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A Cristandade medieval instaurou a paz de Cristo na Europa

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A sagração dos reis da França: um dos pontos altos da suavização dos costumes na Idade Média
A sagração dos reis da França:
um dos pontos altos da suavização dos costumes na Idade Média
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






O sistema feudal maneja toda uma sucessão de arbitragens naturais: o vassalo pode sempre recorrer de um senhor ao suserano deste último; o rei, à medida que a sua autoridade se estende, exerce cada vez mais o seu papel de mediador; o Papa, enfim, continua o árbitro supremo.

Basta, frequentemente, a reputação de justiça ou de santidade de um grande personagem para que se recorra, assim, a ele.

A Idade Média não contestou o problema da guerra em geral, mas, por uma série de soluções práticas e de medidas aplicadas no conjunto da Cristandade, restringiu sucessivamente o domínio da guerra, as crueldades da guerra, as durações da guerra. É assim, com leis precisas, que se edificou a Cristandade pacífica.

A primeira destas medidas foi a Paz de Deus, instaurada desde o fim o século X: é também a primeira distinção que foi feita, na história do mundo, entre o fraco e o forte é feita proibição de maltratar as mulheres, as crianças, os camponeses e os clérigos; as casas dos agricultores são declaradas invioláveis como as igrejas.

A grande glória da Idade Média é ter empreendido a educação do soldado, é ter feito do soldado da velha guarda um cavaleiro.

Aquele que se batia por amor dos grandes golpes, da violência e da pilhagem tornou-se o defensor do fraco; transformou a sua brutalidade em força útil, o seu gosto pelo risco em coragem consciente, a sua turbulência em atividade fecunda.

A cavalaria é a instituição medieval da qual com maior gosto se guardou a recordação.

Cavalaria, ideal da Idade MediaO cavaleiro deve ser piedoso, dedicado à Igreja, respeitador das suas leis: a sua iniciação começa com uma noite inteira passada em orações diante do altar sobre o qual está deposta a espada que ele cingirá.

A cavalaria foi o grande entusiasmo da Idade Média; o sentido da palavra: cavalheiresco, que ela nos legou, traduz muito fielmente o conjunto de qualidades que suscitavam a sua admiração.

Basta percorrer a sua literatura, contemplar as obras de arte que dela nos restam, para ver por todo o lado, nos romances, nos poemas, nos quadros, nas esculturas, surgir este cavaleiro do qual se representa

Quando uma máquina de guerra é demasiado mortífera, o papado proíbe o seu emprego; o uso da pólvora de canhão, cujos efeitos e composição se conhecem desde o século XIII, só começa a propagar-se no dia em que a sua autoridade já não é suficientemente forte e em que já se começam a esboroar os princípios da Cristandade.

Escreve Orderic Vital, “por temor de Deus, por cavalaria, procurava-se aprisionar de preferência a matar. Guerreiros cristãos não têm sede de espalhar sangue”.


(Fonte: Régine Pernoud, “Luz sobre a Idade Média”, 1996, Publicações Europa-América.)




AS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

Torneio para comemorar a reedificação do castelo de Windsor

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Cavaleiros, Warwick
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Coisa curiosa, os medievais tinham uma vida quotidiana extraordinariamente entretida. Tal vez por isso mesmo, interessavam-se pouco por deixá-la descrita em pergaminhos. Quem iria a ler o que via com seus próprios olhos no dia-a-dia?

Foi preciso que autores de séculos posteriores tentassem reconstituir aquela vida animadíssima da era medieval.

Entre esses, esteve o escritor francês Alexandre Dumas. Romancista de fértil imaginação, ele quis descrever uma justa medieval com fidelidade histórica de pormenores. Para isso foi tirar da celebre crônica de Jean Froissard os dados históricos, como ele mesmo deixa claro em várias partes de sua obra.

Eis o resultado:


Windsor
O Rei Eduardo III fez reedificar o Castelo de Windsor, fundado outrora pelo Rei Artur. Ele devia comemorar a reedificação com um torneio e festas.

Enviou em consequência arautos à Escócia, França e Alemanha para proclamar que, amigo ou inimigo, cada um, contanto que fosse cavaleiro, podia vir, pela honra, quebrar lanças na justa de armas de Windsor.

Semelhante convite, da parte de um tão grande Príncipe, como se compreende bem, comoveu toda a Cavalaria. Assim, da Escócia, da França e da Alemanha viam-se chegar, como representação de toda a nobreza do mundo, os mais bravos campeões daquela época.

Alguns já se tinham encontrado nos campos de batalha e sabiam o conceito que deviam formar uns dos outros; mas a maior parte não se conhecia senão pela reputação, e ansiava por se conhecer.

Justas era medieval, Kaltenberg
À medida que chegavam, iam se inscrever com os juízes do campo, ora com seu nome, ora sob o pseudônimo que queriam usar; e, no dia seguinte, recebiam de Eduardo III um presente proporcionado à sua nascença ou ao rango que pareciam ter.

De resto, o torneio devia durar três dias, tendo como 'defensores' (‘defensor’ era um dos anfitriões, que desafiava todos os que, em luta cortês ou luta real, quisessem terçar armas com ele), no primeiro dia o próprio Eduardo; no segundo, Gauthier de Mauny, que havia deixado a Bretanha para não perder uma tal festividade; e, no terceiro dia, Guillaume de Montaigu, a quem o Rei, de acordo com sua promessa, acabava de armar cavaleiro, e que devia quebrar lá sua primeira lança. Os três 'defensores' deviam aceitar o combate à lança, espada ou machado; só o punhal estava proibido.

Na véspera da festa de São Jorge (Padroeiro da Inglaterra e da Cavalaria), dia fixado para a abertura das comemorações, a cidade de Londres despertou com o ressoar das trombetas e dos clarins.

Cavaleiro medieval, torneio Warwick
Os cavaleiros, que haviam acorrido de diferentes partes do mundo para esta grande cidade, deviam dirigir-se às tendas que o Rei lhes havia feito preparar na planície de Windsor; porque não se podia pensar em hospedar no castelo uma tal multidão de pessoas.
Em conseqüência, desde as oito horas da manhã, todas as ruas que conduziam do Castelo de Londres, ou seja da Praça Santa Catarina à estrada, estavam ornadas com tapeçarias e juncadas de folhas.

De ambos lados, a uns cinco ou seis pés de distância em relação às casas, cordas encobertas por guirlandas de flores, formavam espécies de calçadas nas quais devia circular o povo, enquanto que a parte mais elevada do pavimento permaneceria livre e aberta para os cavaleiros.

Ademais, não havia árvore que não tivesse frutas frescas, não havia janela que não fosse ocupada por pirâmides de cabeças, nenhum terraço que não oferecesse sua seara de espectadores apertados como espigas e ondulantes como elas ao menor ruído que parecia anunciar a aproximação do cortejo.

Torneio Idade Media, KaltenbergAo meio-dia, vinte e quatro trombetas saíram tocando do castelo, no meio de aclamações da multidão, a quem anunciavam por fim o espetáculo tão impacientemente esperado por ela desde a manhã. As trombetas eram seguidas de sessenta corcéis equipados para a justa e montados por escudeiros de honra, portando gonfalões que mostravam os brasões de seus amos.

Depois dos escudeiros vinham o Rei e a Rainha, ornados com suas vestes reais, tendo na cabeça a coroa e o cetro à mão e entre ambos, sobre um belo corcel cujas crinas douradas pendiam até o chão, o jovem Príncipe de Gales, o futuro herói de Crécy e Poitiers, que iria fazer no torneio seu aprendizado de guerra.

Detrás deles cavalgavam, “pêle-mêle”, duzentos ou trezentos cavaleiros cobertos de armas brilhantes, com escudos desenhados com brasões ou divisas, de viseira erguida ou abaixada, caso quisessem ser reconhecidos ou guardar o incógnito.

Enfim, o desfile terminava com uma multidão incontável de pajens e lacaios, uns sustentando no punho falcões encapuzados, os outros conduzindo cães que no pescoço portavam bandeirolas com as armas de seus donos.

Esta magnífica assembléia atravessou toda a cidade ao passo e em boa ordem, para chegar ao Castelo de Windsor, situado a vinte milhas de Londres. Apesar desta distancia, uma parte da população a acompanhou, correndo através dos campos, enquanto o cortejo seguia a estrada.

Combatente medieval, Kaltenberg
O Rei havia previsto esta concorrência e, fora do espaço das tendas reservadas para os cavaleiros, havia feito construir uma espécie de acampamento onde podiam bem se alojar dez mil pessoas. Cada um estava pois seguro de achar um alojamento segundo sua condição: os senhores no castelo, os cavaleiros nas tendas, o povo ao relento.<

Chegou-se a Windsor com noite fechada, mas o castelo estava tão bem iluminado que parecia um solar de fadas.

De seu lado, as tendas estavam dispostas como as casas de uma rua; somente entre elas ardiam tochas colossais que difundiam uma luminosidade comparável à do dia, enquanto nas cozinhas, dispostas de trecho em trecho, via-se um sem número de assadores e de serventes ocupados em detalhes que não eram desprovidos de encantos para paladares que tinham cavalgado desde o meio-dia.

Cada um procedeu à sua instalação, depois ao jantar. Até duas horas da madrugada a noite foi cheia de tumulto e de exclamações alegres.

Por volta daquela hora, o barulho diminuiu gradualmente nas tendas e no acampamento, enquanto as janelas do castelo apagavam-se umas após as outras.

E tudo entrou no repouso e na escuridão. Mas esta trégua nas alegrias não foi de longa duração.

Ao despontar do dia, cada um foi acordando e preparando o espírito; primeiro o povo, que não só devia ser o menos bem localizado, mas ainda receava não ter suficiente lugar.

Sem tomar tempo para desjejuar, cada um foi levando nos bolsos a provisão da jornada. Toda esta multidão escoou então pelas porteiras e espalhou-se como uma torrente no espaço raso que se lhe havia destinado entre a liça e as arquibancadas. Seus temores eram fundados.

Apenas a metade das pessoas que vieram de Londres puderam encontrar lugar; mas nem por isso renunciaram ao espetáculo. Tão logo se certificaram de que não havia mais meio de penetrar no cercado, e que as barreiras continham tudo que elas podiam contar, disseminaram-se pela campina, procurando todos os pontos elevados de onde era possível dominar o espetáculo.

Anacronismo creativo, Rep. Checa
Às onze horas as trombetas anunciaram que a Rainha saía do castelo. Dizemos a Rainha somente, porque como Eduardo era o 'defensor' dessa jornada, ele já estava na sua tenda.

Madame Philippe (a Rainha) tinha à direita Gauthier de Mauny e à esquerda Guillaume de Montaigu, que deveriam ser os heróis dos dias seguintes. A Condessa de Salisbury vinha logo atrás, conduzida pelo Duque de Lancaster e pelo Príncipe Jean de Hainaut.

A nobre sociedade tomou lugar nas galerias que para esse efeito estavam preparadas e que em um instante tornaram-se semelhantes a um tapete de veludo maravilhosamente bordado com pérolas e diamantes.

Justa medieval, WarwickA liça era um grande retângulo, cercado por paliçadas; nos dois extremos abriam-se as porteiras que deviam dar passagem, uma aos campeães, a outra aos 'defensores'.

No extremo oriental, sobre uma plataforma bastante elevada para que dominasse a liça, havia-se montado a tenda de Eduardo, que era toda de veludo vermelho bordado de ouro. Em cima dela flutuava o pavilhão real, cujos quartéis primeiro e terceiro tinham os leopardos da Inglaterra e no segundo e quarto as flores de lys da França.

Por fim, de ambos lados da porta estavam suspensos o escudo da paz e a ‘targa de guerra’ (targa: parte da armadura usada sobre o peito. Nas liças foi convencionado que o cavaleiro que tocasse a targa de guerra do ‘defensor’ o desafiava para um combate real; enquanto que se tocasse o escudo, o desafiava para um combate de cortesia) do 'defensor'; e dependendo de se os campeães faziam tocar por seus escudeiros ou tocavam eles mesmos um ou outra, solicitavam com isso a simples justa ou desejavam o combate de morte.

* * *

Os marechais haviam longamente insistido para que sob nenhum pretexto os campeões pudessem usar outras armas que não as chamadas armas corteses. Visto que o Rei deveria ser um dos 'defensores', era de se temer que algum ódio pessoal ou alguma traição se esgueirasse na liça.

Torneio medieval, WarwickEduardo havia então respondido que ele não era um cavaleiro de parada, mas um homem de guerra e que se ele tinha um inimigo, sentir-se-ia muito à vontade em lhe oferecer esta ocasião de chegar até ele.

As condições haviam sido portanto mantidas sem restrições e os espectadores, por momentos inquietos por seus prazeres, sentiram-se assegurados, porque ainda que raramente essas justas derivassem para um verdadeiro combate, a possibilidade de que isto acontecesse dava um novo interesse a cada passo.

Assim, quando a festa transformava-se em luta sangrenta, os espectadores, sem o confessar, não podiam impedir-se de testemunhar, por meio de seus aplausos mais ardentes e repetidos, a predileção que tinham por um espetáculo onde os atores desempenhavam um papel sempre perigoso e algumas vezes até mortal.

Quanto às outras condições do combate, elas não se afastavam em nada do regulamento ordinário.

Lide medieval, KaltenbergQuando um cavaleiro era desmontado e jogado à terra, se ele não se podia levantar sem a ajuda de seus escudeiros, era declarado vencido; o mesmo acontecia quando, no combate à espada ou machado, um dos campeões recuava diante do outro a ponto que a garupa de seu cavalo tocasse a barreira.

Enfim, se o combate fosse com tal acirramento que ameaçasse tornar-se mortal, os marechais de campo podiam cruzar suas lanças entre os dois campeões e assim pôr-lhe término com sua própria autoridade.

* * *

Um arauto avançou na liça e leu em alta voz as condições da justa. Tão logo terminou a leitura, um grupo de músicos postados perto da tenda de Eduardo fez, em sinal de desafio, retinir o ar com o som das trombetas e dos clarins; em seguida, um outro grupo de músicos respondeu-lhe do extremo oposto.

Anacronismo creativo, cavaleiro medieval, LoireAs porteiras se abriram e um cavaleiro totalmente armado apareceu na liça.

Mas, ainda que tivesse a viseira abaixada, pelo brasão que era de ouro com listras prata e azul, foi logo reconhecido como o Conde de Derby, filho do Conde de Lancaster, do Pescoço Torto.

Ele avançou, fazendo graciosamente caracolar seu cavalo até o meio da liça; chegado lá, virou-se para a Rainha, a quem saudou inclinando o ferro de sua lança até a terra, no meio das aclamações da multidão.

Enquanto isso, seu escudeiro atravessava a arena e, subindo na plataforma, foi golpear com uma vara o escudo de paz de Eduardo.

O Rei saiu em seguida, todo armado, menos a targa, que fez afixar do pescoço por seus lacaios, saltou agilmente sobre o cavalo que se lhe tinha pronto e entrou na liça com tanta graça e segurança que as aclamações redobraram.

Ele estava coberto de uma armadura veneziana, toda incrustada de lâminas e fios de ouro formando desenhos curiosos nos quais se reconhecia o gosto oriental e, sobre seu escudo, em vez das armas reais, levava uma estrela velada por uma nuvem, com esta divisa: “Présente, mais cachée”.

Cavaleiro medieval derrubado, KaltenbergEntão entregou-se-lhe a lança que ele pegou e pôs em riste. Logo os juízes do campo, vendo que os campeões estavam prontos, bradaram em alta voz: “Deixai ir!”

No mesmo instante, os adversários, esporeando seus cavalos, precipitaram-se um contra o outro, e encontraram-se no meio da liça. Os dois haviam dirigido a ponta de sua lança para a viseira do elmo, os dois atingiram o alvo.

Mas a extremidade arredondada da lança não tendo podido penetrar no aço, ambos passaram além, sem dano. Retornaram por conseguinte cada um a sou ponto, e ao sinal dado, lançaram-se de novo um contra o outro.

Desta vez ambos golpearam-se de cheio em suas targas, ou seja, bem no meio do peito. Eram demasiado bons cavaleiros para serem desmontados; entretanto um dos pés do Conde de Derby saiu do estribo e a lança escapou-lhe das mãos.

Quanto a Eduardo, permaneceu firme em sua sela, mas, pela violência do golpe, sua lança partiu-se em três pedaços, dois dos quais voaram pelo ar e o terceiro ficou-lhe na mão. Um escudeiro do Conde de Derby recolheu sua lança e lha apresentou, enquanto traziam uma nova para Eduardo. Assim que os dois campeões se rearmaram, retornaram ao campo e voltaram à carga pela terceira vez .

Choque na lide epoca medieval, KaltenbergDesta vez, o Conde de Derby apontou ainda sua lança contra a targa de seu adversário, enquanto Eduardo, voltando a seu primeiro objetivo, havia, como no início, tomado o elmo do Conde como ponto de mira.

Ambos, nesta circunstância, deram uma nova prova de sua destreza e força, porque pela violência do golpe que recebeu seu dono, o cavalo de Eduardo parou em seco e dobrou os joelhos traseiros, enquanto que a lança do Rei atingiu tão exatamente o meio do elmo que, rompendo as amarras que o seguravam ao pescoço, arrancou o capacete do Conde de Derby.

Os dois pelejaram como bravos e destros cavaleiros, mas quer fosse por fadiga quer por cortesia, o Conde não quis continuar a luta e, inclinando-se diante do Rei, reconheceu-se vencido e retirou-se no meio dos aplausos que ele partilhou com seu vencedor.

Cavaleiros entram na lide, KaltenbergEduardo entrou na sua tenda, e as trombetas retiniram de novo em sinal de desafio; o som teve como na primeira vez um eco na extremidade oposta; depois, assim que se extinguiu, viu-se entrar um segundo cavaleiro, a quem se reconheceu como Príncipe, pela coroa que encimava seu elmo. Com efeito, este novo campeão era o Conde Guillaume de Hainaut, cunhado do Rei.

Este passe, foi, como o outro, uma luta de honra e de cortesia mais do que uma verdadeira justa; de resto, talvez ele tenha-se tornado mais atraente aos olhos dos campeões experimentados, que eram não só os atores mas também os espectadores destas cenas, porque cada um fez maravilhas de destreza.

Porém, havia no fundo dos golpes desferidos uma intenção demasiado visível da parte dos adversários de entregar-se a um jogo e não a um combate, para que a impressão produzida não fosse a que se sentiria em nossos dias vendo representar uma comédia perfeitamente tramada quando se teria ido para ver uma tragédia bem dramática. Resultou daí que, por maior que fosse o prazer que desfrutara com este espetáculo, a multidão que o aplaudia, era visível, quando terminou, que ela esperava a seguir alguma coisa de mais sério.

Torneio periodo medieval, KaltenbergDepois de ter quebrado cada um três lanças, o Conde Guillaume saiu da liça, declarando-se vencido como o fizera o Conde de Derby, enquanto Eduardo, descontente com essas vitórias fáceis, retirava-se à sua tenda, começando a lamentar-se de não se ter misturado sob um nome desconhecido entre a multidão dos campeões, antes que designar-se como um dos “defensores”, como o fizera.

Acabava ele de entrar, quando a música fez retinir sons provocadores aos quais pensou-se de inicio que ninguém responderia, pois alguns minutos de silêncio se lhes seguiram. Cada um já se inquietava por esta interrupção, quando de repente ouviu-se soar uma só trombeta. Tocava uma melodia francesa, o que indicava que um cavaleiro dessa nação apresentava-se para combater.

Todos os olhares logo voltaram-se para a barreira que se abriu, dando passagem a um cavaleiro de mediana estatura, mas parecendo, pelo modo com que portava sua lança e manobrava o cavalo, ser tão vigoroso quanto hábil.

Cada um fixou os olhos sobre seu escudo para ver se apresentava alguma divisa pela qual pudesse ser reconhecido; o escudo trazia suas armas, que eram três águias de ouro com as bocas abertas e o vôo preparado, distribuídas em dois e uma, com uma flor de lys da França costurada no ápice.

Cavaleiro medieval, CambraiO Conde de Salisbury o reconheceu como sendo o jovem cavaleiro que, no dia seguinte do embate de Buironfosse, havia atravessado, sob as ordens do Rei da França, Philippe de Valois, o pântano que separava os dois exércitos e estivera, sem encontrar oposição, reconhecendo o bosque que cobria a encosta da montanha no cimo da qual, ele cravara sua lança.

Na sua partida, Philippe o armara cavaleiro com suas próprias mãos, e, quando retornou, contente com a coragem que dera prova, o havia autorizado a acrescentar a seu brasão uma flor de lys: isto em termos heráldicos denominava-se costurar no ápice.

O jovem cavaleiro, ao entrar na liça, despertara um movimento de curiosidade tanto mais vivo quanto ele se apresentava com armas de guerra.

Avançou com a cortesia que, desde essa época, fazia distinguir a nobreza da França. Detendo-se primeiro diante da Rainha, a quem saudou ao mesmo tempo com a lança e a cabeça, abaixando a ponta da lança até a terra e inclinando a cabeça até o pescoço de seu cavalo; depois, fazendo-o empinar, forçou-o a girar sobre si mesmo.

Então, sem pressa nem vagar, ele próprio avançou, para tributar sem dúvida uma maior honra a seu adversário, rumo à tenda onde estava retirado Eduardo e, com o ferro de sua lança, tocou audazmente a targa de guerra.

Logo desceu à liça, fazendo a sua montaria executar os exercícios mais difíceis de equitação.

De seu lado, o Rei saiu de sua tenda, e fez trazer um outro cavalo coberto de armadura completa.

Justa medieval, CambraiMas, por mais seguro que ele pudesse estar de seus escudeiros, examinou com uma atenção toda especial o modo pelo qual estava equipado o corcel; tirando a seguir sua espada, certificou-se de que a lâmina era tão boa quanto a empunhadura era bela; depois, fazendo prender do pescoço uma outra targa, subiu em sua montaria tão agilmente como o podia fazer um homem coberto de ferro.

A atenção dos espectadores era grande, pois, ainda que Messire Eustache de Ribeaumont tivesse colocado no seu desafio toda a cortesia possível, não era menos evidente que desta vez era uma verdadeira justa, e ainda que não fosse animada por nenhum ódio pessoal, a rivalidade das duas nações devia lhe dar um caráter de gravidade que não podiam ter os embates que a precederam.

Assim, Eduardo foi tomar seu lugar na liça no meio do mais profundo silencio.

Messire Eustache, vendo-o chegar, pôs sua lança em riste; Eduardo fez o mesmo; os juízes do campo bradaram com voz forte: “Deixai ir'', e os dois campões lançaram-se um contra o outro.

O cavaleiro tinha dirigido sua lança contra a viseira e o Rei a sua contra a targa, e os dois apontaram tão precisamente que o elmo de Eduardo lhe foi arrancado da cabeça, enquanto sua lança golpeara com tal força o cavaleiro que ela se quebrou a um pé do ferro, mais ou menos, e um pedaço ficou enfiado na armadura.

Por um instante pensou-se que Messire Eustache estava ferido; mas o ferro, atravessando a armadura tinha se detido na cota de malha; de sorte que, vendo pelo murmúrio que se elevara qual era o temor dos espectadores, ele próprio arrancou o ferro e saudou uma segunda vez a Rainha, como sinal de que não tinha nenhum mal.

O Rei retomou um outro elmo e outra lança e cada um tendo feito um giro e retornado a seu lugar, os marechais deram novamente o sinal. Desta vez, os campeões escolheram um alvo semelhante e golpearam-se em pleno peito.

Choque entre cavaleiros medievais, WarwickO golpe foi tão violento que os dois cavalos levantaram as patas dianteiras mas seus donos permaneceram nas selas, semelhantes a pilares de bronze; quanto às duas lanças, romperam-se como vidro e os estilhaços saltaram até às arquibancadas onde estava o povo.

Os escudeiros aproximaram-se então com novas lanças; cada um armou-se da sua e, ganhando seu lugar, aprestou-se para uma terceira justa.

Por rápido que fosse o sinal, ele ainda se tinha feito esperar para o gosto de ambos adversários; pois, tão logo que foi dado, os cavalos se lançaram como se partilhassem os sentimentos de seus donos.

Esta vez, Messire Eustache conservou o mesmo alvo; mas Eduardo, tendo mudado o seu, sua lança atingiu tão exatamente a viseira que arrebatou o elmo do cavaleiro, enquanto a lança deste golpeava em pleno peito com uma tal rijeza que o cavalo do Rei sentou e, neste movimento, o cinto tendo-se rompido, a sela deslizou ao longo do dorso, de sorte que Eduardo se achou de pé, mas em terra.

Cavaleiro, Hedingham CastleSeu adversário saltou em seguida à terra, e encontrou Eduardo já desembaraçado de seus estribos. Tirou incontinenti sua espada, cobrindo a cabeça com seu escudo.

Mas Eduardo lhe fez sinal de que não continuaria o combate enquanto ele não tivesse recolocado um outro elmo. Messire Eustache obedeceu e o Rei, vendo-lhe a cabeça coberta, tirou por sua vez a espada.

Mas, antes de deixá-los recomeçar o combate, dois escudeiros conduziram os cavalos cada um por uma porteira, enquanto dois lacaios recolhiam as lanças que os combatentes deixaram cair. A liça assim desobstruiria, escudeiros e lacaios se retiraram, e os juízes do campo deram o sinal.

Eduardo era um dos mais vigorosos homens de armas de seu Reino; assim, Messire Eustache compreendeu nos primeiros golpes que ele tinha necessidade de utilizar toda sua força e destreza.

Mas ele mesmo, como se pode ver, e como afirmam as crônicas do tempo, era um dos mais valentes cavaleiros de sua época; de sorte que não se surpreendeu nem da violência nem da rapidez do ataque, e respondeu golpe por golpe com um vigor e um sangue frio que provaram a Eduardo aquilo que ele já sabia sem dúvidas que se encontrava em face de um adversário digno dele.

De resto, os espectadores nada haviam perdido por esperar, e o que se passava diante deles esta vez era bem um verdadeiro combate.

As duas espadas, nas quais se refletia o sol, pareciam dois gládios de fogo, e os golpes eram aparados e dados com uma tal rapidez, que não se percebia se eles haviam tocado o escudo, o elmo ou a couraça a não ser vendo jorrar as faíscas que deles saiam.

Elmo, KaltenbergOs dois campeões atacavam sobretudo o elmo; e sob as tentativas redobradas que haviam recebido, o de messire Eustache viu cair seu panache de plumas e o de Eduardo perdeu sua coroa de pedrarias.

Por fim a espada dele abateu-se com uma tal força que, qualquer que fosse a têmpera do elmo de seu adversário, lhe teria sem dúvida fendido a cabeça se messire Eustache não a tivesse aparado com seu escudo.

A lâmina terrível cortou o escudo pela metade, como se fosse de couro, tão bem que tendo sido partida uma das agarradoiras pelo choque, messire Eustache jogou para longe de si a outra metade, que se tornara mais um embaraço que uma defesa e, tomando sua espada com as duas mãos, desferiu por sua vez um tão rude golpe sobre a cimeira do Rei que a lâmina voou em pedaços e que só a empunhadura lhe restou na mão.

O jovem cavaleiro deu então um passo atrás para pedir outra arma a seu escudeiro; mas Eduardo, levantando vivamente a viseira de seu elmo deu por sua vez um passo em frente e, tomando sua espada pela ponta apresentou a guarda a seu adversário.

‒ Messire, disse-lhe com aquela graça que ele sabia tão bem tomar nessas ocasiões, vos agradaria aceitar esta? Tenho, como Forragus, sete espadas a meu serviço e todas são de uma têmpera maravilhosa.

Seria deplorável que um braço tão hábil e vigoroso como o vosso não tivesse uma arma da qual se pudesse valer; tomai-a, pois, messire, e nós recomeçaremos o combate com mais eqüidade.

‒ Aceito, Monseigneur, respondeu Eustache de Ribeaumont, erguendo por sua vez a viseira de seu elmo, mas a Deus não compraza que eu ensaie o gume de uma tão bela arma contra aquele que m’a deu. Eu me reconheço, portanto, vencido, Sire, tanto por vossa coragem como por vossa cortesia, e esta espada me é tão preciosa que faço aqui o juramento sobre ela, e por ela, de jamais, nem em torneio nem em batalha, entregá-la a outro senão a vós.

O rei venceu a justa de aço, e Eustache de Ribeumont a justa da cortesia.

(Fonte : Alexandre Dumas, « La Comtesse de Salisbury », Calmann-Lévy, Editeur, Paris, 1878, T.I, pp.247 a 261)



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Os hospitais: frutos da caridade desconhecidos antes da Idade Média

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Hospital de Beaune, França
Hospital de Beaune, França
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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As ordens militares, fundadas durante as Cruzadas, criaram hospitais por toda a Europa.

A Ordem dos Cavaleiros de São João (ou Hospitalários, que deu origem à Ordem de Malta) criou um hospital em Jerusalém por volta de 1113.

João de Würzburg, sacerdote alemão, ficou pasmo com o que viu ali.

"A casa — escreveu ele — alimenta tantos indivíduos fora dela quanto dentro, e dá um tão grande número de esmolas aos pobres, seja os que chegam até a porta, seja os que ficam do lado de fora, que certamente o total das despesas não pode ser contado, nem sequer pelos administradores e dispensários da casa".

Teodorico de Würzburg, outro peregrino alemão, maravilhou-se porque  

"indo através do palácio, nós não podemos de maneira alguma fazer uma idéia do número de pessoas que ali se recuperam. Nós vimos um milhar de leitos.

"Nenhum rei, ou nenhum tirano, seria suficientemente poderoso para manter diariamente o grande número de pessoas alimentadas nessa casa".

Hospital para peregrinos, León, Castela, Espanha
Raymond du Puy, prior dos Cavaleiros Hospitalários, incitou os monges-guerreiros a fazerem sacrifícios heróicos por "nossos senhores, os pobres".

"Quando os pobres chegam — diz o artigo 16 do decreto de du Puy— devem ser assim acolhidos: que recebam o Santo Sacramento, após terem primeiro confessado seus pecados ao sacerdote, e depois sejam levados à cama, como se fosse um Senhor".

O decreto de du Puy virou um marco no desenvolvimento dos hospitais .

O Hospital de Jerusalém inspirou uma rede de hospitais similares na Europa.

No século XII eles pareciam mais com hospitais modernos do que com os antigos hospícios.

O de São João de Jerusalém impressionava pelo profissionalismo, organização e disciplina. Cada dia o doente devia ser visitado duas vezes pelos médicos, ser lavado e tomar duas refeições.

Hospital para peregrinos, hoje Parador Nacional San Marcos, León, Espanha.
Os responsáveis não podiam comer antes que os pacientes. Uma equipe de mulheres cumpria outras tarefas e garantia vestimentas e roupa de cama limpas.

O protestante Henrique VIII fechou os mosteiros e confiscou suas propriedades, na Inglaterra, sob a falsa acusação de que eram fonte de escândalo e imoralidade.

Desapareceu então a caridade para com os necessitados.

A redistribuição das terras abaciais trouxe "a ruína para incontáveis milhares dos mais pobres dos camponeses; a quebra de pequenas comunidades, que eram o seu mundo, e a verdadeira miséria passou a ser seu futuro". O desespero popular atiçou os motins populares de 1536.

Idêntico ou pior mal fez a Revolução Francesa. Em 1789, o governo revolucionário confiscou as propriedades da Igreja. Em 1847, mais de meio século depois, a França tinha 47% a menos de hospitais do que no ano do confisco.


Vídeo A CARIDADE CATÓLICA. Aula 8ª do curso sobre 'A Igreja construtora da Civilização'pelo Prof. Thomas E. Woods

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Criação das universidades na época medieval

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Universidade de Cambridge, Inglaterra
Universidade de Cambridge, Inglaterra
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
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Muitos ainda repetem o velho “chavão” de que a Idade Média foi uma época de trevas, ignorância, superstição e repressão intelectual.

Mas não é preciso ir muito longe para verificar o contrário.

Basta considerar uma das máximas realizações medievais: as universidades.

Aliás, foi um aporte exclusivo à História. Nem Grécia ou Roma conheceram algo parecido.

A Cátedra de Pedro foi a maior e mais decidida protetora das universidades. O diploma de mestre, outorgado por universidades como as de Bolonha, Oxford e Paris, dava direito a ensinar em todo o mundo.

Gregório IX aprova os Decretais, Rafael, Stanza della Segnatura, Roma
Gregório IX aprova os Decretais, Rafael, Stanza della Segnatura, Roma
A primeira que ganhou este poder foi a de Toulouse, na França, das mãos do Papa Gregório IX, em 1233.

A Igreja protegeu os universitários com os benefícios do clero. Os estudantes da Sorbonne dispunham de um tribunal especial para ouvir suas causas.

Na bula Parens Scientiarum, Gregório IX confirmou à Universidade de Paris o direito a um governo autônomo e a fixar suas próprias regras, cursos e estudos.

Também a emancipou da tutela dos bispos e ratificou o direito à cessatio — a greve das aulas — se os seus membros fossem objeto de abusos, como aluguéis extorsivos, injúrias, mutilação e prisão ilegal.

Os Papas intervinham com força, a fim de que os professores fossem pagos dignamente.

Completados os estudos, o novo mestre era oficialmente investido. Em Paris, isso ocorria na igreja de Santa Genoveva, padroeira da cidade. O novo mestre ajoelhava-se diante do vice-chanceler da Universidade, que pronunciava esta bela fórmula:

"Eu, pela autoridade com que fui revestido pelos Apóstolos Pedro e Paulo, vos concedo a licença de ensinar, comentar, disputar, determinar e exercer outros atos magisteriais seja na Faculdade de Artes de Paris, seja em qualquer outra parte, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amem”.

Vídeo: O sistema universitário foi criado pela Igreja.


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Invenções e instituições criadas na época medieval

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Mestre relogeiro. Jean Suso, "L'horloge de la Sapience", século XV.
BnF, français 455, folio 4
Luis Dufaur
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Se há algo de espantar na Idade Média é a vertiginosa multiplicação de novas instituições e realizações materiais.

Uma das mais incríveis para os antigos foi a criação dos hospitais. Hoje nós achamos que é a coisa mais natural do mundo.

Tão natural que, se não existissem, os homens clamariam em altas vozes pela sua criação.

Mas nada de semelhante existiu na Antiguidade e nem mesmo nas civilizações pagãs mais requintadas.

O doente ficava entregue a si mesmo, a curas caseiras e, para os mais ricos, o recurso a médicos que mais pareciam com aprendizes ou pais de superstição.

Um início de racionalização da medicina aconteceu na Grécia. Mas faltava de todo a caridade cristã, única capaz de levar homens e mulheres a sacrificar suas vidas pelos doentes.

Foi este sacrifício que fizeram as Ordens religiosas masculinas e femininas que assumiram os cuidados dos doentes e o desenvolvimento da medicina.

De início, os cuidados eram fornecidos gratuitamente nas abadias. Mas só em Jerusalém, por obra dos cavaleiros hospitalários, nasceu o primeiro hospital moderno. Aliás, o nome hospital vem do nome dessa ordem de cavalaria.

Copiando o modelo do Hospital de Jerusalém, pulularam na Europa medieval os hospitais gratuitos em quantidade incontável.

Hôtel-Dieu (Hospital) de Beaune, França
Hôtel-Dieu (Hospital) de Beaune, França
O “Hôtel-Dieu” (hospital) de Beaune é o que se conserva em melhor estado e, embora já não funcione como hospital, é visitado por incontáveis turistas todos os anos.

Quem iria visitar um hospital moderno de hoje quando tiver 500 ou 600 anos de velho? Provavelmente o próprio governo o derrubaria muito antes disso.

Mas, no exemplo de Beaune, se trata de um hospital lindíssimo! A construção e a manutenção eram feitas completamente pelo clero.

Mas os hospitais e o desenvolvimento da saúde pública pela Igreja foram só um elemento.

Poucas coisas são mais falsas do que a afirmação do que na Idade Média o clero e a nobreza sugavam o povo.

A nobreza lutava e morria pelo povo contra os inimigos externos, contra os bandidos e baderneiros de toda espécie.

O clero rezava pelo povo, instruía-o, curava-o nas suas doenças, mantinha escolas para o povo.

Essas classes que mais se sacrificavam eram as que evidentemente gozavam de honras especiais. E o povo, que recebia todos esses benefícios gratuitamente, dedicava-se a trabalhar e ganhar dinheiro. É natural que contribuísse com o que tinha: dinheiro e bens materiais.

São Paulo representado com óculos.
Bible historiale século XIV, BnF, Français 7, folio 220 v
Dizem que a Idade Média teria sido uma época de atraso. Hoje os historiadores já não acreditam nessa velheira.

A técnica teve na Idade Média um desenvolvimento extraordinário!

Um dos elementos de desenvolvimento foi o moinho, a vento ou a água, que utilizou novas formas de energia para poupar o trabalho do homem.

A mecânica teve na Idade Média um formidável desenvolvimento.

Os relógios fornecem um exemplo insuperado.

Os relógios mecânicos apareceram na Idade Média e deram origem a verdadeiras maravilhas de medição, de arte e de sorriso.

A rigor, todo homem que usa relógio deveria ser julgado um “medievalizante”, pois ostenta uma invenção medieval.

E quem come pão feito com farinha de um moinho, deveria também ser qualificado de “medievalizante” porque ele come pão moído numa invenção medieval.

Na ilustração ao lado vemos um dos inúmeros relógios da Idade Média. Eles não tinham ainda relógio portátil, faziam relógios grandes. A indústria não tinha feito ainda relógios pequenos.

Relógio de Praga, República Checa
Relógio de Praga, República Checa
Então, em todas as torres, em certas esquinas, havia relógio para o povo saber que horas eram.

Há relógios maravilhosos de certas cidades que, quando dão horas, 24 figuras mecânicas se movem; os Apóstolos passam pelos quadrantes, os sinos tocam. Reúnem-se aí turistas do mundo inteiro para ver esses relógios funcionarem.

Hoje os maiores especialistas penam para decifrar os estudos técnicos que serviram para construir as catedrais.

Novos métodos de desenho foram criados, baseados em novas concepções da geometria inspiradas das Sagradas Escrituras.

Uma das indústrias mais praticadas na Idade Média foi trazida do Oriente: é a criação do bicho de seda e, depois, a indústria da seda. Duas operárias trabalhando a seda se vestiam parecido a damas de uma Corte.

Outra invenção medieval para tecer que facilitou muito o trabalho humano foi a roca. A mecânica foi facilitando a vida do homem durante a Idade Média.

Adoração dos Reis Magos, Fra Angelico e Filippo Lippi
Adoração dos Reis Magos, Fra Angelico e Filippo Lippi
A pintura teve na Idade Média grande progresso. Um dos pintores mais delicados da humanidade foi Fra Angélico, um dos pináculos da Idade Média.

Na pintura vemos a Adoração dos Reis Magos. Um rei adora o Menino Jesus e apresenta os presentes, enquanto os outros comentam a beleza da cena à espera de chegar a vez deles para oferecerem os seus presentes também.

Os pastores e o povo judeu ficam contemplando.

A pintura de Fra Angélico é um dos índices maiores da espiritualidade e da delicadeza de alma medieval, que floresceu nesse século dito tão bruto pelos seus detratores.

No quadro de Fra Angélico, o Menino Jesus aparece inteiramente como um menino, mas o olhar tem o discernimento e o julgamento de um homem adulto. A Sabedoria Eterna, Incriada e Encarnada transparece no olhar d’Ele.

(Fonte: Plinio Corrêa de Oliveira, 22.04.73. Sem revisão do autor.)




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São Tomás: as vias da perfeição e da ordem do universo para provar que Deus existe

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S.Tomás de Aquino (entre Platão e Aristóteles)
esmaga Averroes. Benozzo Gozzoli.
Luis Dufaur
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QUARTA VIA: OS DIFERENTES GRAUS DE PERFEIÇÃO

Vemos que todas as coisas possuem qualidades: beleza, cor, doçura, etc. E vemos que é necessário que haja em algum lugar algum ser que possua essas qualidades na perfeição.

Procuramos o quadro perfeito, a rosa perfeita, a bebida perfeita, o amigo perfeito, etc.

Esse ser perfeito é uma necessidade. E o ser supremamente perfeito que tem em si todas as qualidades é Deus.

Explica São Tomás (“Suma Teológica”, I 2,3):

“A quarta via considera os graus de perfeição que há nos seres.

“Vemos nos outros seres que uns são mais ou menos bons, verdadeiros e nobres do que outros, e o mesmo acontece com as diferentes qualidades.

“Mas, o mais e menos se atribui às coisas segundo a sua diferente proximidade do máximo, e por isto se diz que uma coisa está tanto mais quente quanto mais se aproxima do calor máximo.

Astrônomos contemplam a esfera celeste,
Harvard University, Houghton Library.
“Portanto, deve existir algo que seja verdadeiríssimo, nobilíssimo, ótimo, e, por isso, ente ou ser supremo; pois, como diz o Filósofo, o que é verdade máxima tem o mais alto valor.

“Ora bem: o máximo em qualquer gênero é a causa de tudo o que naquele gênero existe, e assim o fogo, que tem o máximo calor, é causa do calor de tudo o que é quente.

“Existe, por conseguinte, algo que é para todas as coisas existentes causa do seu ser, de sua bondade e de todas as suas demais perfeições.

“E a esse Ser perfeitíssimo, causa de todas as perfeições, chamamos Deus”.


QUINTA VIA: A FINALIDADE E A ORDEM DO UNIVERSO

Tudo o que existe tem uma finalidade. Inclusive as coisas que não tem inteligência agem visando um fim.

E todas essas coisas agem com uma harmonia de fundo: por exemplo os insondáveis e admiráveis equilíbrios que permitem a existência da vida na Terra.

Esfera celeste, Cambridge, Harvard University,
Houghton Library, MS Typ 007
Logo há uma causa que governa todos esses fatores para que possam atingir harmonicamente o equilíbrio final.

Essa causa chama-se Deus.

Assim, o demonstra São Tomás na “Suma Teológica” (I 2,3):

“A quinta viaé tomada do governo do mundo.

"Vemos, com efeito, que coisas que carecem de conhecimento, como os corpos naturais, operam para um fim, o que se comprova observando que sempre, ou a maior parte das vezes, trabalham da mesma maneira para conseguir o que mais lhe convém; donde se deduz que não tendem a seu fim por casualidade ou ao acaso, mas operando intencionalmente.

“Ora bem: é evidente que o que carece de conhecimento não tende a um fim se não o dirige alguém que entenda e conheça, do mesmo modo que o arqueiro dispara a flecha rumo ao alvo.

“Logo existe um ser inteligente que dirige todas as coisas naturais a seu fim, e a este chamamos Deus.”


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Vídeo sobre as provas racionais da existência de Deus.





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Os mosteiros medievais resgataram e transmitiram o saber da Antiguidade

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Saladino incendeia uma cidade, Chroniques de Guilhaume de Tyr, BNF.
O Islã foi um dos máximos destruidores da cultura antiga.
Luis Dufaur
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“Se acreditarmos nos manuais, os de ontem e mais ainda nos de hoje, a herança da Grécia e de Roma foi completamente ignorada no nosso mundo ocidental, desde a queda do Império Romano até a Renascença: mil anos de obscurantismo!

“Afirma-se, no mesmo embalo, que os autores de Antiguidade não foram conhecidos senão por intermédio dos Árabes, únicos capazes de explorar e transmitir essa cultura que nossos clérigos menosprezavam.

“Esses livros falam a vontade dos sábios e dos tradutores de Toledo que no tempo dos califas de Córdoba teriam estudado e teriam tornado conhecidos os autores antigos.

“Mas, eles se esquecem de lembrar que essa cidade episcopal, como muitas outras, e numerosos mosteiros, já no tempo dos reis bárbaros, e bem antes da ocupação muçulmana, era um grande centro de vida intelectual totalmente penetrado pela cultura antiga.

Nos 'scriptorium' dos mosteiros os monges salvaram a cultura,
copiando os grandes escritos da Antiguidade pagã
Os clérigos que ficaram cristãos eram muito conscientes da importância de transmitir essa herança, e continuaram seus trabalhos pura e simplesmente sob os novos senhores.

“Querem nos fazer acreditar nas piores asneiras e mostram para nós os monges como copistas ignaros, só ocupados na transcrição dos textos sagrados, obsedados em jogar no fogo preciosos manuscritos dos quais nada podiam compreender.

“Entretanto, testemunha alguma nos tempos obscuros da Idade Média viu alguma vez uma biblioteca entregue às chamas e são numerosos os que, pelo contrário, falam de mosteiros reunindo importantes coleções de textos antigos.

Reconstituição virtual do 'scriptorium' do Mont Saint-Michel.
Reconstituição virtual do 'scriptorium' do Mont Saint-Michel.
“É evidente que os grandes centros de estudo gregos não se situavam de maneira alguma em terra de Islã, mas em Bizâncio. (…)

“Não há sequer indício na Igreja, nem no Oriente nem no Ocidente, de qualquer tipo de fanatismo, enquanto que os muçulmanos eles próprios relatam numerosos exemplos do furor de seus teólogos e de seus chefes religiosos contra os estudos profanos.  (…)

“Os 'árabes' certamente procuraram menos e estudaram menos os autores gregos e romanos que os cristãos.

“Os ocidentais não tinham necessidade alguma da ajuda dos árabes porque dispunham em seus países de coleções de textos antigos, latinos e gregos, reunidos no tempo do império romano e que tinham permanecido nos locais originais.

“Sob todo ponto de vista, era em Bizâncio e não nos “árabes” que os clérigos de Europa iam aperfeiçoar seu conhecimento da Antiguidade.

Modelo de mesas típicas de um 'scriptorium'
monástico medieval
“As peregrinações na Terra Santa, os Concílios Ecumênicos, as viagens de prelados a Constantinopla mantinham e reforçavam toda espécie de contatos intelectuais.

“Na Espanha dos visigodos, os mosteiros, as escolas episcopais, os reis e os nobres recolhiam os livros antigos em suas bibliotecas.

“A Espanha servia de etapa na rota marítima rumo à Armorique (Bretanha) e à Irlanda onde os monges, lá também, estudavam os textos profanos da Antiguidade.

“Pode se esquecer que os Bizantinos, nos anos 550, reconquistaram e ocuparam a Itália toda, as províncias marítimas da Espanha e uma boa parte do que fora a África romana?

“Que Ravenna ficou grega durante mais de duzentos anos e que os italianos chamaram essa região de Romagna, a terra dos romanos, quer dizer dos bizantinos, herdeiros do império romano?

“Também nada é dito sobre o papel dos mercadores da Itália, da Provence ou da Catalunha que desde os anos mil frequentavam regularmente os portos do Oriente, com mais frequência Constantinopla que Cairo.

“Seria preciso imaginá-los como seres cegos, sem alma e sem cérebro, sem outra curiosidade senão suas especiarias?

Biblioteca da Universidade de Salamanca, Espanha, fundada na Idade Média
Biblioteca da Universidade de Salamanca, Espanha, fundada na Idade Média
“O esquema foi imposto, mas está errado.

“Apresentar os ocidentais como tributários das lições dadas pelos árabes é facciosismo e ignorância demais.

“Não é outra coisa senão uma fábula que reflete uma curiosa tendência para se denegrir a si próprio.”


(Fonte: Jacques Heers, Nouvelle Revue d’Histoire, n°1. Heers foi professor de História e ensinou nas Faculdades de Literatura e nas Universidades de Aix-en-Provence, Alger, Caen, Rouen, Paris X-Nanterre e Sorbonne (Paris IV). Foi Diretor do Departamento de Estudos Medievais da Universidade Paris-Sorbonne.)





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Abadias: hotéis gratuitos para peregrinos, viajantes e pobres

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Luis Dufaur
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Pela regra de São Bento, os frades deviam dar esmolas e hospitalidade ao necessitado, como se este fosse um outro Cristo.

Por isso os mosteiros serviam de hospedagens gratuitas, seguras e honestas para viajantes, peregrinos e pobres.

Não somente os monges recebiam a todos, mas em alguns casos iam à sua procura.

O hospital monástico de Aubrac tocava um sino especial à noite, para orientar os viajantes perdidos no bosque.

A cidade de Copenhague, na Dinamarca, nasceu em torno de um mosteiro estabelecido pelo bispo Absalon, para socorrer os náufragos.



Vídeo: Como o mundo moderno se voltou contra os construtores de nossa civilização





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Nascimento e triunfo dos altos estudos

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Faculdade de Medicina de Salerno
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Por volta de 1150 são fundadas as primeiras universidades medievais – Bolonha (1088), Paris (1150) e Oxford (1167) — em 1500 já seriam mais de setenta. Esse foi efetivamente o ponto de partida para o modelo actual de universidade.

Algumas dessas instituições recebiam da Igreja ou de Reis o título de Studium Generale; e eram consideradas os locais de ensino mais prestigiados da Europa, seus acadêmicos eram encorajados a partilhar documentos e dar cursos em outros institutos por todo o continente.

Tratando-se não apenas de instituições de ensino, as universidades medievais eram também locais de pesquisa e produção do saber, além de focos de vigorosos debates e muitas polêmicas. Isso também ficou claro nas crises em que estas instituições estiveram envolvidas e pelas intervenções que sofreram do poder real e eclesiástico.

A filosofia natural estudada nas faculdades de Arte dessas instituições tratava do estudo objetivo da natureza e do universo físico. Esse era um campo independente e separado da teologia; entendido como uma área de estudo essencial em si mesma, bem como um fundamento para a obtenção de outros saberes.

Influxo decisivo das ordens religiosas

Outro fator importante para o florescimento intelectual do período foi a atividade cultural das novas ordens mendicantes: especialmente os Dominicanos e os Franciscanos.

São Francisco e franciscanos, Benozzo Gozzoli
Ao contrário de ordens monásticas, voltadas para a vida contemplativa nos mosteiros, essas novas ordens eram dedicadas à convivência no mundo leigo e procuravam defender a fé cristã pela pregação e pelo uso da razão.

A integração dessas ordens nas universidades medievais proporcionava a infra-estrutura necessária para a existência de comunidades científicas e iria gerar muitos frutos para o estudo da natureza, especialmente com a renomada escola Franciscana de Oxford.

O influxo de textos gregos, as ordens mendicantes e a multiplicação das universidades iriam agir conjuntamente nesse novo mundo que se alimentava do turbilhão das cidades em crescimento.

Em 1200 já havia traduções latinas razoavelmente precisas dos principais trabalhos dos autores antigos mais cruciais para a filosofia : Aristóteles, Platão, Euclides, Ptolomeu, Arquimedes e Galeno.

Nessa altura a filosofia natural (e.g. ciência) contida nesses textos começou a ser trabalhada e desenvolvida por escolásticos notáveis como: Robert Grosseteste, Roger Bacon, Alberto Magno e Duns Scot, que trariam novas tendências para uma abordagem mais concreta e empírica, representando um prelúdio do pensamento moderno.

A Igreja Católica, alma da reta glorificação da razão

Universidade Jagellonica, Cracovia, Polônia
Grosseteste, o fundador da escola Franciscana de Oxford, foi o primeiro escolástico a entender plenamente a visão Aristotélica do caminho duplo para o pensamento científico: generalizar de observações particulares para uma lei universal; e depois fazer o caminho inverso: deduzir de leis universais para a previsão de situações particulares.

Além disso, afirmou que esses dois caminhos deveriam ser verificados - ou invalidados - através de experimentos que testassem seus princípios. Grosseteste dava grande ênfase à matemática como um meio de entender a natureza e seu método de pesquisa continha a base essencial da ciência experimental.

Roger Bacon, aluno de Grosseteste, dá atenção especial à importância da experimentação para aumentar o número de fatos conhecidos a respeito do mundo. Ele descreve o método científico como um ciclo repetido de observação, hipótese, experimentação e necessidade de verificação independente.

Bacon registrava a forma em que conduzia seus experimentos em detalhes precisos, a fim de que outros pudessem reproduzir seus experimentos e testar os resultados - essa possibilidade de verificação independente é parte fundamental do método científico contemporâneo.


continua no próximo post: Ordenadas pela lógica floresceram ciências como a mecânica, as matemáticas, a física e a astronomia




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Ordenadas pela lógica floresceram ciências como a mecânica, as matemáticas, a física e a astronomia

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Estudo de D. Grosseteste sobre a refração da luz, século XIII
Luis Dufaur
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A primeira metade do século XIV viu o trabalho científico de grandes pensadores. Inspirado em Duns Scot, William de Occam entendia que a filosofia só deveria tratar de temas sobre os quais ela pudesse obter um conhecimento real.

Seus estudos em lógica levaram-no a defender o princípio hoje chamado de Navalha de Occam: se há várias explicações igualmente válidas para um fato, então devemos escolher a mais simples. Isso deveria levar a um declínio em debates infrutíferos e mover a filosofia natural em direção ao que hoje é considerado Ciência.

Nessa altura, acadêmicos como Jean Buridan e Nicole d'Oresme começaram a questionar aspectos da mecânica aristotélica.

Em particular, Buridan desenvolveu a teoria do ímpeto, que explicava o movimento de projéteis e foi o primeiro passo em direção ao moderno conceito de inércia. Buridan antecipou Isaac Newton quando escreveu:

...depois de deixar o braço do arremessador, o projétil seria movido por um ímpeto dado a ele pelo arremessador e continuaria a ser movido enquanto esse ímpeto permanecesse mais forte que a resistência. Esse movimento seria de duração infinita caso não fosse diminuído e corrompido por uma força contrária resistindo a ele, ou por algo inclinando o objeto para um movimento contrário.

Nessa mesma época, os denominados Calculatores de Merton College, de Oxford, elaboraram o Teorema da velocidade média.

Expositio in Aristotelis por Johannes Buridan
Usando uma linguagem simplificada, este teorema estabelece que um corpo em movimento uniformemente acelerado percorre, num determinado intervalo de tempo, o mesmo espaço que seria percorrido por um corpo que se deslocasse com velocidade constante e igual à velocidade média do primeiro. Mais tarde, esse teorema seria a base da “Lei da queda de corpos”, de Galileu.

Hoje sabemos que as principais propriedades cinemáticas do movimento retilíneo uniformemente variado (MRUV), que ainda são atribuídas a Galileu pelos textos de física, foram descobertas e provadas por esses acadêmicos.

Nicole d'Oresme, por sua vez, demonstrou que as razões propostas pela física Aristotélica contra o movimento do planeta Terra não eram válidas e invocou o argumento da simplicidade (da navalha de Occam) em favor da teoria de que é a Terra que se move, e não os corpos celestiais.

No geral, o argumento de Oresme a favor do movimento terrestre é mais explícito e bem mais claro do que o que foi dado séculos depois por Copérnico. Entre outras proezas, Oresme foi o descobridor da mudança de direção da luz através da refração atmosférica; embora, até hoje, o crédito por esse feito tenha sido dado à Robert Hooke.

Em 1348, a Peste Negra levou este período de intenso desenvolvimento científico a um fim repentino. A praga matou um terço da população européia. Por quase um século, novos focos da praga e outros desastres causaram contínuo decréscimo populacional. As áreas urbanas, geralmente o motor das inovações intelectuais, foram especialmente afetadas.

Cristianismo e o estudo da natureza

O pensamento de Santo Agostinho foi basilar ao orientar a visão do homem medieval sobre a relação entre a fé cristã e o estudo da natureza.

Ele reconhecia a importância do conhecimento, mas entendia que a fé em Cristo vinha restaurar a condição decaída da razão humana, sendo, portanto, mais importante.

Livre de la Chasse, BNF, Paris
Agostinho afirmava que a interpretação das escrituras deveria ser feita de acordo com os conhecimentos disponíveis, em cada época, sobre o mundo natural.

Escritos como sua interpretação “alegórica” do livro bíblico do gênesis vão influenciar fortemente a Igreja medieval, que terá uma visão mais interpretativa e menos literal dos textos sagrados.

Durante os tempos confusos da dissolução do Império Romano do Ocidente e dos primeiros séculos da Idade Média muito da cultura clássica se perdeu, mas o declínio cultural teria sido bem mais intenso não fosse pelo monasticismo, mais especificamente pela ação dos monges copistas.

É bem verdade que os textos em grego já não estavam mais acessíveis pelo esquecimento do idioma e que os escritos que passavam pelo trabalhoso processo de cópia manual eram selecionados de acordo com a importância dada a eles pelos religiosos.

A Igreja também esteve a cargo da estrutura educacional, ou, pelo menos, supervisionando a mesma. Quando Carlos Magno chamou o monge Alcuíno para elaborar uma reforma na educação européia, a Igreja ficou responsável tanto pelas escolas monacais quanto pelas escolas catedrais.

A maioria das universidades nos séculos XII e XIII surgiram precisamente de escolas ligadas às catedrais e funcionavam sob a proteção de jurisdição eclesiástica.

Com relação à investigação da natureza, que renasceu na Idade Média Clássica, já foi mencionada a importância das ordens religiosas mendicantes.
Alcuino, abade de York

Embora Bernardo de Claraval e alguns outros religiosos tenham chegado a desencorajar o estudo das ciências por entenderem que muitos buscavam esses conhecimentos por vaidade, seus pontos de vista jamais foram adotados.

A Inquisição estava presente, mas a Igreja concedia aos professores muita elasticidade em suas doutrinas e, em muitos casos, estimulou as investigações científicas.

Nas universidades, o campo da filosofia natural dispunha de grande liberdade intelectual, desde que restringisse suas especulações ao mundo natural.

Embora se esperassem retaliações e castigos caso os filósofos naturais passassem desse limite, os procedimentos disciplinares da Igreja eram voltados principalmente aos teólogos, que trabalhavam numa área bem mais perigosa.

Em geral, havia suporte religioso para a ciência natural e o reconhecimento de que esta era um importante fator no aprendizado.




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A Igreja não só contribuiu mas fez a civilização ocidental

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O Prof. Thomas Woods conclui: "A Igreja não apenas contribuiu para a civilização ocidental, mas Ela construiu essa civilização"(, How the Catholic Church built Western Civilization, Regnery Publishing Inc., Washington D. C., 2005, p. 219).  

"Pensamento econômico, lei internacional, ciência, vida universitária, caridade, idéias religiosas, arte, moralidade — estes são os verdadeiros fundamentos de uma civilização, e no Ocidente cada um deles emergiu do coração da Igreja Católica"(p. 221).


Woods constata que as escolas revolucionárias, que dizem ser a fonte da civilização, na realidade trabalharam pela sua demolição.

Abadia de Dryburgh, Inglaterra
As escolas literárias revolucionárias conceberam enredos bizarros que refletem um universo anárquico e irracional.

Na música, o mesmo espírito anticristão criou ritmos caóticos como os de Igor Stravinsky.

Na arquitetura produziu a degeneração, hoje evidente, em edifícios destinados a serem igrejas progressistas. 

 Em filosofia, caiu-se a ponto de o existencialismo propor que o universo é absurdo, que a vida carece de significado e que a única razão de viver é enfrentar o vácuo (p. 222-223).

A Renascença e o Romantismo levaram o homem a voltar-se sobre si próprio.

Esta tendência desordenada resultou na preocupação obsessiva consigo mesmo e, por fim, no narcisismo e niilismo da arte moderna.

O artista londrino Tracey Emim, por exemplo, criou a absurda "obra de arte"My Bed: uma cama desfeita e suja, com garrafas de vodka, preservativos usados e roupas ensangüentadas.

Hotel Marqués de Riscal: nihilismo da arte moderna
Numa exposição na Tate Gallery, em 1999, vândalos nus pularam na "obra" e beberam o vodka.

O público aplaudiu. Emim ganhou o posto de professor na European Graduate School.

Estas são amostras do abismo em que caiu este mundo, que negou até a possibilidade de aspirar pela restauração da Cristandade.

* * *

São Pio X

Bem ensinou São Pio X que a Civilização Cristã não é um sonho nem uma utopia que está para ser descoberta.

Ela existiu, como está consignada em inúmeros testemunhos históricos.

E autores novos, como os que acabamos de citar, os redescobrem hoje com surpresa e admiração.

Mais ainda, ela existe em germe nas almas que, enfadadas pela anarquia e a cacofonia hodiernas, andam à procura da ordem ideal.

Com certeza, a Cristandade voltará a tornar-se realidade mais uma vez, e ainda mais esplendorosa, após o triunfo do Imaculado Coração de Maria, previsto em 1917 por Nossa Senhora em Fátima.
Notas:
1. Rodney Stark, The Victory of Reason — How Christianity Led to Freedom, Capitalism and Western Sucess, Random House, 2005, 281 pp.
2. Stark, op. cit., p. 7.
3. Thomas E. Woods, Jr. Ph. D., How the Catholic Church built Western Civilization, Regnery Publishing Inc., Washington D. C., 2005, 280 pp. As demais citações são deste livro, salvo indicação em contrário.




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Historiadores recusam os mitos anti-católicos e anti-medievais

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Castelo de Sully-sur-Loire, França
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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O prof. Thomas Woods escreveu:

“Durante os últimos cinquenta anos, virtualmente todos os historiadores da ciência [...] vêm concluindo que a Revolução Científica se deve à Igreja” (p. 4). 

Não é só devido ao ensino, mas pelo fato de a Igreja ter gerado cientistas como o Padre Nicolau Steno, pai da geologia;
Padre Atanásio Kircher, pai da egiptologia.

Capa da obra do Prof. T. E. Woods
Padre Giambattista Riccioli, que mediu a velocidade de aceleração da gravidade terrestre;
Padre Roger Boscovich, pai da moderna teoria atômica, etc;

Réginald Grégoire, Léo Moulin e Raymond Oursel mostraram que os monges deram  

ao conjunto da Europa [...] uma rede de fábricas-modelo, centros de criação de gado, centros de escolarização, de fervor espiritual, de arte de viver, [...] de disponibilidade para a ação social — numa palavra, [...] uma civilização avançada emergiu das ondas caóticas da barbárie que os circundava.

Sem dúvida nenhuma, São Bento
foi o Pai da Europa.

Os beneditinos, seus filhos, foram os pais da civilização européia”
(p. 5).


Veja mais em:

Invenções, progresso, ciências e técnicas medievais



Vídeo: Destrutores hodiernos do cristianismo, especialmente na União Européia





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A Igreja enxotou os costumes depravados e criminosos

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Abadia de Royaumont, França
Abadia de Royaumont, França
Luis Dufaur
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Os padrões de moralidade foram modelados pela Igreja Católica. A moral entre os pagãos atingiu um fundo de poço.

O grande filósofo grego Platão, por exemplo, ensinava a conduta monstruosa de que um doente, ou um incapacitado de trabalhar, devia ser morto.

Na Roma antiga havia 30% a mais de homens do que de mulheres. As meninas e os varões deformados eram simplesmente abandonados.

Os estóicos, seguidores de famosa escola filosófica de Atenas, propugnaram o suicídio para fugir da dor ou de frustrações emocionais. Algo parecido com as formas mais extremas de eutanásia que estão retornando hoje.

Os romanos afundaram tanto na sensualidade, que até perderam o culto da deusa Castidade. As sacerdotisas vestais deviam manter aceso um fogo sagrado, porque eles acreditavam que quando esse fogo fosse extinto viria o fim de Roma.

Deviam ficar virgens sob pena de morte e tinham imensos privilégios. A instituição foi extinta pois ninguém mais queria ficar vestal, função que estava decaída a uma espécie de prostituição radical.

Ovídio, Catulo, Marcial e Suetônio contam que as práticas sexuais do seu tempo eram perversas e até sádicas.

A Igreja restaurou a dignidade da família.
Von Wissenlo, Codex Manesse 299r
Segundo Tácito, no século II uma mulher casta era fenômeno raro.

Enfim, reinavam os torpes vícios em que hoje vai recaindo o mundo neopagão que apostatou da Cristandade.

A Igreja restaurou a dignidade do matrimônio e gerou um fato desconhecido pelos pagãos: suscitou mulheres capazes de tocar suas próprias escolas, conventos, colégios, hospitais e orfanatos.

A Igreja definiu e delimitou a guerra justa. Nem Platão nem Aristóteles fizeram qualquer coisa de comparável.

Em sentido contrário, o espírito moderno antimedieval teve um mestre em Nicolò Machiavello.

Ele postulou que a política é um jogo cínico, onde "a remoção de um peão político, embora envolva cinqüenta mil homens, não é mais perturbadora que a remoção de uma peça de xadrez do tabuleiro"(Thomas Woods p. 211).

Este post está baseado no livro do prof. Thomas Woods (“How the Catholic Church built Western Civilization”, Regnery Publishing, Washington DC, 2005, 280 p.) que teve uma edição no Brasil (“Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental”, Quadrante, São Paulo, 2008, 222 p.).




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A revolução industrial medieval: os começos da engenharia moderna

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Luis Dufaur
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Uma certa “lenda negra” visceralmente anti-medieval acostumava apresentar a Idade Média como uma era de retrocesso técnico.

Essa visualização anti-histórica movida por um fundo anti-cristão não resiste mais à crítica científica.

O Professor Raul Bernardo Vidal Pessolani, do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal Fluminens ‒ UFF, vem de publicar a respeito esclarecedora apresentação de Power Point.

A apresentação dispensa comentários e a reproduzimos a continuação:


PowerPoint: A Revolução Industrial Medieval e os começos da Engenharia
Se seu email não visualiza corretamente o PowerPoint embaixo CLIQUE AQUI



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Como um medieval via a liturgia da Missa

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Luis Dufaur
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Os capítulos que Guilherme Durand (séc. XIII) consagrou à explicação da Missa estão entre os mais surpreendentes de sua obra “Rational”.

Eis aqui, por exemplo, como ele interpreta a primeira parte do Divino Sacrifício:

“O canto grave e triste do Introito abre a cerimônia: ele exprime a espera dos Patriarcas e dos Profetas. O coro dos clérigos representa o coro dos Santos da Antiga Lei, que suspiram antes da vinda do Messias, que eles, entretanto não verão”.

“O bispo entra, então, e ele aparece como a figura viva de Jesus Cristo. Sua chegada simboliza o aparecimento do Salvador, esperado das nações”.

“Nas grandes festas leva-se diante dele sete tochas, para lembrar que, segundo a palavra do Profeta, os sete dons do Espírito Santo repousam sobre a cabeça do Filho de Deus.

“Ele se adianta sob um pálio triunfal, do qual os quatro carregadores são comparados aos quatro Evangelistas.

“Dois acólitos caminham à sua direita e à sua esquerda, e representam. Moisés e Elias, que se mostraram no Tabor dos dois lados de Nosso Senhor. Eles nos ensinam que Jesus tinha por Si a autoridade da Lei e a autoridade dos Profetas”.

“O bispo senta-se em seu trono e permanece silencio. Ele parece não desempenhar nenhum papel na primeira parte da cerimônia.

“Sua atitude contém um ensinamento: ela nos recorda pelo seu silêncio, que os primeiros anos da vida de Nosso Senhor se desenrolaram na obscuridade e no recolhimento”.

“O Sub-Diácono, entretanto, dirige-se para a cátera, e, voltado para a direita, lê a Epístola em alta voz. Entrevemos aqui o primeiro ato do drama da Redenção.

“A leitura da Epístola, é a pregação de São João Batista no deserto. Ele fala antes que o Salvador tenha começado a fazer ouvir Sua voz, mas ele não fala senão aos judeus.

“Também o Sub-Diácono, imagem do Precursor, se volta para o norte, que é o lado da Antiga Lei. Quando a leitura termina, ele se inclina diante do bispo, como o Precursor se humilhou diante de Nosso Senhor”.

“O canto do Gradual, que segue a leitura da Epístola, se reporta ainda à missão de São João Batista: ele simboliza as exortações à penitência que ele fez aos judeus, à espera dos tempos novos”.

“Enfim, o Celebrante lê o Evangelho. Momento solene, porque é aqui que começa a vida pública do Messias, Sua palavra se faz ouvir pela primeira vez no mundo. A leitura do Evangelho é a figura de Sua pregação".

“O Credo segue o Evangelho, como a fé segue o anúncio da verdade. Os doze artigos do Credo se reportam à vocação dos doze Apóstolos”.

“Quando o Credo termina, o bispo se levanta e fala ao povo. Escolhendo esse momento para instruir os fiéis, a Igreja quis lhes recordar o milagre de Sua expansão.

“Ela lhes mostra como a verdade, recebida antes somente pelos doze Apóstolos, se espalhou em um instante, no mundo inteiro”.

Tal é o senso místico que Guilherme Durand atribuiu à primeira parte da Missa.

Depois dessa espécie de preâmbulo, ele chega à Paixão e ao Sacrifício da Cruz. Mas aqui, seus comentários tornam-se tão abundantes e seu simbolismo tão rico, que é impossível, por uma simples análise, dar uma ideia. É necessário que se vá ao original.

Nós dissemos bastante, entretanto, para deixar entrever alguma coisa do gênio da Idade Média.

Pode-se imaginar tudo que uma cerimônia religiosa continha de ensinamentos, de emoção e de vida para os cristãos século XIII.

Um uso tão constante do simbolismo pode deixar estupefato alguém que não esteja familiarizado com a Idade Média.

É preciso porém não fazer como fizeram os beneditinos do século XVIII, não ver ali senão um simples jogo de fantasia individual.

Sem dúvida, tais interpretações não foram nunca aceitas como dogmas. Não obstante, é notável que elas quase nunca variam. Por exemplo, Guilherme Durand, no século XIII, atribui a estola o mesmo significado que Amalarius no século IX.

Mas o que é mais interessante aqui, mais do que a explicação tomada em si, é o estado de espírito que ela supunha. E o desdém pelo concreto; é a convicção profunda de que, através de todas as coisas desse mundo se pode chegar ao espiritual, pode-se entrever Deus.

Eis aqui o verdadeiro gênio da Idade Média.


(Fonte: Emile Mâle, “L'Art Religieux du XIII Siècle en France”, Librairie Armand Colin, 1958, pag. 51)




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Santo Natal e Feliz Ano Novo 2018!

Dos licores aos Hospitais: os frutos incontáveis da obra de São Bento

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São Bento, Biblioteca Nacional de Budapest
Luis Dufaur
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“Fuit vir...era uma vez um homem, Bento por graça e de nome, que desde os primeiros anos da sua infância mostrou sensatez de velho”.

Assim começa a “Vida e Milagres do Venerável Bento”, escrita pelo papa Gregório Magno em 593 ou 594, e a única fonte propriamente dita de que dispomos (para além da Regra), se quisermos saber algo da existência do patriarca dos monges do Ocidente, ou do pai da Europa.

Os santos eram assim: nasciam sábios e maduros, não brincavam, não eram irrequietos, não faziam as tropelias que todos os miúdos de todas as épocas fazem.

Gregório podia ter elaborado uma biografia bem mais completa, para nosso esclarecimento; não o fez porque o que lhe interessava era sim escrever uma hagiografia edificante para o povo de Deus.

Não sabemos quando morreu São Bento. Com toda a certeza após 547. Gregório conta que o velho monge viu a morte chegar: seis dias antes mandou que lhe abrissem a sepultura.

Quando sentiu o fim próximo, pediu aos companheiros para o levarem para o oratório: “e sustentando os membros debilitados nos braços dos seus discípulos, de pé, mãos erguidas para o céu, entre palavras de oração exalou o último suspiro.”

São Bento com sua Regra, afresco medieval
Nesse momento, dois irmãos perceberam que o seu abade tinha morrido, pois viram, do mosteiro até ao céu [a cella in coelum] estender-se uma estrada coberta de alcatifas e iluminada por lâmpadas sem conta.

No topo estava um personagem de aspecto venerável e cercado de luz, que lhes perguntou que caminho era aquele. Responderam que não sabiam.

Então ele disse-lhes: Este é o caminho pelo qual sobe ao céu Bento, amado do Senhor.

Quando, na segunda metade do século VI, o Ocidente sucumbia sob a anarquia política, a regressão da cultura erudita, o desaparecimento de formas mais complexas de governo, só uma entidade estava em condições de liderar a reorganização política e moral: a Igreja, que contava nas suas fileiras com os homens mais sábios e com as instituições mais fortes da época.

Separada de Roma, pela primeira vez sozinha a contas com o seu destino, a igreja amadureceu rapidamente. E apoiou-se em dois pilares: o papado e os monges.

Quando dizemos o papado estamos a falar de Gregório Magno, quando dizemos os monges estamos a pensar em São Bento de Núrcia. Foi com eles que a igreja pôde exercer uma indiscutível liderança da Europa ocidental.

1. No campo da cultura

Os mosteiros tinham escolas, nas quais aprenderam a ler e a escrever quase todos aqueles que, antes do século XII, sabiam fazê-lo; e tinham scriptoria, nos quais se copiaram alguns dos mais preciosos monumentos do pensamento clássico.

2. Na economia

À frente do mosteiro, o abade dirigia uma verdadeira multidão de camponeses dependentes. Um senhor, portanto. Mas um senhor que foi quase sempre um administrador mais eficaz dos seus domínios do que os seus correspondentes laicos; e que foi, muitas vezes, um pioneiro nos métodos de cultivo.

Quatro séculos após a morte de São Bento, os seus monges eram os melhores agricultores da Europa ocidental.
Monjas  beneditinas vivem hoje Regra medieval

3. Na religião

O essencial dos mosteiros beneditinos era a procura de uma ligação íntima com Deus.

O mundo à volta do mosteiro pressionava a todo o tempo os monges para que eles, com as suas orações e missas, obtivessem para senhores, cavaleiros ou homens mais humildes, a salvação que a vida que haviam levado pressagiava duvidosa.

Por exigência da sociedade laica, o tempo dos monges passou a estar ocupado quase em permanência com a oração.

No templo multiplicaram-se as capelas; os oficiantes revezavam-se, faziam turnos.

Nas grandes abadias do Ocidente – em Saint Gall ou no Monte de Saint Michel – rezava-se noite e dia.

4. Na política

Os seus monges iriam ser braços direitos de reis e príncipes, ou poderosos senhores locais com competências políticas e judiciais sobre populações dependentes.

Mas foi isso mesmo que aconteceu e, perdoe-se o determinismo do raciocínio, nem poderia ter sido de outra maneira. Estes monges tinham uma série de capacidades e talentos que faziam imensa falta aos reis da Alta Idade Média – e que quase mais ninguém tinha (à exceção de alguns bispos).

Podiam servir como escrivães, como professores, como chanceleres, como conselheiros...e assim foram utilizados em todas as monarquias do ocidente.

5. Na sociedade

É José Mattoso quem melhor explica o importante papel social desempenhado pelos monges a diminuir antagonismos, a pacificar estratos mais belicistas, a ajudar a integrar minorias desenraizadas, a reafetar ao usufruto dos mais pobres terras que estes haviam perdido.



(Autor: (excertos de) Luís Miguel Duarte, Professor Catedrático de História Medieval na Faculdade de Letras da Universidade do Porto)


Continua no próximo post: O projeto monástico de São Bento e nascimento da cultura e da civilização




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O projeto monástico de São Bento e o nascimento da cultura e da civilização

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Ora et labora ("reza e trabalha") é o leimotiv beneditino
Ora et labora ("reza e trabalha") é o leitmotiv beneditino
Luis Dufaur
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Continuação do post anterior: Dos licores aos Hospitais: os frutos incontáveis da obra de São Bento




É curioso que o projeto beneditino se mostra especialmente criativo no domínio do quotidiano, do corpo, dos sentidos, da cultura material e profana, com as quais se propõe precisamente romper.

Mais: nos séculos XI e XII os mosteiros beneditinos de homens e de mulheres foram mesmo criadores de valores profanos tipicamente europeus e ocidentais, que depois a sociedade fez seus.

Os monges e o corpo

O aspecto mais importante: a alimentação. Numa abadia, isso pode ser complicado, mesmo triplamente complicado: porque é preciso preparar diariamente comida para um grande grupo, pela imposição estrita da proibição de carne de quadrúpedes e pelos frequentes jejuns.

A comunidade tem que resolver muitos e difíceis problemas:

– a produção de matérias primas em autarquia;

– a preparação e a transformação dessas matérias primas em alimentos comestíveis;

– a conservação e a armazenagem em stock dos produtos.

Repare-se nisto: é preciso dispor em permanência, e em grande quantidade, de substitutos para a alimentação à base de carne; é preciso investir nas frutas, nos legumes, nos derivados de leite, na criação de capoeira e na piscicultura.

Monges na colheita de trigo
Monges na colheita de trigo
Na piscicultura houve realizações verdadeiramente espetaculares: arranjo de enormes tanques; construção de barragens ou de viveiros, em cascata ou alimentados por água corrente (por vezes constituindo conjuntos luxuosos e monumentais); técnicas sofisticadíssimas de repovoamento de peixes, de fecundação artificial (nomeadamente na Borgonha), de criação de determinadas espécies (as carpas da Alemanha e da Polônia), de maneiras de pescar (o salmão na Irlanda).

Entremos nas cozinhas e observemos as experiências de organização do espaço, os fornos, as chaminés, os esgotos, por vezes conduzindo a resultados extraordinários: Alcobaça, é claro, mas também Fontevrault, Glastonbury, Villers-la-Ville. Mas podíamos falar também na organização do trabalho, nos utensílios...

Centremo-nos na preparação e transformação dos alimentos.

Celeiro de Cluny: tão grande que hoje abriga um museu
Celeiro de Cluny: tão grande que hoje abriga um museu
no 40% dele que ficou!
Como já foi observado por historiadores da alimentação e do quotidiano, quase todos os progressos realizados, desde os inícios da Idade Média, nos diversos setores da economia e da tecnologia alimentares, são devidos aos esforços metódicos e perseverantes dos estabelecimentos religiosos; a cozinha dos religiosos está, involuntariamente, na origem da gastronomia.

A proibição da carne e os jejuns estimulam a criatividade, as experiências dietéticas e culinárias, a exploração das virtualidades de outros produtos alimentares diferentes da carne vermelha.

É preciso armazenar grandes stocks e conservá-los em bom estado, para ter sempre disponível uma reserva alimentar para um grupo numeroso.

Não é só um problema para o cozinheiro, é também para o celeiro, que cuidará dos edifícios e das condições de armazenagem, da gestão de stocks, do tratamento de excedentes.

Muitos celeiros cistercienses ficaram famosos (Pontigny, Longpont, Royaumont, Noirlac, Clermont, Villers).

O celeiro de Claraval, do fim do século XII, tinha 75 m de comprimento; o de Vauclair, do século XIII, 70x15m, o que dá 1050 m2; o de Eberbach, construído pelo ano de 1200, media 93x16 m (=1488 m2). Seria interessante saber como é que eles eram aproveitados interiormente.

Lembremo-nos, além disso, das granjas monumentais, ou da famosa fábrica de cerveja de Villers-la-Ville (1270-1276), com as dimensões de 42X12 m (=504 m2).




(Autor: (excertos de) Luís Miguel Duarte, Professor Catedrático de História Medieval na Faculdade de Letras da Universidade do Porto)



Continua no próximo post: Requintes temporais frutos abençoados dos monges que renunciaram ao mundo




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Requintes temporais frutos abençoados dos monges que renunciaram ao mundo

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Monges preparando o famoso Bénédictine
Monges preparando o famoso Bénédictine
Luis Dufaur
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Continuação do post anterior: O projeto monástico de São Bento e nascimento da cultura e da civilização


Todos os álcoois e licores franceses, dizem os especialistas, passaram por um período monástico; do mesmo modo, os mosteiros tiveram um papel decisivo na história dos queijos.

Acompanhemos Léo Moulin numa longa citação:


“Os monges eram os únicos a ter reservas de vinho, de fruta, de cereal; os meios financeiros e tecnológicos para os tratar; a inteligência e o espírito de observação, unidos ao espírito de invenção, para o fazer; as capacidades para deixar envelhecer o produto...

“Grande viajante, o meio monástico presta-se naturalmente à transmissão de técnicas, de 'segredos', de habilidades. Para ele não existe o risco de se extinguir a linhagem, como acontecia a tantas famílias nestes séculos mortíferos da Idade Média.

A contemplação do sublime inspirou a produção de requintes
A contemplação do sublime inspirou a produção de requintes
“Pode acumular reservas: a sua arte de cultivar as terras e a abstinência dos monges permitem-lho. Não comercializa nada, pelo menos no princípio.

“Que fazer desta cevada, senão cerveja? E destas uvas, senão vinho? E destas maçãs, senão cidra?

“E deste mel, senão hidromel? Que fazer finalmente deste leite, que se tem em abundância, senão queijo?”.

Uma pesquisa sobre as rações alimentares dos monges deu resultados surpreendentes. Em Corbie, em Saint-Germain-des-Prés e em Saint-Denis, cada irmão recebia diariamente 1,700 kg de pão, 1,5 litros de vinho (duas garrafas das nossas) ou de cerveja (cinco latas), cerca de 100 gramas de queijo, 230 gramas de legumes secos (favas ou lentilhas), 25 gramas de sal, um grama de mel e 30 gramas de gordura animal.

Os cartuxos seguiram o exemplo dos beneditinos: fábrica de Chartreuse
Nada de carne, é claro. Isto para três refeições diárias. As monjas recebiam um pouco menos, porque se pensava que, sendo mulheres, comiam menos (mas tinham direito a pão de melhor qualidade).

Em comparação, os leigos que trabalhavam para o mosteiro de Corbie recebiam menos pão (1,300 kg) mas bebiam 1,45 litros de vinho e 2,3 litros de cerveja.

Ao contrário dos monges, recebem ainda mais de 100 gramas de toucinho e 218 gramas de carne de porco salgada. A que se juntam 400 gramas de legumes secos, para puré de legumes e 138 gramas de queijo.

Tinham ainda 654 gramas de azeite e 327 gramas de um condimento salgado à base de peixe, 27 gramas de pimenta, 54 gramas de cominhos, sal e vinagre à discrição.

Quer dizer, os leigos que trabalham para Corbie recebem mais comida do que os monges. Eis uma conclusão que desafia frontalmente as ideias feitas sobre o assunto.

São rações enormes. Tudo gira em torno do pão; o que se come com o pão é o companaticum; daqui tiramos nós a palavra companheiro, etimologicamente aquele com quem se partilha o pão.

São Bento entrega a Regra a seus discípulos
São Bento entrega a Regra a seus discípulos
Os responsáveis pela alimentação não tinham em grande conta as couves, os frutos sasonais, “as ervas do jardim”; como em todas as civilizações rurais, só alimenta o que é consistente.

Por isso, para ajudar a engolir aquelas massas enormes de pão e de legumes secos, era preciso afogar tudo em quantidades torrenciais de vinho e de cerveja.

Contra a ideia tradicional de uma Idade Média esfomeada, Michel Rouche apresenta-nos os comensais carolíngios a empanturrarem-se de comida.

Alguns exemplos de grandes celebrações em mosteiros franceses sugerem-nos consumos de quatro ovos e de mais de um frango por cabeça, o todo bem cozinhado na gordura de três porcos (e a somar-se às refeições regulares).

Quer dizer que não houve fomes no Ocidente medieval? Claro que houve, bastantes e duras.

São Bento preside uma refeição dos monges
Mas quando a única fonte a dar conta dessas fomes é uma crónica monástica, como tantas vezes é o caso, deveremos formular uma prudente reserva: estaremos perante um ano de más colheitas.

Mas o corpo não precisa só de alimento, requer também higiene, individual e coletiva: a Regra prevê a toilette matinal, o banho e a abstinência sexual.

E prevê o cuidado com os doentes. Estes são agrupados num local específico do mosteiro, na enfermaria, afastados do quadrilátero do claustro.

Têm a sua própria alimentação, o seu horário, as suas salas, os seus regulamentos, o seu quotidiano.

Podemos dizer que é assim que nasce e se aperfeiçoa o espaço hospitalar ocidental (protótipo do hospital urbano, ao lado da cidade), num local próprio, com o seu dia-a-dia específico inspirado pelo quotidiano monástico medieval.

E não esqueçamos que a hospitalitas monástica tem dois filhos: o hospital, como acabámos de ver, mas também o hotel.




(Autor: (excertos de) Luís Miguel Duarte, Professor Catedrático de História Medieval na Faculdade de Letras da Universidade do Porto)


Continua no próximo post: Desenvolvimento medieval guiado pela sabedoria monacal



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Desenvolvimento medieval guiado pela sabedoria monacal

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Beneditinos na França
Beneditinos na França
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Continuação do post anterior: Requintes temporais frutos abençoados dos monges que renunciaram ao mundo

“Desbravadores, construtores, arquitectos, jardineiros, hortelãos, piscicultores, silvicultores, agricultores, criadores de coelhos, criadores de imensos rebanhos de carneiros (os cistercienses – não nos esqueçamos de que os cistercienses ingleses foram os primeiros a desenvolver as quintas destinadas à criação do carneiro e as redes de exportação da lã para o Continente), patrões de explorações agrícolas modelo, únicos mestres (eficazes) da assistência técnica, e isso durante séculos, os monges são por todo o lado, e senão na origem de tudo, pelo menos obreiros ativos do que será, um dia, a Europa.”
Antes de mais, como realizadores de modelos urbanos. “Vivemos como se fosse numa cidade”, exclama um deles num sermão do Advento.

É verdade, a abadia dos séculos XI e XII vai ser, como a cidade ocidental, um espaço totalmente novo, criado por homens cujo projeto é viverem nela uma vida de grupo mas também uma vida individual, diferente da vida que se faz cá fora, na sociedade com a qual romperam.






Tal como a cidade (e antes dela), a abadia é centrada: com numerosas vias de circulação, o seu espaço central vazio, correspondente à praça, é o local por excelência das trocas e da distribuição de funções, animadoras do conjunto, sistemática e racionalmente separadas e diferenciadas. À imagem da cidade, a abadia é uma entidade cercada através de um muro ritmado por portas.

Monges beneditinos trabalham os campos no sul da França
Monges beneditinos trabalham os campos no sul da França
Sem o terem procurado conscientemente, aí os temos pioneiros do desbravamento e arroteamento de terras, da drenagem de pântanos, da construção de barragens e diques; e percursores na utilização das novas energias (a madeira e a água), de que o Ocidente tinha tanta necessidade, estando como estava em plena expansão demográfica e urbana.

Era preciso conhecer melhor os monges “engenheiros hidráulicos”, nota D'Haenens.

Há realizações monumentais célebres: o plano de 1167, no Saltério do Trinity College, em Cambridge, com a rede de canalizações de água em Canterbury; o “hino à água” de um monge de Claraval no século XIII; a rede de esgotos de Villers-la-Ville; o aqueduto suspenso de Obazine (final do século XII); a água corrente em todas as celas, desde o século XII, na Grande Chartreuse.

Os monges lavavam as mãos antes das refeições, e todas as sextas-feiras o abade ou o prior lavavam os pés aos outros monges, como Cristo fizera aos apóstolos antes da última ceia.

Monjas beneditinas em região de desmatamento continuam a tradição inicida na Idade Média.  Foto da primeira metade do século XX, em Montana, EUA
Monjas beneditinas em região de desmatamento
continuam a tradição iniciada na Idade Média.
Foto da primeira metade do século XX, em Montana, EUA
Por isso, habitualmente a canalização servia em primeiro lugar a enfermaria, depois a fonte do claustro e só depois a cozinha.

Sabe-se também que os cistercienses estiveram entre os primeiros a utilizar o martelo hidráulico.

Em Pontigny, a queda de água da levada que os monges fizeram no século XII desenvolvia tão grande força motriz que, ainda em 1800, alimentava três rodas hidráulicas.

Mas as realizações hidráulicas dos monges brancos são mais e mais variadas: construção de aquedutos, diques e barragens (mesmo em rios de média dimensão); cisternas eficazes a aproveitar águas infiltradas e a prevenir inundações; escolhas certeiras de localização de cenóbios, ocupando o único ponto com água num cenário de aridez; evacuação de água do interior de minas, etc.

'Contra a sua vontade', os cistercienses experimentaram novas técnicas de exploração. Isso pela própria força das coisas, porque colocavam, nas suas realizações temporais, a seriedade, a inteligência, a paixão que animavam as suas práticas de interiorização espiritual.

Por isso foram responsáveis por tecnologias agronómicas e industriais revolucionárias. Voltemos a Duby:

“Monges e conversos, rendeiros do senhor Deus, melhoraram as raças animais – e um testemunho disso é o progressivo aumento dos pergaminhos que eles fabricavam com a pele de animais jovens – conseguiram reconstituir a fertilidade das suas terras por meios menos toscos.

Richard, abade de Wallingford em trabalhos de trigonometria, History of the abbots of St Albans, século XIV, British Library
Richard, abade de Wallingford em trabalhos de trigonometria.
History of the abbots of St Albans, século XIV, British Library
“Foram os campeões do adubo, das rotações fecundadoras; foram os campeões do trabalho da terra. Avisados acerca das melhores maneiras de atrelar os bois, aplicando ao solo dos campos, para melhor o revolver, o ferro...no século XIII, a Ordem de Cister colocou-se na vanguarda do desenvolvimento da metalurgia, [solicitando aos príncipes a doação das ferrarias mais ricas, domesticando a força das águas correntes para melhor bater o metal]. Cister, que erigiu as suas forjas com tanta majestade como os seus santuários.”

Desta forma, a cidade monástica prolongou-se para fora da muralha em propriedades e explorações. Projecções essas que foram racionalmente acompanhadas e pensadas nos campos da contabilidade, dos cartulários, dos censuais.

Por isso deram lugar a grandes aperfeiçoamentos de modelos de gestão e traduziram-se em práticas avançadas de arquivística, de gestão contabilística, de recenseamento fundiário e de cadastro de terras.



(Autor: (excertos de) Luís Miguel Duarte, Professor Catedrático de História Medieval na Faculdade de Letras da Universidade do Porto)



Continua no próximo post: Abadias beneditinas: modelos de governo monárquico-aristocráticos-democráticos



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