, altamente dirigista e burocrática.
Em suma, uma unidade massificante, socializante, e isso gerou uma justa recusa. De ali o drama derivado do ‘Brexit’.
Assim, no III milênio encontramos que a solução a um dos problemas que devora os países de Europa, tem uma fonte inspiradora de soluções no auge da Idade Média!